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Literatura no Espírito Santo: 1770 a 1870

Afonso Cláudio - Busto localizado na Praça Costa Pereira - Vitória, ES

Afonso Cláudio chama de “período de agregação” (1770-1870) e período de expansão consciente” (1871 a 1907) os dois momentos literários da história da literatura capixaba ou do Espírito Santo. O primeiro, caracterizado pelo “aparecimento dos poemas que vêm atestar o propósito de corporificar as ideias clássicas, aproveitando-as na reprodução dos painéis de natureza física, acompanhado de outras manifestações que reprimem os afetos e sentimentos ora íntimos, ora gerais do comum do povo, suas aspirações, crenças religiosas, mitos e superstições”, e o segundo, “em que as ideias parecem ter encontrado o surto natural que lhes permite adejar em todos ou quase todos os quadrantes do pensamento, é caracterizado por uma tal ou qual autonomia no modo de exprimir impressões e formular conceitos”.

Nesse primeiro momento, “preso às ideias clássicas”, Afonso Cláudio constata uma forte influência da escola baiana no “classicismo poético”, sendo o padre baiano Domingos de Caldas o estimulador do cultivo às letras em terras capixabas. Descreve-o como “Espírito afeito ao culto da antiguidade (...) ungindo-as em seus escritos com o misticismo de sua religião”. Segundo o mesmo historiador, a primeira composição poética sobre o assunto local foi escrita em 1770, o “Poema mariano”, do padre Domingos (de) Caldas, uma narrativa em verso rimado dos milagres da Senhora da Penha, só publicado, no entanto, em 1854.

Na verdade, Domingos de Caldas Barbosa (1740-1800) é, apenas, o continuador de uma tradição jesuítica iniciada por Anchieta, duzentos anos antes, de escrever poemas religiosos com temas locais. O que o difere dos seus antecessores é a influência camoniana, neoclássica, mais próxima do movimento árcade que do medievalismo anchietano. Teve como nome árcade “Lereno” e se tronou uma dos mais populares poetas árcades com a obra A viola de Sereno (2 v.), publicada em 1826, com modinhas pré-românticas. Sua passagem, de data imprecisa, no Espírito Santo, influenciou a geração futura do PE, Marcelino Pinto Ribeiro Duarte com seu lirismo nativista, Pe. João Clímaco, José Gonçalves Fraga e Fraga Loureiro.

A ausência de qualquer movimento cultural ou literário no Espírito Santo fazia com que os filhos da terra fossem estudar na Bahia. Isto acontece, por exemplo, com Gonçalo Soares de França, nascido em 1632 e que se tornou um dos principais poetas barrocos, pertencente à Academia Brasílica dos Esquecidos (1724-5), onde lei seu poema épico “Brasília”, deixado inédito. Algumas enciclopédias o dão como baiano, apesar de ser capixaba.

O subjetivismo, o arcadismo bucólico e o pré-romantismo de Caldas Barbosa podem ser vistos nos seguintes versos do “Poema mariano”:

 

“Eu sou aquele que cantando amores.

Muitas vezes ao som de brandas canas,

Lisonjeei a vida dos pastores,

Exaltei a beleza das serras;

Porém, hoje depondo os seus louvores,

Já não quero cantar glórias mundanas,

Que são sombras de luz, do ar assento,

Formosuras de flor, torres de vento.”

 

O primeiro seguidor de “Lereno” foi o Pe. Marcelino Pinto Ribeiro Duarte (1788-1860), o mais notável poeta espírito-santense da primeira metade do século XIX, segundo Afonso Cláudio. Seus versos, líricos, sentimentais, românticos, foram publicados em 1856, na antologia intitulada Jardim poético. Também escreveu o poema épico “Derrota de uma viagem ao Rio de Janeiro em 1817”, em que narra suas desavenças com o governador Francisco Alberto Rubim, o que motivou o seu exílio para o Rio, onde viveu de 1817 a 1830. Envolvendo-se no movimento político contra a Regência, foi preso, sem deixar, no entanto, de escrever sátiras e comédias em verso contra o governo. Eleito deputado, em 1838, pelo povo espírito-santense, voltou a Vitória, onde permaneceu até 1844. De 1844 a 1850, viveu em Niterói, onde deixou numerosa descendência. Em 1850, volta a Vitória, mas abandona a política, vindo a falecer em Niterói, em 1860, agraciado pelas autoridades e o imperador.

O padre Marcelino Pinto Ribeiro Duarte foi, sem dúvida, a principal estrela do cenário político e literário capixaba na primeira metade do século XIX, registrando em sua vida e obra o amor por sua terra, a paixão do artista pela arte e do ser humano pela vida.

José Gonçalves Fraga (1793-1855), autor de dramas em verso e de um poema satírico denominado Bandocada, tradutor de Eneida, de Virgílio, foi um poeta romântico menor. Seus seguidores foram J. Pereira dos Santos, Luiz Barbosa dos Santos e Ignácio Vieira Machado, dentre outros.

