Jerônimo Monteiro - Capítulo V
Agitava-se a política, no Espírito Santo, com a perspectiva da próxima decadência do prolongado e forte domínio do Dr. Moniz Freire, que durava já mais de doze anos, pois desde 1892, quando iniciara o seu primeiro período presidencial, detinha o comando da maioria, no Estado. Periclitava sua aliança com o sucessor, Cel. Henrique da Silva Coutinho, eleito para o quadriênio de 1904 a 1908, e que assumira o poder a 14 de julho, porque motivos extraordinários impediram de fazê-lo a 23 de maio, data legal. Recebeu-o das mãos do Dr. Argeu Monjardim, Vice-Presidente, genro do Dr. Moniz Freire. Logo, porém, revoltava-se contra seu antecessor, contra a subserviência, e reagia, apoiado principalmente nos Srs. Augusto Calmon e Joaquim Lírio. Segundo Amâncio Pereira, consumou-se a desavença, a 9 de janeiro de 1905, motivada pela apresentação de candidatos a Governadores Municipais. E, de acordo com a imprensa local, atuaram, nessa passagem da Administração Pública, figuras militantes na política na Vitória, entre as quais, os mencionados Srs. Joaquim Lírio e Augusto Calmon.
Relatava-nos um velho contínuo do Palácio que o telefone não parava. O Dr. Moniz Freire telefonava de uma Repartição Pública Federal. E, diante dessa insistência, pessoa da família Coutinho, interessada na "independência" ou final da preponderância monizista, apanhou uma tesoura e cortou o fio telefônico: — "Agora, quem manda é o Presidente do Estado. É VOCÊ!"
Vitória, nesse tempo, era uma terra de disse-e-me-disses. Tudo se complicava, porque a política dominava todos os setores de atividade. Em tudo influía. Até nas eleições da mesa diretora da Santa Casa da Misericórdia. Tanto assim que, em junho de 1905, o Presidente do Estado apelou para Dom Fernando de Sousa Monteiro, que estava em Visita Pastoral, em Santa Teresa: — "Que viesse pacificar a exaltação de ânimos. Evitar que se derramasse o sangue, no instituto criado para lenir dores e pensar chagas dilacerantes".
Deveria a eleição processar-se no dia 9, mas, escolhido árbitro, o Sr. Bispo conseguiu uma prorrogação de modo que pudesse examinar o Livro das Atas. Vetou algumas eivadas de falhas; conciliou os espíritos e ganhou almas para Deus e a Pátria. Aliás, o Sr. Bispo muito colaborou, sempre, para acalmar situações tensas, em vista de suas boas relações com todas as correntes políticas.
O Cel. Henrique Coutinho respirou, tranquilo; pessoalmente e por escrito, manifestou ao Sr. Bispo sua gratidão.
E, apesar das dificuldades a vencer, acrescentava: — "Estou crente de que, em pouco tempo, poderei dar ao meu querido Bispo notícias muito fagueiras, por enquanto, apenas noticio que está depositada, em Londres, a quantia necessária para a construção de uma ponte que ligue esta Capital às estações das estradas de ferro, e para quinhentos metros de cais.
"Parece um sonho tamanha felicidade, porém é, mercê de Deus, uma verdade.
"No primeiro paquete chegam o Engenheiro e instrumentos para a sondagem e, em seguida, começarão as obras"
"Deus nos auxilia, meu bom amigo, NOSSA terra ainda há de ser grande e nossa Capital, um encanto".
* * *
Combatido aqui e no Congresso Nacional pela corrente oposicionista, no apogeu de sua preponderância, vendo de rastos o crédito do Estado, no País e no exterior, voltou-se o Cel. Coutinho para o jovem político exilado em São Paulo. Exilado, sim, mas desfrutando prestígio conquistado, desde que exercera o mandato, na Câmara Federal, como representante de sua terra. A 27 de novembro de 1905, o Presidente do Estado escrevia a Dom Fernando: — "Comunico-lhe que estou em constantes comunicações epistolares com o nosso muito prezado Dr. Jerônimo, e que, ainda, não perdi a esperança de que, por intermédio dele se faça uma grande transação, em benefício do nosso querido Espírito Santo.”
