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O ocaso do comandante

Vasco Fernandes Coutinho - Primeiro Donatário da Capitania do ES

O primeiro donatário da Capitania do Espírito Santo, Vasco Fernandes Coutinho, faleceu em 1561, depois de ter enfrentado dificuldades impossíveis de se imaginar em nossa época, e depois de ter alcançado muitas vitórias, na tarefa de colonizar este pedacinho de Brasil. Senhor de um lote privilegiado, beneficiado pela presença e colaboração dos padres jesuítas e por alguns bons e dedicados auxiliares, ele enfrentou, naturalmente, momentos de crise e de dificuldades, mas momentos de glória, com o sucesso das plantações da cana-de-açúcar. Com sua morte, o governador-geral, Mem de Sá, expediu o mandado às autoridades da Capitania para que elegessem Belchior de Azeredo seu capitão. Acrescentava:... "Salvo se vier Vasco Fernandes Coutinho, filho do defunto, porque em tal caso lhe entregareis a Capitania, ainda que não leve o meu recado".

Vasco Fernandes Coutinho (filho) era bastardo, filho de Ana Vaz, que obtivera uma pequena ilha situada na Baía da Vitória, segundo documentos do Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa).

À luz da documentação existente, entende-se que, à data da morte do donatário, seus filhos legítimos já haviam falecido. Porque, se algum deles ainda vivesse, a Capitania do Espírito Santo deveria pertencer-lhe. Era o disposto na carta de doação, que só permitia a sucessão aos bastardos quando não houvesse descendência legítima.

Por esse tempo, a catequese religiosa progredia, o que incluía o ensino de algum ofício. Os pupilos dos jesuítas (indiozinhos ou colonos), vindos da Bahia e casados com as índias da terra, dedicavam-se à tecelagem. As mulheres ajudavam, costuravam e fiavam (Carta do Espírito Santo, de 10 de junho de 1562 - Arquivo Histórico Ultramarino).

A carta do donatário é um rosário de lamentações

Antes de morrer, em 1561, pôde Vasco Fernandes Coutinho ver melhoradas as condições da sua Capitania, então incorporada à administração geral da Colônia. Valioso documento da época é uma única carta do donatário, escrita na Vila de Ilhéus, datada de 22 de maio de 1558, dirigida ao governador-geral Mem de Sá.

A carta é um rosário de lamentações. Vasco Fernandes Coutinho expõe ao governador-geral as condições precárias da Capitania do Espírito Santo, apesar de assinalar que a terra ficou "despejada dos inimigos e em termos melhores do que nunca esteve".

Dom Vasco relata as enormes dificuldades no processo da colonização da Capitania do Espírito Santo, motivadas sobretudo pela falta de recursos e pelas desavenças entre os colonos. Aliás, censura os colonos e denuncia um desacato de que foi vítima. Queixa-se da sua saúde, dizendo-se muito doente e aleijado.

Manifesta também seu desejo de chegar ao Reino, onde espera encontrar alguém que lhe compre a terra, ou, pelo menos, aceite ser seu sócio.

Senhor — É a minha obrigação tanta, em que lhe são pela mercê que me fez e no socorro que me mandou, dado caso que sua pessoa e quem elle é e pera o que era obrigado a fazer o que fez e fora eu assim doente e aleijado como estava me embarquei ao vir visitar e beijar as mãos e com o mao tempo e ma vida do barco, ja quando aqui cheguei, foi dita chegar vivo da maneira que vim pela qual rezão e minha doença não vou, logo falo se se Nosso Senhor me der ajuda e um pouco de saude pera isso, pera lhe dar conta de mim e assim da terra como fica, Nosso Senhor seja louvado despejada dos inimigos e em termos melhores do que nunca esteve, do que Vossa Senhoria deve de ter muito gosto pois que por sua indústria e ajuda depois de Deus pode dizer que salvou aquela gente do muito risco e perigo em que estavamos e ganhou aquela terra ainda que lhe custasse tanto e depois delle eu fui o mofino em ella custar tanto não se pode nisto fallar porque é cousa tam nova tão fora de estilo e de rezão o por parte sucedeu tamanho mal que se não poderá fallar.

