No tempo do Hidrolitol - Por Sérgio Figueira Sarkis
Iniciava-se a década de 1940. Vitória, cidade pacata e provinciana, possuía, praticamente, uma única rua de maior movimento. Ela iniciava-se na antiga Capitania dos Portos atual Casa Porto de Artes — com a denominação de Avenida Capixaba —, indo até a Praça Costa Pereira, então chamada Praça da Independência. Dali, passava a ser Avenida Jerônimo Monteiro, até a escadaria do Palácio Anchieta.
Por se tratar da via mais importante da Capital, nela localizavam-se os mais destacados estabelecimentos comerciais da cidade. Dentre eles, destacava-se a Confeitaria e Padaria Colombo, de propriedade do senhor João Balbi. Ele tocava o negócio junto com seus filhos.
Local amplo, com frente para a Jerônimo Monteiro e fundos para a Rua Duque de Caxias, abrigava, logo na entrada, uma charutaria explorada pelos irmãos Benezath: Neném, Isidoro e Mário.
Sucesso absoluto, tanto da confeitaria como da charutaria, pois era ponto de encontro de toda sociedade vitoriense. A Segunda Guerra Mundial estava no auge, com a participação dos Estados Unidos da América, Inglaterra, Rússia e França, denominados aliados, lutando contra os países do eixo: Alemanha, Itália e Japão.
O Brasil, dirigido por Getúlio Vargas, negava-se a se juntar aos aliados. Eis que, durante o ano de 1942, nas costas dos Estados da Bahia e Sergipe, foram afundados vários navios brasileiros. Dentre estes, o Baependi, no qual tinha saído de Vitória, indo para Pernambuco, o professor Adão Benezath, docente de Educação Física e atleta de várias modalidades esportivas, queridíssimo por todos. Comoção geral na cidade.
Imediatamente, todos da Capital, principalmente os estudantes, organizaram um comício na Praça Oito para repudiar o torpedeamento e tentar obrigar o Governo Brasileiro a ingressar na guerra. Exaltados e irados, a turba saiu em marcha e passou a molestar os cidadãos estrangeiros e seus descendentes, num movimento denominado Quebra-Quebra. Todas as casas residenciais e comerciais destes últimos foram depredadas e incendiadas — a maioria delas, saqueadas. Dentre estas, a Confeitaria Colombo, pois pertencia a descendentes de italianos, os Balbi.
No dia seguinte à revolta, o povo capixaba acordou para a injustiça praticada. Dentro da Confeitaria Colombo, encontrava-se a charutaria dos Benezath, justamente dos irmãos do professor Adão, morto no torpedeamento do Baependi. Um movimento de todos arrecadou, junto aos moradores de Vitória, recursos que permitiram à família abrir novo estabelecimento, bem próximo de onde estavam anteriormente.
Era um bar e charutaria denominado Casa Adão Benezarth, cuja pièce de resistence tornou-se uma bebida chamada Hidrolitol — marca que passou a batizar o local. Ela era produzida ali mesmo, a partir de uma receita bem simples. Muito gelada, a água era dissolvida num pó com aquela denominação, envazada em garrafas de um litro e servida em copos.
Curava qualquer ressaca, além de servir para espantar o calor. Em pouco tempo, o espaço tornou-se ponto de reunião das pessoas da Capital. Todos deliciavam-se com as bebidas oferecidas e ainda podiam fazer uma fezinha no Jogo do Bicho. Ela funcionou até o início da década de 1970.
Um fato interessante que ocorria diariamente, no Hidrolitol, era a presença obrigatória dos exportadores de café. Eles lá se reuniam para, pontualmente, às 12:55 horas, ouvir a cotação do café irradiada pelos potentes transmissores da Rádio Nacional, na edição do Repórter Esso. Terminado o jornal falado, voltavam imediatamente aos seus escritórios para fechamento de seus negócios de exportação.
Nota do Autor: Há muito, pretendia escrever alguma coisa da minha memória, levando causos ocorridos comigo ou com outras pessoas que me foram transmitidos de forma agradável e hilariante. Meu dilema era: como fazer? não tinha início, nem meio e, muito menos fim. E, invariavelmente, vinha a preocupação deles perderem o charme quando expostos em texto.
Contados verbalmente, tem sabor diferente, agradando a que os ouve. E escritos? Conseguiria eu dar a entonação necessária, estimulando o leitor a continuar até o fim? Entre dúvidas e certezas, amadureci esta ideia anos. Até que decidi: vamos ver como fica! O resultado é este. Tirei da cabeça, coloquei no papel. Eu revisor deu uma boa arrumada.
Me perdoem aqueles que, envolvidos nos fatos, tenha esquecido de mencionar. E os citados não sintam-se ofendidos ou magoados. Minha intenção nunca foi esta.
Espero que gostem,
Sérgio Figueira Sarkis
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A foto da capa é de Paulo Bonino.
As fotos do miolo são do acervo familiar e de arquivos digitais públicos; as que fogem a isto têm suas origens identificadas junto a suas legendas.
As principais fontes de consulta para este trabalho, além da memória pessoal, foram os livros Os dias antigos, de Renato Pacheco, edição de 1998; A ilha de Vitória que conheci e com quem convivi, de Délio Grijó de Azevedo, 2001; Tipos populares de Vitória, de Elmo Elton, 1985; e, Coquetel de saudades, de Dario Derenzi, 1980.
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A verdadeira viagem se faz na memória.
Marcel Proust
Dedicatória do autor: Dedico este livro à minha querida esposa Regina;
aos filhos Sérgio, Michel, Andréa, Alexandre e Ricardo
e aos netos Pedro Henrique, Ingrid, Carolina, Leonardo, Thiago e Victória
SFS
Fonte: No tempo do Hidrolitrol – 2014
Autor: Sérgio Figueira Sarkis
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2019
Pero de Magalhães de Gândavo, autor da 1ª História do Brasil, em português, impressa em Lisboa, no ano de 1576
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