"Não tenho instado mesmo para que ele venha assumir o lugar que lhe destino, porque se me afigura que, estando ele em liberdade e fora daqui, pode agir com muito mais eficiência".
Contudo, a 13 de janeiro de 1906, o "Jornal Oficial" divulgava a nomeação de Jerônimo para Secretário Geral do Estado. Era ele, então, chefe da "União Municipal", folha de Santa Rita de Passa Quatro. Não aceitou a nomeação.
* * *
Aproximavam-se as eleições para o Congresso Federal, e o Cel. Henrique Coutinho, cada vez mais angustiado pela falta de recursos e de homens capazes para a luta desigual, passou a Jerônimo o seguinte S.O.S. "Moniz, no Sul do Estado, trabalhando; amigos dali me aconselham peça ao amigo venha auxiliar-me, com o seu grande prestígio, urgentemente. Pode fazê-lo? Ponho em suas mãos. Henrique Coutinho, Presidente do Estado".
Realizaram-se, de fato, as eleições a 30 de janeiro de 1906, com o seguinte resultado, segundo o "Jornal Oficial", de 4 de março do mesmo ano.
Senador
Augusto Calmon - 7.621 votos
(separados) - 206 votos
Dr. Moniz Freire - 2.462 votos
(separados) - 78 votos
Deputados
Dr. Bernardino Monteiro - 6.467 votos
(separados) - 113 votos
Dr. Pinheiro Júnior - 6.282 votos
(separados) - 114 votos
Dr. Galdino Loreto - 6.021 - votos
(separados) - 116 votos
Dr. Torquato Moreira - 4.197 votos
(separados) - 268 votos
Dr. Bernardo Horta - 2.723 votos
(separados) - 72 votos
Dr. José Monjardim - 2.420 votos
(separados) - 73 votos
Dr. Graciano Neves - 2.160 votos
(separados) - 79 votos
A 5 de março, no Paço Municipal da Vitória, foram diplomados os eleitos pela maioria: Augusto Calmon, Senador; Bernardino, Galdino, Pinheiro e Torquato, Deputados.
A 21, o ''Jornal Oficial'' noticiava que o Dr. Moniz Freire seguira para o Rio de Janeiro, a fim de contestar a eleição do Cel. Augusto Calmon e dos Deputados do Governo. O mesmo fez Augusto Calmon: viajou, para defender-se. Mas o Dr. Moniz Freire, apoiado pelo Governo Federal, conseguiu a anulação de quarenta e nove sessões, sobre as setenta e quatro realizadas. E, assim, cortar os Deputados Bernardino Monteiro, Pinheiro Júnior e Galdino Loreto. Salvou-se o Dr. Torquato Moreira, embora os três candidatos vencidos tivessem apresentado trinta e oito documentos sobre a legitimidade dos seus diplomas.
Profligando a apuração, falaram, na Câmara Federal, os Deputados Afonso Costa e Irineu Machado ("Jornal Oficial" 27/5/1906). O Deputado Afonso Costa declarou: — "A comédia está acabada".
Mas, no regresso ao Espírito Santo, foram os "depurados", como se dizia, então, festivamente recebidos. Augusto Calmon e Galdino Loreto, na Vitória; Pinheiro Júnior, no Castelo; Bernardino Monteiro, em Cachoeiro do Itapemirim, conforme o registramos, noutro capítulo. Era uma compensação, do povo, às agruras da política!...
A 31 de dezembro de 1906, realizaram-se as eleições para deputados estaduais, nas quais o Governo conseguiu maioria, no Congresso Estadual. Entraram, então, os "vencidos" nas eleições federais — Bernardino Monteiro, Galdino Loreto, Pinheiro Júnior e Augusto Calmon, que foi eleito Presidente da Casa, para a Legislatura de 1907.
Antes, omitiremos os comentários da imprensa e as lamentações ou declarações do Senador Moniz Freire, na Tribuna do Parlamento, a 25 de maio do mesmo ano, quando acusava acerbamente a traição e a falsidade daquele que, desde 1900, estava destinado: — ''Seria meu sucessor".
Tal depoimento sincero ressalta bem como se faziam as sucessões presidenciais naquele tempo. Desde o princípio do Governo, o Dr. Moniz Freire pensava no sucessor que iria impor ao Estado.