Peço a Vossa Senhoria que pois ja ganhou aquella terra e comigo usou tanta fidalguia e tanta virtude que em tudo o faça como eu delle desespero em a favorecer nas cousas que for necesarias pera paz e sosego da gente porque esta é a que mais nojo pode fazer entre huns e os outros porque dos indios ja fica segura louvores a Deos e a terra despovoada delles, peço a Vossa Senhoria que me proveja com justiça de algumas desordens que la ha entre nós e que os moradores tem contra mim por onde se tem causado muitos odios e muitos desmandos entre elles e o começo de se os indios alevantarem foi esta que lhe direi huua postura que la está em que houvesse um compadre, tomaram no tanto em gozo que teimam os que querem e isto causou se alevantarem os negros com os resgates que levavam e pelos digo e como os não traziam ficavam logo alevantados; a isto ha Vossa Senhoria de prover a que os não haja por escusa e odios e demanda e também porque o capitão o que ahi estiver não no tragam e tratem como até agora fizerem e a mim dizendo que no sertão eu não tinha que entender porque a camara tinha esse poder e elle com a postura que ella tem dizer a Vossa Senhoria o pouco amor e cortesia e ensino que comigo usavam pelos que de la vem o saberá. Eu por estas cousas e por outras muitas que eu por minha ventura e pecados tenho e mereço a Deus queria chegar ao Reino, se Deus for servido e a declarar me com a minha fortuna e ver se posso achar quem a povoe e fazer algum partido ou vender, pois que não mereci a Deus por meus pecados ter cousa minha a que a deixasse e porque me é muito necessário assim pera minha comciencia e descargo de minha alma, e pera que a terra se povoe não esteja tão deserta, como está e tão desamparada, é necessário ir tomar conclusão antes que morra, porque são ja mui velho e mui cercado de doenças e morrendo desta maneira corra a alma muito risco. Pesso a Vossa Senhoria pois que tanta merce me tem feito depois que veio que em tudo me faça merce e me favoreça e que escreva la como ella esta e as qualidades que tem e a muita necessidade que esta terra tem daquella terra se nao perder por muitas rezões que Vossa Senhoria ja sabera e se la ha embarcação e Vossa Senhoria ha de mandar algum navio pera o Reino, folgaria de por elle ser embarcado e ir .... com seu recado porque com elle e com sua ajuda espero em Nosso Senhor de la fazer minhas cousas como me são necessarias pera remedio de minha consciencia e salvação pera aquella terra, porque espero em Nosso Senhor de me dar hum pouco de saude e de esforço pera que lhe vá beijar as mãoss e visitalo lhe não escrevo mais miudamente as cousas que são passadas e as que relevam pera bem da sua obrigaçam e honra sua. Beijo as mãos de Vossa Senhoria. Desta Villa dos Ilheus a 22 do mes de maio de 1558. Vasco Fernandes Coutinho.

(Arquivo da Torre do Tombo. Corpo cronológico, 1, 102, 96)

 

Fonte: Jornal A Gazeta, A Saga do Espírito Santo – Das Caravelas ao século XXI – 20/05/1999
Pesquisa e texto: Neida Lúcia Moraes e Sebastião Pimentel
Edição e revisão: José Irmo Goring
Projeto Gráfico: Edson Maltez Heringer
Diagramação: Sebastião Vargas
Supervisão de arte: Ivan Alves
Ilustrações: Genildo Ronchi
Digitação: Joana D’Arc Cruz    
Compilação: Walter de Aguiar Filho, junho/2016

Vasco Fernandes Coutinho

Vasco – Viagens e Ilusões

Vasco – Viagens e Ilusões

Embarcou o capitão-mor provavelmente em 1539, deixando o turbulento D. Jorge de Menezes, valente porém antipatizado por todos, à testa do governo

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