Morte do fundador – Traços de sua personalidade
Vasco Coutinho faleceu em 1561,(33) “tão pobremente que chegou a lhe darem de comer por amor de Deus, e não sei si teve um lençol seu em que o amortalhassem”.(34)
Houve, certamente, algum exagero nestas palavras de frei Vicente do Salvador, muito amigo de construir frases de efeito. Entretanto, força a convir que os dias de Coutinho no Brasil foram uma ininterrupta sucessão de trágicos acontecimentos. Senhor de um lote privilegiado, dispondo de alguns auxiliares tão bons como os melhores que viviam no Brasil da época, beneficiado pela presença e colaboração dos jesuítas, favorecido com a proximidade da Bahia, de onde recebeu auxílios vitais em momentos críticos – tudo foi insuficiente para levar avante o esforço do pobre donatário. Os que se têm ocupado da sua personalidade negam-lhe dotes de chefia, atribuindo-lhe vícios e falta de energia para enfrentar os malfeitores que se acoitavam na capitania, todos ou quase todos agentes da sua ruína. Há demasiado rigor no julgamento. Quem tivesse a responsabilidade de povoar uma parcela do território brasileiro àquela hora, tão pobre e tão avaro em recompensas, não poderia ter a veleidade ridícula de um chefe de disciplina colegial. Conceda-se que não foi suficientemente hábil para conter “a avidez de lucros e a sede de ouro que, nos primeiros tempos, extinguiram todos os sentimentos humanos dos colonizadores europeus”,(35) mas que seja feita justiça à dedicação, à generosidade, à bravura, solidariedade e espírito magnânimo do primeiro donatário. Não no acusam de um só ato injusto, de uma opressão, da prática de uma vingança. Em Vila da Vitória, um dos autos de Anchieta, o Governo – personagem bondosa e protetora – encarna a figura de Vasco Coutinho.(36) Homenagem e lisonja, conceda-se, mas seria absurdo negar-lhe algum fundo de realidade. Vem a propósito recordar o gran milagre (sic) que o padre Francisco Pires relatou em sua carta de 1558. É eloqüente depoimento sobre a grandeza de sentimentos de Vasco Coutinho, com o ser demonstração de santa humildade. Referia-se o jesuíta a uma reunião de moradores da vila, promovida pelo capitão, que os notara desgostosos consigo. Apurado o motivo da contrariedade, “con buenas palavras y muestras de sentimiento les pedió a todos perdón con protestación que si alguno avia deneficado, le satisfaría y que dalhí en delante queria estar bien con todos”.(37) Tinha razão o catequista batizando de gran milagre tão nobre quão rara atitude.
Vasco Coutinho foi sepultado na vila do Espírito Santo,(38) onde residia.(39)
NOTAS
(33) - SERAFIM LEITE, HCJB, I, 224, nota 6 – sem mencionar a fonte onde se informou – assevera que o passamento do primeiro donatário teve lugar “no mês de fevereiro de 1571”. Evidentemente, houve aqui um cochilo de revisão quanto ao ano, pois a dezesseis de outubro de 1561 Mem de Sá, na Bahia, assinava um mandado em que alegava: “como sou informado que Vasco Fernandes Coutinho he fallecido”. Também o mês, data vênia, obriga a uma certa reserva. Isto porque Mem de Sá se revelou, no Brasil, um administrador de resoluções rápidas e prontas. Por que demorar oito meses para confirmar a Belchior de Azeredo no posto de capitão? Entretanto, o pranteado historiador da Companhia de Jesus no Brasil é, quase sempre, muito seguro nas suas afirmações. São, assim, homenagem à sua reconhecida probidade as considerações acima.
(34) - Frei VICENTE DO SALVADOR, Hist. Brasil, 96.
(35) - MAXIMILIANO, Viagem, 124.
(36) - LEITE, HCJB, I, 224, e II, 611.
(37) - PIRES, Cartas, II, 375.
(38) - Ver nota I do capítulo X.
(39) - DAEMON, Prov. ES, 77.
Fonte: História do Estado do Espírito Santo, 3ª edição, Vitória (APEES) - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo – Secretaria de Cultura, 2008
Autor: José Teixeira de Oliveira
Compilação: Walter Aguiar Filho, maio/2017
O navio em que Coutinho regressou ao Brasil tocou em Pernambuco e, com certeza, era de sua propriedade
Ver ArtigoCoube a do Espírito Santo, descoberta em 1525, a Vasco Fernandes Coutinho, conforme a carta régia de 1.º de junho de 1534
Ver ArtigoEnfim, passa da hora de reabilitar o nome de Vasco F. Coutinho e de lhe fazer justiça
Ver ArtigoTalvez o regresso se tivesse verificado em 1547, na frota mencionada na carta de Fernando Álvares de Andrade, ou pouco depois
Ver ArtigoConcluo, dos nobres que aportaram à Capitania do Espírito Santo, ser ela a de melhor e mais pura linhagem
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