O certo é que o Cel. Henrique Coutinho não apresentou as razões de divergir do seu antecessor — que o fizera seu substituto. Preferiu o silêncio. Mas, na defesa, profundamente humana e hábil do seu ex-colega, o Senador Joaquim Catunda, que respondeu a todas as acusações, aos queixumes e às lamentações do Dr. Moniz Freire, recebeu sincero conforto, nessa passagem dura do seu Governo. Simultaneamente, na Câmara Federal, o Deputado Galdino Loreto ripostava, com vantagem, o Senador capixaba.
Conjuntamente, estreitou-se, no Espírito Santo, o cerco dos monizistas contra o Presidente do Estado. A 21 de setembro de 1905, por exemplo, duas Câmaras Municipais apresentaram denúncia ao Congresso Legislativo Estadual contra S. Exa., enquanto, no Senado, o Dr. Moniz Freire tratava dessa ocorrência, verdadeira manobra para afastar, legislativamente, o chefe do Governo do seu cargo. Seria substituído pelo Vice-Presidente Argeu Monjardim, genro do Senador Moniz Freire. Mas a denúncia caiu, porque não conseguiu a aprovação, por dois terços do Congresso. O Deputado Pio Ramos, em face da delicadeza da situação, que resultaria em verdadeiro caos político-administrativo, votou com a bancada governista. Os Deputados Antônio Ataíde e Pinheiro Júnior proferiram rigorosa repulsa à denúncia, enquanto, na Câmara Federal, o Deputado Galdino Loreto defendia, brilhantemente, o Cel. Coutinho. E, no Senado, o Sr. Joaquim Catunda afirmava: — “O Cel. Henrique Coutinho é um homem são, é um administrador honesto de quem não se conhecem nem atos de violência nem esbanjamento dos cofres públicos".
E continuava a situação enche-tempo, inútil ao bem do povo, com a falta de quórum, no Congresso, até encerrar-se a Legislatura 1905, enquanto se agravava a situação financeira do Estado, em consequência da construção onerosa da via férrea Sul do Espírito Santo e da queda vertiginosa do preço do café. No Relatório apresentado ao Dr. Jerônimo, a 23 de maio de 1908, dizia o saudoso Presidente: — "... nunca o café, de onde haurimos os recursos financeiros de que precisamos, desceu a preços tão vis, como se pode bem evidenciar do que encontrei vigorando, na praça, quando assumi o Governo, 8 mil e tanto, e aquele a que desceu, logo em seguida, — R$ 3$300, quase a terça parte".
Em 1904, ao tomar posse do Governo, encontrara, no Tesouro do Estado e no Banco da República do Brasil, a quantia de 60:257$76i. E se o café decrescia de preço, crescia a propaganda contra o Estado, porque a crise econômica, além de entravar a máquina administrativa, colocava-o em situação deprimente até na Europa. Existiam dívidas volumosas, em consequência de requerimento de empreiteiros do Sul do Espírito Santo, do contrato com Domingos Giffoni, sobre a imigração italiana e outros compromissos, que datavam do Governo anterior. O Palácio estava sem mobiliário, sem água, luz, esgotos e utensílios. O Quartel da Polícia, a desabar! O prédio da Corte da Justiça em igual condição.
Notas:
A presente obra da emérita historiadora Maria Stella de Novaes teve sua primeira edição publicada pelo Arquivo Público do Estado do Espírito Santo -APEES, em 1979, quando então se celebrava o centenário de nascimento de Jerônimo Monteiro, um dos mais reconhecidos homens públicos da história do Espírito Santo.
Esta nova edição, bastante melhorada, também sob os cuidados do APEES, contém a reprodução de uma seleção interessantíssima de fotografias da época — acervo de inestimável valor estético-histórico, encomendado pelo próprio Jerônimo Monteiro e produzido durante o seu governo — que por si só, já justificaria a reimpressão, além do extraordinário conteúdo histórico que relata.
Autora: Maria Stella de Novaes
Fonte: Jerônimo Monteiro - Sua vida e sua obra
2a edição Vitória, 2017 - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (Coleção Canaã Vol. 24)
Compilação: Walter de Aguiar Filho, julho/2019
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