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Álvaro Conde – Por Elmo Elton

Convento de São Francisco - Artista: Álvaro Conde, 1946

Guardo bem na lembrança a figura de Álvaro Conde. Parece-me ainda vê-lo, na Praça Oito, sempre de passagem, alto e magro, rosto cavado, de bigode, silencioso e de ar distante, chapéu de feltro, terno claro, a gravata borboleta, tudo a denunciar aos meus olhos que ali estava um artista. Quem m'o apresentou foi um outro pintor, Aldomário Pinto, meu colega de trabalho, na Vale do Rio Doce. Contam que os pintores brigam muito, digladiando-se uns contra os outros, por questões competitivas, mesmo narcisistas, mas, pelas referências que Aldomário me fazia de Álvaro, fácil concluir-se que ambos se admiravam mutuamente. Depois meus encontros com o artista se fizeram mais repetidos, nunca perdendo eu as inaugurações de suas exposições, comentando com ele, nessas ocasiões, o merecimento desse ou daquele quadro exposto, também fazendo alusões a telas outras que o pintor expunha, vezes seguidas, em vitrinas de casas comerciais de Vitória.

Admirava-lhe não só os dotes artísticos, mas a modéstia, o polimento de sua palestra, o recato com que se referia às suas atividades de professor e pintor, de modo que quem o ouvisse logo podia avaliar o empenho desse autodidata em aprimorar-se, em manter acesa a chama do próprio ideal, vencendo, uma a uma, todas as muitas barreiras do caminho, inclusive o indiferentismo, quando não a inveja, daqueles que o cercavam.

Começou pintando apenas paisagens, e foram essas paisagens, aliás, que o identificaram como um enamorado da natureza, tão bem sabia fixar, nas telas, as linhas, o colorido, a luminosidade, a poesia dos recantos que mais lhe falavam ao espírito. A princípio, o desenho podia não ser o mais perfeito nem a combinação das tintas a mais apreciável, mas, em decorrência de sua obstinação em sempre querer alcançar o melhor estágio da arte, eis que, ainda moço, se revela um pintor seguro, cônscio, maneja o pincel com mão firme, as cores sabe captá-las com sutileza, o desenho sai-lhe agora correto, fixando os diversos aspectos da natureza com absoluta fidelidade, assim transmitindo ao público, que lhe não negava aplausos, a mensagem de sua sensibilidade, de seu engenho, os quadros, de nota tão pessoal, tão identificadora, que, mesmo não levassem sua assinatura, e ele não os deixava de assinar, todos logo saberiam quem os pintou.

Tornou-se popularíssimo como paisagista de Vitória, porque a seu pincel interessava, sobretudo, fixar o que era da cidade, o que era nosso, assim é que suas marinhas focalizam trechos de nossas enseadas e praias, suas naturezas mortas registram flores, frutos e aves, coisas nativas, sendo que suas paisagens são aquelas mesmas que conhecemos, isto é, com as mesmas montanhas, árvores, caminhos e céus, — já que tudo amorosamente focalizado por quem tinha a preocupação, o cuidado de mostrar aos outros o ufanismo de seu capixabismo.

Além de paisagista exímio, gostava de retratar templos, ruínas, prédios e logradouros antigos de Vitória, e o fez com tamanha seriedade e não menor sabedoria que só esses seus trabalhos bastariam para assegurar-lhe a reputação de pintor, visto que válidos como documentos iconográficos de nossa História, sendo que, desses seus quadros, existem alguns exemplares pertencentes ao acervo do Palácio Anchieta, onde estão expostos, lastimando este cronista não saber por onde andam outros trabalhos seus, de igual natureza, provavelmente já agora fora do Estado, em mãos de colecionadores.

Em 1938 Dom Helvécio Gomes de Oliveira, então arcebispo de Mariana e nosso eminente conterrâneo, convidou-o a pintar monumentos, casario e cenários marinhos da cidade de Anchieta. Conde lá esteve por algumas semanas e deixou, dessa sua passagem por ali, uma coleção de pequenas telas, sendo que alguns desses estudos ora se encontram no Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, convindo ressaltar que, por esse tempo, o artista ainda não havia alcançado a mestria que se lhe constata a partir de trabalhos datados de dez anos depois.

Também andou pintando fora de Vitória, em localidades interioranas do Estado, como Serra, Nova Almeida, Carapebus, Jacaraípe, Vila Velha, Santa Teresa, Matilde e Guarapari.

Em 1944 expôs em Campos (RJ), no hall do Hotel Gaspar, com absoluto êxito, já que vendidos todos os quadros expostos, a imprensa local tecendo-lhe os maiores louvores.

Mesquita Neto, Odilon Luna, Teixeira Leite (João Boêmio), Fernando Marinho, Luiz Paysan Holzmeister, Otávio B. Silva, Uchoa de Mendonça, Zeny Santos, Luiz Simões de Jesus e outros intelectuais conterrâneos lhe dedicaram artigos, todos elogiosos, na imprensa de Vitória, tendo Lindolpho Barbosa Lima, então considerado o crítico de arte mais exigente da cidade, estampado em A Gazeta vários ensaios sobre o pintor, ora elogiando-o, ora fazendo restrições a esse ou aquele seu trabalho, nunca, porém, deixando de, ao lado dessas restrições, reconhecer as inegáveis qualidades do pintor.