O pe. Dr. João Clímaco de Alvarenga Rangel (1799-1866), como o pe. Marcelino Duarte, também foi padre, poeta, orador e político, Classicista como os outros intelectuais do seu tempo, fez poesia romântica subjetivista.

O pe. João Luiz da Fraga Loureiro (1805-1878) foi poeta popular, famoso em festas populares em louvor de São Benedito no município da Serra.

A tradição colonial de as famílias mais ricas apresentarem, pelo menos, um filho para ser padre fazia com que a maioria dos escritores da época fossem padres e políticos; na verdade, eram os únicos que recebiam instrução, geralmente clássica e nacionalista. Fundava-se, no Brasil, no século XIX, o Romantismo e formava-se a nacionalidade brasileira.

Foi no Romantismo, também, que se formaram os primeiros escritores capixabas, além dos já citados, Antônio Cláudio Soído (1822-1889) e Luiz da Silva Alves de Azambuja Susano (1785-1873). Este publicou o primeiro romance capixaba, O Capitão Silvestre e Frei Velloso (1847) e A baixa de Mathias, ordenança do Conde de Arcos, 1859, reeditado pela Ed. Da FCAA – UFES, em 1988, dentre várias outras obras de cunho didático e traduções. O primeiro, oficial da Marinha imperial, compôs versos laudatários ao Imperador Pedro II e foi, sobretudo, um lírico nativista.

Nesta época, também, surgiram, no Espírito Santo, os primeiros trabalhos de História e Estatística, além da continuação da dramaturgia capixaba. Francisco A. Rubim publica, em 1817, Memória estatística da Capitania do Espírito Santo. Seu filho, Braz da Costa Rubim (1812-1871) publicou: Dicionário topográfico da província do Espírito Santo, Notícia cronológica dos fatos mais notáveis da província do Espírito Santo, Memórias históricas e documentadas da província do E. Santo e Cartografia da província do Espírito Santo. Joaquim José G. da Silva Neto (1818 – 1903) escreveu uma Crônica da Companhia de Jesus, 1880; As maravilhas da Penha ou Lendas e história da santa e do virtuoso Frei Pedro de Palácios, 1888. José Marcelino P. de Vasconcelos (1812-1874) foi jesuíta e publicou Jardim Poético (2 vol.), 1856-8; Ensaio de História e Estatística do Espírito Santo, Selecta Brasiliense (1868-70) e Catecismo político, 1859. José Joaquim Pessanha Póvoa (1836-1904) teve várias obras publicadas, dentre lendas e contos, Jesuítas e reis, panfleto político, Tiradentes ou a voz dos mortos e biografias: Os heróis da guerra, Os heróis da arte, Colombo e Joana d’Arc, etc. Foi um polemista político. Bazílio C. Daemon (1834-1893) publicou Arcanos, romance histórico, 1877, História e estatística da província do Espírito Santo, 1879, e Reminiscências, 1888.

Se, até os séculos anteriores, os modelos copiados pelos escritores do Espírito Santo estavam em Lisboa, Madri ou Salvador, o Rio de Janeiro como capital do reinado e do império passou a ser, no século XIX, o espelho para a literatura capixaba. Oscar Gama Filho assim afirma: “... o romantismo espírito-santense havia sido o reflexo do reflexo carioca do movimento europeu”. De acordo com o mesmo autor, embora um pouco tardiamente, visto que o Espírito Santo só conseguiu desenvolver uma infra-estrutura econômica forte na segunda metade do século XIX com a cafeicultura, o teatro romântico capixaba, em forma de dramas burgueses ou comédias, teve o seu início com a representação, em 1877, de A caridade, de Aristides Freire (1849-1922). Este escreveu vários “folhetins” de crítica social como os de Martins Pena. Em 1896, é inaugurado o Teatro Melpômene, com 1200 lugares, incendiado em 1924. Até hoje, o Espírito Santo não possui um teatro com tal lotação. Nele, e no Teatro Carlos Gomes, construído com restos do Melpômene e inaugurado em 1927, consagraram-se as peças de Aristides Freire, Amâncio Pereira e Ernesto Guimarães, os principais dramaturgos capixabas, de acordo com Oscar Gama Filho, e outros menores como Cândido Costa, Afonso Magalhães e Ubaldo Rodrigues.

 

Fonte: A Literatura do Espírito Santo uma marginalidade periférica, 1996
Autor: Francisco Aurélio Ribeiro
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2012



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História do ES

O Teatro capixaba de antanho

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Recordemos, por último, que somente em maio de 1896 era inaugurado, em Vitória, o “Teatro Melpomene”, belo e amplo edifício de madeira, com capacidade para 1.200 expectadores. Não seria o 1º da Província, pois em 1875 se inaugurava, na cidade de São Mateus, um teatro que, infelizmente, teve curta existência

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