O Morro do Alecrim – Por Maria Stella de Novaes
Conta-se que, em tempos remotos, à meia-noite, os pescadores da Praia de Inhoá ouviam prantos e lamentações, que pareciam vir de um oratório encantado, existente no meio do Morro do Alecrim.
Certa vez, em conversa à beira do fogo, uso daquele tempo, surgiu a explicação, quando certo romeiro foi à Penha e, depois, ao Forte de Piratininga, pedir ao Comandante que lhe desse pousada e permissão de aguardar o navio, para Campos ou Cabo Frio. À noite, relatou episódios da viagem, perante a referida autoridade, o Mestre de Campo, José de Alcobaça, e outros.
Conversa-vai, conversa-vem, e José de Alcobaça deu sua nota: — Ouvira que, em certa parte do Morro do Alecrim, havia um poço onde foram atirados os ladrões de alfaias da capela do Pe. Gouvêa, — o oratório ali existente. O sacrilégio assinalou o declínio das ordens religiosas, na Capitania. O próprio sacerdote ali jazia detido, sob uma pedra, e precisava de fazer revelações.
Afirmava o orador verdade nessa história. Fora mesmo testemunha de certa visão: — um vulto de batina vagava algumas noites, pela região; sumia-se, à presença de alguém. Viam-no as mulheres, sobre as águas, quando iam à fonte. Padres dançavam, por cima dos cardais. E, nas pontas das pedras, encontravam-se cabeças e pés de criaturas que, repentinamente, se convertiam em gansos. Apareciam, ainda, criaturas informes, cobertas de escamas! ... Espumavam. Fervia a água, então, e os monstros debatiam-se, até que desapareciam. Piratas infestavam as praias e salteadores, o sertão. Arrancaram até as entranhas de um íncola, porque se recusara a indicar a jazida de ouro, no Marinho. (1)
Contava ainda que, à meia-noite, no Morro do Alecrim, subiam fantasmas, armados de punhais ensangüentados. Entoavam hinos de morte aos vivos, que eles esperavam, no Além.
À tarde, rugidos subterrâneos, semelhantes aos de um gigante, abalavam o Morro.
Dizem que, em confirmação dessa lenda, foram encontrados, numa das salas do velho Convento dos Jesuítas, um esqueleto e um pergaminho, com estes versos:
- Tu que passas, na esplendente
abóbada do Morro ardente,
sombra pálida, tremente,
como os raios do luar,
de onde vens? Qual é o teu fito?
És tu arcanjo proscrito?
Por que passas, no granito?
Voa ao Céu, ou voa ao mar?
Por que sempre, a noite, velas?
Quando o espaço é todo estrelas,
tu surges, entre elas?
Nos ermos e sempre só?
Por que corres tais paragens
e usas dessas roupagens,
fugindo ao ar e às aragens,
rojando-te, assim, no pó?
Resposta do fantasma:
Sou a inveja; curto fome!
A mim se prende um mistério.
Réprobo sou; vivo triste, aéreo,
qual ave agoureira, em cemitério.
Ando, assim, na penitência,
porque fui denunciado,
Recebi as alfaias da igreja.
Repare, - sou um excomungado!
Atualmente, o Morro do Alecrim está desbravado; acabaram-se as matas e os cardais. É um arrebalde promissor de Vila Velha, na margem da rodovia, para os municípios do Sul e o Rio de Janeiro.
(Esta lenda encontra-se na coleção de Peçanha Póvoa e nos jornais da Biblioteca Pública do Espírito Santo).
NOTAS
1 – Relação com a lenda “O Tesouro de Caçaroca”.
Fonte: Lendas Capixabas, 1968
Autora: Maria Stella de Novaes
Compilação: Walter de Aguiar Filho, outubro/2015
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