José de Anchieta e o Espírito Santo
O jesuíta visitou mais de uma vez o Espírito Santo quando em trabalho de inspeção aos colégios dos padres e seminários de instrução. Foi a São Mateus pelos idos de 1572. E, antes disso, em 1567, fundou a aldeia de Reritiba, que hoje, sede de município e comarca, traz o seu nome. Anchieta foi o grande missionário do Espírito Santo. Contava histórias para os índios, narrava trechos da vida de Jesus, organizava festas religiosas e escrevia peças teatrais, que eram um instrumento de catequese, sempre transmitindo ensinamentos religiosos.
Júlio Dantas escreveu que Anchieta foi "um milagre de poesia, de bondade e de amor". Freitas Nobre diz: "A gravura do século XVIII reproduzida pela Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol.2, refere sua figura enfermiça, humilde e tímida, acanhada e retraída". E Pedro Calmon registrou: "O maior dentre os jesuítas foi uma torta e minguada criatura a quem mandaram os mestres a curar-se no Brasil ou morrer aqui". Importante deixar registrado também que, quando os padres da Bahia souberam que José de Anchieta seria nomeado Reitor do Colégio, escreveram ao Padre Geral Everardo Mercuriano dizendo que "não parecia conveniente confiar aquele reitorado a quem tinha tão pouca presença". José de Anchieta gostava do Espírito Santo e se fez grande amigo dos nativos. Porém foi chamado pela Companhia de Jesus para novas funções e teve de partir.
Aos 52 anos de idade, ele se sentia cansado. Anos de dedicação à causa da catequese e defesa dos índios pesavam sobre o seu corpo pequeno e mirrado. O médico Jaime Santos Neves, em seu livro A Outra História da Companhia de Jesus, registra que "não poderia ter escapado ao entendimento arguto de seus médicos a hipótese de uma tuberculose". E acrescenta: "A clara, nítida e minuciosa exposição da doença de Anchieta, feita pelos seus biógrafos, não deixa lugar a qualquer dúvida e, até mesmo, em nosso parecer, aponta e acusa a evidência de tuberculose".
E no livro de Simão Beretário, Vita Joseph Anchieta, escrito em 1617, vinte anos após sua morte, assim vem descrita a doença do noviço José: "Em meio a esses exercícios, principiando a sua vida religiosa na Companhia, caiu numa grave e perigosa enfermidade".
Já sobrecarregado com a função de Provincial do Brasil, pediu dispensa desse cargo e se retirou para o Colégio da Companhia de Jesus, no Rio de Janeiro. Julgava cumprida a sua missão e esperaria ali tranqüilamente o dia de prestar conta dos seus atos a Deus, Nosso Senhor. Entretanto, ainda era cedo para o estudo e preparo dessa prestação de contas porque, as contas ainda estavam em aberto.
A Capitania do Espírito Santo novamente precisou dele e ele veio. Poderia ter-se instalado em Vitória. que com suas inumeráveis deficiências, ainda era o melhor pouso dessas paragens. Mas escolheu uma aldeia por ele fundada, distante doze léguas (1 légua: 5.920 metros) da sede, a aldeia de Reritiba, hoje Anchieta.
Para um homem franzino e doente, entregue a uma vida de trabalho ininterrupto em terras longínquas, onde, para sobreviver, só poderia contar com os recursos que ele próprio criasse e aplicasse, a idade de 64 anos teria de ser forçosamente a da velhice e da exaustão.
Era essa a idade de Anchieta quando, "estando em Vitória e sentindo-se mais doente do que de costume, pediu que o levassem à aldeia de Reritiba". Após penosa viagem em canoa, chegou à aldeia do coração, com seus padecimentos bastante agravados.
Esteve de cama três semanas e a agonia final durou cerca de meia hora, "com tanta paz e quietação, como se estivesse rezando, e, ao mesmo tempo, parecia agradecer com os olhos aos que procuravam dispô-lo para se apresentar diante de Deus" (Jaime Santos Neves, em A Outra História da Companhia de Jesus).
Assim nos conta Simão de Vasconcelos: "E logo, entre suspiros e saudades, com o nome de Jesus e Maria na boca, em braço dos cinco sacerdotes que o ajudavam, um domingo, 9 de junho do ano do Senhor de 1597. quarenta e quatro anos depois que entrou no Brasil, quarenta e sete de religião e sessenta e quatro de idade, foi desatada aquela alma venturosa da cadeia de carne e voou ao seu Criador".
Presentes à sua morte estiveram os cinco sacerdotes da Companhia: Diogo Fernandes, superior em Reritiba, Jerônimo Rodrigues, seu enfermeiro nesses últimos tempos, o Padre João Fernandes Gato e os dois missionários de Guarapari, Padre Antônio e Marital Dias. Os funerais do Padre Anchieta foram muito concorridos, uma verdadeira e espontânea consagração que lhe prestou toda a Capitania do Espírito Santo. Os índios, seus fiéis amigos, compareceram em grande número. Ele foi sepultado na Igreja de São Tiago, em Vitória.
O processo de beatificação do Padre Anchieta começou cinco anos após sua morte. Foi designado beato em 22 de junho de 1980. Os fiéis acreditam que tenha sido um prelúdio para sua santificação.
Fonte: Jornal A Gazeta, A Saga do Espírito Santo – Das Caravelas ao século XXI – 19/08/1999
Pesquisa e texto: Neida Lúcia Moraes
Edição e revisão: José Irmo Goring
Projeto Gráfico: Edson Maltez Heringer
Diagramação: Sebastião Vargas
Supervisão de arte: Ivan Alves
Ilustrações: Genildo Ronchi
Digitação: Joana D’Arc Cruz
Compilação: Walter de Aguiar Filho, maio/2016
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