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Jerônimo Monteiro - Capítulo XX

Jerônimo Monteiro e autoridades descendo as escadas do palácio em direção ao cais do Imperador, em um evento público, ao final do seu governo (1912). APEES — Coleção Jerônimo Monteiro

Passado o Governo ao seu sucessor, começou o Dr. Jerônimo sua via de amarguras!... Pensou o Marechal Hermes da Fonseca em nomeá-lo diretor dos Correios e Telégrafos, mas a influência do General Pinheiro Machado foi contrária, enquanto estimulava o Senador Moniz Freire a renovar a campanha, quanto às transações relativas a Sul do Espírito Santo.

Dedicou-se o Dr. Jerônimo à advocacia e, depois, ao comércio, com uma papelaria e tipografia, a Santa Helena. Ainda em 1912, foi nomeado representante da Fazenda Nacional, junto à Inspetoria de Portos, Rios e Canais, motivo por que, no Congresso Estadual, a 12 de novembro, foi-lhe proposta Moção de congratulações pelo Deputado Barros Júnior.

Mas a ofensiva do Senador Moniz Freire teve a devida repulsa, porque se revelou, então, o valor e a capacidade o Senador Bernardino Monteiro, como sereno e forte argumentador, ao responder às acusações do seu colega, porfiado em ferir a reputação do Dr. Jerônimo e demolir a política por este chefiada. Seus discursos, pronunciados a 19, 20, 23, 24 e 29 de agosto de 1912, foram memoráveis, "pela precisão de argumentos, elevação de linguagem e forma impecável". Nada ficou inferior ao extraordinário antagonista; destruiu, uma por uma, as acusações e injustiças assacadas à administração do Dr. Jerônimo.

Considerado homem de grande talento e ilustração, ficou o Dr. Moniz Freire conhecendo o conterrâneo não menos ilustre, nessa luta parlamentar de verdadeiros gigantes.

No primeiro discurso, a 19 de agosto, assim iniciou o Dr. Bernardino a defesa do irmão ofendido:

“Sr. Presidente, o meu companheiro de representação, nesta Casa, cujo nome peço ao Senado para declinar, o Sr. Moniz Freire, em sessão de 7 do corrente mês, reeditou contra o ex-Presidente do Espírito Santo Dr. Jerônimo Monteiro, com o deliberado propósito de deprimi-lo, perante o Governo Federal, acusações que, já por vezes, têm sido articuladas, na imprensa e na tribuna da Câmara e do Senado, acusações que, na mesma imprensa, nessa e na outra Casa do Congresso, têm sido cabalmente desfeitas.

Nesta, como nas outras vezes, ultrapassou os limites de reflexão, e da calma, das normas do decoro e do respeito devidos ao Senado, que não deve ser transformado em pelourinho da reputação alheia. Embora tais ataques já estejam rebatidos pelos nossos ilustres colegas, Senador João Luis Alves, nesta Casa, e Deputado Torquato Moreira, na Câmara, eu tencionava, de pronto e, ainda uma vez, responder a S. Exa.

O mesmo propósito manifestaram o Sr. Deputado Paulo de Melo e outro distinto membro da representação federal, estranho à política do Espírito Santo. O Dr. Jerônimo se opôs a tais intentos, apresentando razões plausíveis da sua oposição. Não respondia e não desejava que se dissesse uma só palavra em sua defesa contra os ataques sofridos pelos atos praticados por S. Exa, antes de ser Presidente do Espírito Santo, porque desses atos havia já prestado oportunamente, contas a quem de direito, — o Presidente do Estado, Sr. Cel. Henrique Coutinho. Dele recebera a devida aprovação do Congresso Estadual, sendo S. S. louvado e até premiado com a elevação à Presidência do Estado, pelo povo espírito-santense.

A esses aplausos não foram estranhos os próprios partidários de S. Exa., os oposicionistas ao Governo do Estado e o próprio órgão do Partido oposicionista, o "Estado do Espírito Santo", jornal de propriedade do nobre Senador, em artigos que já fora lidos, nesta Casa, pelo nosso prezado colega, Senador João Luis Alves, e que farei aditar ao meu discurso, aplaude os atos de S. S.”

                                     * * *

Na sessão de 23 de agosto de 1912, assim concluiu o Dr. Bernardino, enérgica e serenamente. “E aqui termino, Sr. Presidente, lembrando ao meu nobre colega, o Sr. Moniz Freire, o conhecido prolóquio popular: ‘Não preza a própria reputação quem malbarateia a alheia".

Não deixou o exímio advogado, que era, de analisar tópico por tópico da acusação, metódica e minudentemente, esclarecendo, analisando e concluindo, dentro de uma lógica férrea; e entrou depois a relembrar atos e fatos do domínio político do seu antagonista, no Estado, que muito lhe depunham contra a ciência desse e sua serenidade administrativa.

No estudo do grave erro técnico que foi a Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo, o Dr. Bernardino esgotou o assunto, demonstrando a insensatez do traçado difícil de construir e oneroso de operar-se e quão acertada fora a venda dessa infeliz via férrea à Companhia Leopoldina, com a obrigação dessa empresa concluir-lhe o trecho Cachoeiro-Matilde, completando, assim, a ligação Vitória-Rio de Janeiro.