José Luiz Holzmeister, jornalista e poeta, retratou-o neste soneto, inserido na seção Fotografando da, hoje extinta, revista Vida Capichaba, edição de 15/7/1947:

Da altura, talvez, do Corcovado

e andino, com certeza, em pensamento,

esbanja, em cores, com seu estro alado,

 os matizes tafuis de seu talento.

 

É nobre quer em nome ou tratamento

esse artista sublime e apaixonado,

que pinta a terra num deslumbramento

e o cosmo sonha, em festas, constelado.

 

As gerações presentes vai moldando

em seu sonho de líricos painéis,

o mundo em maravilhas transformando.

 

Tendo, por arma, tintas e pincéis,

vai tudo com prazer fotografando,

na conquista de grana e de lauréis.

 

Uma curiosidade: Álvaro Conde teria pintado o Convento da Penha (o santuário, o portão principal, a ladeira, a mata do outeiro) em mais de 500 telas, grandes e pequenas, e tanto nisso se exercitou que acabou sabendo de cor todas as linhas arquitetônicas do mosteiro, do qual fez, também, algumas pinturas miniaturais em tampas de caixas de charutos, quando estas eram de cedro legítimo, sem que mais precisasse retornar ao local onde se assenta aquele monumento. Aliás, outros motivos igualmente os pintou sobre o mesmo material, vendendo essas miniaturas mormente a turistas, que o procuravam sempre.

Como os dados biográficos de nossos conterrâneos ilustres, já falecidos, dificilmente o pesquisador os encontra em livros ou dicionários, e, se os encontra, são esses sempre incompletos, vagos, às vezes incorretos, agora, quando o Conselho Estadual de Cultura inaugura esta admirável exposição retrospectiva do pintor, nada mais oportuno, pois, que trazer ao conhecimento do público as informações que se seguem:

Alvaro Conde nasceu a 17 de março de 1898, em Papuio, distrito do município de São Mateus (ES), sendo seus pais Manoel Bento Conde, espanhol, e Maria Rogin Conde, italiana, casados no Brasil e radicados em São Mateus desde 1890.

Em 1914, com a transferência da família para Vitória, passou a trabalhar com o pai, no comércio, prosseguindo seus estudos na Escola Normal. A esse tempo, já se interessava vivamente pelo desenho e pela pintura, tendo como professor Júlio Pinto de Almeida Brandão, no curso noturno da Escola de Aprendizes Artífices, que freqüentou, com dedicação e proveito, durante algum tempo.

Casou-se, a 8 de setembro de 1928, com Antonieta Moura Conde, advindo dessa união os seguintes filhos: — Rômulo, Ronaldo, Renée e Reginaldo (esposa e filhos todos ainda vivos).

Em 1938, quando da realização do 1º Salão de Artes Capixabas, certame realizado por iniciativa de Ozéas Leão, na Casa do Estudante Capixaba, em Vitória, obteve o 1º prêmio com o quadro Praia do Suá, recebendo a Medalha Levino Fanzeres.

Realizou, a partir daí, várias exposições nesta cidade, tendo sido premiado, no 9º Salão Paulista de Belas Artes, com o quadro Lenhadores do Mercado. Calcula-se tenha pintado mais de 5.000 telas, muitas delas figurando, hoje, em palácios estaduais, prefeituras e igrejas, como em coleções particulares.

Professor de Desenho e de outras matérias na Escola de Aprendizes Artífices, desde 1931, estabelecimento que recebeu depois outras denominações, atualmente conhecido como Escola Técnica Federal do Espírito Santo, onde ocupava o cargo, por concurso, de professor de Desenho Ornamental.

Ainda como professor, destacou-se na cidade do Rio de Janeiro, no Curso de Metodologia de Desenho para o Ensino Industrial Básico, realizado em julho de 1958, assim como nas técnicas mais adequadas para o trabalho em quadro negro, em curso promovido pela Comissão Brasileira-Americana de Educação Industrial (CBAI).

Por várias vezes, respondeu pela direção da Escola Técnica de Vitória, tendo integrado bancas examinadoras de concursos de habilitação à Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Espírito Santo. Ilustrou uma série de capas de revistas, bem como modelou, em gesso, a maquete do Convento da Penha, hoje pertencente ao acervo da UFES.

 

Faleceu a 26 de maio de 1968, aos 70 anos de idade (1).

 

(1) Quando da recente inauguração da Galeria Álvaro Conde, no saguão da Secretaria de Educação e Cultura, o autor recebeu a seguinte carta:

Estimado Elmo Elton:

Se há uma pessoa que a família de Álvaro Conde tem que, por dever e reconhecimento, exaltar, face ao incentivo dado para a reabertura da galeria a ele dedicada, esta pessoa é você.

Você lutou por isso. Com idéias e muito trabalho físico. E conseguiu reativar o brilho do artista, que as gerações costumam apagar.

O seu poder de síntese e objetividade retratou, de forma elegante e cortês, a trajetória de Álvaro Conde.

Aceite, por tudo isso, o nosso agradecimento.

 

Atenciosamente,

Reginaldo Conde

 

Fonte: Velhos Templos de Vitória & Outros temas capixabas, Conselho Estadual de Cultura – Vitória, 1987
Autor: Elmo Elton
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2017

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