O Interesse pelo caranguejo

Alex Pandini - Jornalista
Desde o lançamento do disco do José Luiz Pizzol, pela Fundação Ciciliano Abel de Almeida, há uns 15 anos, até hoje, muita coisa mudou para melhor no universo musical capixaba. Os discos viraram CD, ficou mais barato produzi-los, e o elenco que disputa a prensagem de obras aumentou de maneira considerável, tanto numérica quanto qualitativamente. E se não na mesma proporção, cresceu também o volume de verbas públicas para a execução dos projetos.
O disco do Pizzol traz odes à Vitória, que ilustra bastante bem a visão errônea que tinha o músico capixaba de um modo geral sobre o torrão onde fazia seu habitat. Quem tiver coragem e estômago para ouvir este trabalho de inutilidade musical que é a bolacha do Pizzol, vai ouvir, uma das faixas, onde elogia o bairro Praia do Canto: "praia do canto/ torre do boulevard/praça dos namorados/muitos casais atracados/ali na terceira ponte".
Poderia ser um caso isolado (e o é, proporção da ruindade atingida), mas pode ser perfeitamente rotulado como uma caricatura, um exagero daquilo que vinha acontecendo até aquela época (meados de 80), e também de alguma coisa produzida posteriormente.
Os músicos capixabas teimavam em repetir fórmulas reconhecidamente ligadas a outras culturas. As letras falavam de tudo, menos do Espírito Santo, salvo raras exceções.
Hoje, a relação de responsabilidade do músico com a identidade local melhorou muito. As letras trazem poesias e lirismo, e boa parte delas já se digna a tratar de nossas belezas naturais e nossos usos e costumes de forma sensível e bela.
E até mesmo a harmonia, a melodia e o ritmo têm sido tubos de ensaio para uma possível futura estética musical própria.
Em contrapartida, o público capixaba começa a reconhecer legitimidade nos grupos locais. Obviamente, ainda estamos longe do momento em que a concretização dessa relação criará um mercado de consumo capaz de gerir e absorver a produção local.
Um entrave ainda existente é a não participação efetiva da iniciativa privada, que muito timidamente se manifesta. Infelizmente, a maioria dos empresários locais ainda não sabem que em Vitória se faz música, e desconhece que a música é um produto artístico e rentável. E apesar de surgirem sempre grupos seriamente empenhados em levantar a bandeira do resgate cultural por meio da música contemporânea, mesclando estilos universais com raízes sonoras locais, alguns trabalhos ainda pecam por não interagirem com essa sonoridade.
Creio o músico nesse momento ter obrigação do buscar nossas raízes históricas e culturais, falar de nosso heróis e personagens folclóricos (que são muitos), para resgatar nossos valores legítimos.
Existe um movimento já forte à procura desse resgate histórico-cultural, não só no campo da música, e é necessário mais do que nunca fortalecê-lo.
Afinal, existem grandes nomes capixabas brilhando nacionalmente e mundialmente, nos terrenos do esporte, das artes cênicas, da política, ciência, e também da música. Todos lá fora da redoma dizem adorar terra capixaba, e é inegável nossa singularidade, tanto quanto nossa hesitação.
Como exemplo clássico, cito o trabalho do Moxuara. Os dois CDs são obras de rara beleza, mas estão harmônica, rítmica e melodicamente vinculados a Minas Gerais.
Isso ocorre muito em consonância com a história. Barreira natural para evitar a sanha dos holandeses, ingleses e outros, em busca do ouro de Minas, o Espírito Santo nunca foi pensado como unidade, e acabou se tornando uma miríade, com o oeste voltado para Minas, o norte para a Bahia, o sul para o Rio de Janeiro. À região próxima à capital, e a ela própria, coube a dura tarefa de se transformar nessa unidade, e se espalhar pelo resto deste lugar sagrado.
Ao músico, cabe pensar na importância da solidificação dessa identidade sonora, e em como essa influência pode ser benéfica para o desenvolvimento da arte, seu ofício.
E ao público, que se interesse mais pelo caranguejo.
Fonte: Vitória de Todos os Ritmos, coleção - Escritos de Vitória, Nº 19, ano 2000
Autor: Alex Pandini
Compilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro/2015
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