Lembrou, finalmente, as atrocidades dos agentes policiais do Senador Moniz Freire, no Sul do Estado, culminadas com as aventuras e os excessos do célebre Tenente Evaristo.

Finalmente, o Senador Bernardino encerrou a série dos seus impressionantes discursos:

“Penso ter respondido e haver rebatido todas as acusações do meu nobre colega, que só quis mais uma vez dar expansão à sua animosidade contra o Dr. Jerônimo Monteiro, cujo único crime é não comungar em política com S. Exa. e ter o apoio da quase unanimidade do povo espírito-santense. Não estranho o ataque ao ex-Presidente do Espírito Santo porque é sina dos nossos homens públicos terem a honra injustamente atassalhada. Isto tem acontecido a todos os homens eminentes do nosso país, desde a monarquia, e não é para admirar-se que também passe pela mesma provação o modesto ex-Presidente do Espírito Santo.

Bem sei que, para os que não querem se convencer, não há evidência. Mas não falo para esses e sim para homens que têm a consciência escoimada de prevenções injustiçadas. Para esses, estou certo, a vida pública, já longa e documentada do Dr. Jerônimo Monteiro basta para qualificá-lo, com justiça.

Termino, pedindo ao Senado desculpa, pelo tempo que lhe tomei, embora acredite haver prestado um bom serviço ao regimento republicano, rebatendo ataques à probidade, ao caráter e à honra de um dos seus servidores.

                                     * * *

Após esse nutrido debate, parece haver-se aquietado a animosidade do Senador Moniz Freire. E, decorridos quatro anos, teve S. Exa. o gesto nobilíssimo de colocar-se ao lado do Dr. Bernardino, candidato à sucessão do Cel. Marcondes Alves de Sousa, no Governo do Estado. E procurou aproximar-se de alguns membros da família Monteiro, que lhe dispensaram a melhor acolhida. Esse procedimento foi, para todos, grande conforto.

                                     * * *

Seu "Manifesto", publicado a 22 de fevereiro de 1916, é uma peça política interessante. De par com louvores ao Cel. Marcondes de Sousa, tem palavras candentes contra os políticos do Espírito Santo, aliados, então, ao Dr. João Luís Alves e acobertados pelo Presidente Venceslau Brás, francamente contrário aos Monteiros. No final, depois de uma fisgada indireta na Administração de 1908 a 1912, termina:

“Mas esse candidato, o Senador Bernardino Monteiro, é um homem perfeitamente digno. As paixões políticas, tão implacáveis e cruéis, não poupando, em seus últimos exageros, a ninguém de sua família, jamais encontraram, até aqui, em sua vida pública e privada, fato a alegar que o desabone ou diminua. Essa prova deve ser decisiva para um homem público, a quem, de resto, não faltam a competência, o patriotismo e a inteligência para receber a investidura.”

E o Dr. Moniz Freire teve, ainda, a elevação e a coragem de declinar do convite feito pelo Presidente Venceslau Brás, para que se aliasse à oposição à candidatura em apreço.

Em agosto de 1913, o Dr. Jerônimo elegeu-se Deputado Estadual, na vaga do irmão Antônio, falecido a 19 de junho. Elevado à Presidência da Casa, ouviu, sereno e resignado, a leitura da "Mensagem" do Cel. Marcondes, eivada de restrições à sua gestão financeira!... Quantas de suas iniciativas cortadas!...

Eleito, a 30 de janeiro de 1914, Deputado Federal, foi reconhecido a 13 de agosto. Em 1918, foi eleito Senador e assistiu, em São Paulo, à sagração episcopal de Dom Benedito Alves de Sousa, terceiro Bispo do Espírito Santo.

Nublou-se, depois, o cenário político do Espírito Santo, com o assédio, para mover o Cel. Marcondes de Sousa contra os Monteiros. Era a costumada manobra de assalto ao Poder, sempre que se avizinhava a sucessão presidencial. Mas o assassinato do General Pinheiro Machado, a 8 de setembro de 1915, mudou completamente a situação. Faltou aos chamados "políticos tradicionais" seu decidido, embora disfarçado, apoio junto ao Cel. Marcondes. Inventou-se, até, a promessa de uma senatória. E não faltaram os "versos" daquele tempo:

Se Seu Pinheiro não fosse

Por seu Coimbra matado,

Seu Marcondes 'stava hoje,

Sentadinho no Senado.

Entretanto, ele estava e continuava na Presidência do Estado. Jamais candidatou-se a Deputado ou Senador, mesmo após deixar o Governo. E mantinha-se intransigente na sinceridade, apesar de sua aparência de "ser levado pelos outros". Era mineiro duro e esperto. Fazia o que bem deliberava. E sofreu muito nessa passagem, quando para sua maior amargura de ver-se assim julgado, perdeu a filhinha de poucos meses de idade, afilhada do General Pinheiro Machado!...

Um tormento tem sempre o seu cortejo!...

E, na fervura dos comentários, estilo Praça-Oito e bancos de farmácia, tão comuns naquele tempo, certa vez, em visita a Dom Fernando, já gravemente enfermo, declarou com seu ar ingênuo, porém arrasador, perante a família Monteiro e um grupo fino presente: "Recebi o Governo de um Monteiro, só o entregarei a outro Monteiro",

E, na sua "Mensagem" final, esclareceu: "Já vos disse e repito, não tive intenções subalternas, o meu desejo era acertar e desempenhar condignamente as funções do cargo, procurando ser útil a esta terra que tanto quero e que tanto estremeço".

De fato, desencadeada a campanha da sucessão presidencial, o Cel. Marcondes de Sousa resistiu à tremenda oposição, à moda capangas e tiroteio, enquanto o Dr. Bernardino, após recusar ao Presidente Venceslau Brás a substituição de sua candidatura, por outra a gosto de S. Exa., desenvolveu desassombrada e digna ação: percorreu todo o Estado, com os meios de transporte daquele tempo, a fim de auscultar-lhe, objetivamente, os anseios e as carências, embora torturado com a moléstia e o falecimento de Dom Fernando, seu irmão dileto, companheiro de estudos, no Caraça e no Rio Comprido, doloroso fato ocorrido a 23 de março, dois dias apenas antes das eleições.

Na Convenção do Partido, a 16 de fevereiro de 1916, havia lido sua Plataforma, na qual foi de uma fidalguia sem par com o Sr. Moniz Freire. E prosseguiu na luta: — "Recuar? Recuar nunca” — disse ele, certa vez — “porque recuar é temer; temer é ser covarde; ser covarde é ser indigno, e eu quero ser digno de minha terra e de seu povo".

Mas, enquanto o Dr. Bernardino desenvolvia sua propaganda eleitoral, o Dr. Jerônimo o auxiliava, trabalhando igualmente no Sul do Estado, apoiado no Dr. Luis Tinoco da Fonseca e em outros correligionários. Cachoeiro do Itapemirim foi o reduto mais decisivo da campanha, com a liderança do Dr. Jerônimo, que venceu a influência do Governo Federal.

Uma "Vária" do "Jornal do Comércio", que não transcrevemos por ser extensa, registra que o Presidente Venceslau Brás, ao convocar o Dr. Bernardino ao Catete para tratar da sucessão no Espírito Santo,

“com a maior franqueza não ocultou que não prestigiaria a sua candidatura, não só porque ela poderia ser inquinada de oligarquia, como porque seria a sanção da Administração anterior à atual, acusada como é público, documentadamente de graves erros.

O Presidente da República, ainda, desta vez, não foi atendido.

E sente, portanto, que lhe cumpre prestigiar, sem motivos subalternos, o grupo oposto à candidatura do Dr. Bernardino Monteiro, e assim agirá, sem preocupações de vitória ou derrota, com a serenidade e firmeza de quem cumpre um dever imperioso. (18/01/1916)”

O Dr. Jerônimo não tardou na resposta a esse documento político, resposta oportuna e altiva, numa carta ao mesmo jornal, que evidencia, mais uma vez, sua personalidade servida por um talento de escol.

                                     * * *

Candidato à reeleição ao Senado, em 1927, o Dr. Jerônimo enfrentou uma campanha veemente, impossível de vencer, ante a pressão do Governo em favor de outro candidato, o Dr. Joaquim Teixeira de Mesquita, apresentado, aliás, pelo Partido que ele fundara!... Coerente com o irmão, o Dr. Bernardino não assinou o Manifesto. Mas o Dr. Jerônimo sofreu a ingratidão de signatários que ele havia iniciado e amparado na vida!... Por mais elevado e forte que seja o indivíduo, a ingratidão sempre dói!...

Realizaram-se as eleições a 24 de fevereiro. E o Dr. Jerônimo perdeu, com o sistema antigo: medo de corte no emprego, bico de pena, fiscais e outras normas, destruídas pelo voto secreto e o reforço do voto feminino, decidido e independente.

E muita gente chorou!... "O Dr. Jerônimo!..." — era uma exclamação dos que se encontravam, aqui e ali.

 

Nota:

 

A presente obra da emérita historiadora Maria Stella de Novaes teve sua primeira edição publicada pelo Arquivo Público do Estado do Espírito Santo -APEES, em 1979, quando então se celebrava o centenário de nascimento de Jerônimo Monteiro, um dos mais reconhecidos homens públicos da história do Espírito Santo.

Esta nova edição, bastante melhorada, também sob os cuidados do APEES, contém a reprodução de uma seleção interessantíssima de fotografias da época — acervo de inestimável valor estético-histórico, encomendado pelo próprio Jerônimo Monteiro e produzido durante o seu governo — que por si só, já justificaria a reimpressão, além do extraordinário conteúdo histórico que relata.

 

Fonte: Jerônimo Monteiro - Sua vida e sua obra, 2ª edição Vitória, 2017 - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (Coleção Canaã Vol. 24)
Autora: Maria Stella de Novaes
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2019

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