Um encontro com Luísa Grinalda
Fui a Évora visitar o Convento de Nossa Senhora do Paraíso, para onde se retirou a primeira governadora em terras do Brasil, Dona Luísa Grinalda, logo após ter deixado a direção da Capitania do Espírito Santo.
Évora é uma cidade portuguesa, situada em terras do Alentejo, Centro-Sul de Portugal. Cidade histórica, cercada de muralhas medievais, é Patrimônio da Humanidade. Fui andando devagar, surpreendida a cada passo pelos séculos que me acompanhavam. Sede da corte das dinastias de Borgonha e de Avis, ali residiram os monarcas itinerantes da Idade Média e da Renascença.
Como seria no tempo de Luísa Grinalda, quando ela se ausentara das terras do Brasil e se encerrara na solidão do vetusto convento?
Continuei a minha caminhada, sempre envolvida por um halo de magia e encantamento, observando as grandiosas e também as pequenas jóias arquitetônicas que conservam algo de misterioso e de lendário. São igualmente belas as ruínas e pedras austeras que desafiaram os séculos.
Na Praça do Giraldo, sala de visitas da cidade e centro urbano desde a época imperial romana, pareceu-me vislumbrar alguns dos mais célebres acontecimentos políticos e sociais do passado: solenidades em que participavam reis e rainhas, torneios, concertos musicais e também rebeliões, grandes dramas da história. Revi, na memória, revoltas sangrentas, inclusive a revolta popular contra a nobreza e a aclamação do mestre de Avis, em 1384; a degola do duque de Bragança, em 1483, por sentença de Dom João II. E mais: os sinistros autos-de-fé do Tribunal da Santa Inquisição.
Foi quando admirava a fonte renascentista de 1556, em pleno Largo da Porta da Moura, que vi Dona Luísa Grinalda encostada à Cúpula Árabe.
- Dona Luísa! Que surpresa!
Ela sorriu, estendeu-me a mão muito branca, de dedos longos.
- Novamente em Évora? – perguntou.
- É verdade. Adoro este ambiente de tão alta antiguidade! Sabe, Dona Luísa, esta cidade-museu, que, no entanto, só na aparência apresenta esta imobilidade, sempre me fascinou. Desde a primeira vez em que aqui estive, percebi que o passado vive em cada detalhe dos seus monumentos, e que a história ressurge em cada esquina.
Ela se reclinou sobre a fonte, bebeu água na mão em concha. Gotículas d’água aspergiram-lhe o rosto.
- E vais demorar desta vez?
- Não, infelizmente não. Vim especialmente para uma visita ao seu convento. Marquei hora e dia com a superiora, mas não pensei que pudesse encontrá-la, conversar com a senhora. Imaginei apenas, nesse meu caminhar sem rumo, um encontro com as suas lembranças.
Sentamos numa balaustrada, próxima à Cúpula Árabe. Olhei ao redor. Era como se os telhados ondulassem. E as árvores varejadas pelo vento. Uma delas parecia contorcida. Dona Luísa me disse que foram as chuvas do último inverno. Falei devagar:
- Logo comemoraremos os 500 anos da descoberta do Brasil. Queremos relembrar fatos significativos da nossa história. A senhora, com certeza, é um dos destaques.
- Eu? Destaque nenhum! Talvez sim o meu adjunto, Miguel de Azeredo. Ele chefiou, no ano de 1594, uma grande bandeira contra os índios goitacases. Esses índios eram bastante temidos pela sua ferocidade e queriam impedir a instalação dos cristãos nos Sul da Capitania. Eu já retornara a Portugal, mas tive depois notícias detalhadas da rebelião.
- O fato de uma mulher, em 1589, se haver tornado Capitoa e Governadora de uma Capitania é digno de atenção e registro. Foram tempos difíceis, não é verdade?
- Ah! Se foram? Mas procurei fazer uma administração segura e honesta, sempre visando à integração com Deus e com a Igreja.
- O Convento dos Franciscanos... O terreno para a construção do Convento foi uma doação do seu governo, não foi?
- É verdade. O terreno foi doado aos padres franciscanos. Esse Convento ainda existe?
- Existe. Lá está, em uma encosta, na capital, abençoando os habitantes não só do Espírito Santo, mas de toda a terra brasileira.
- Gosto de saber.
- Fale-me do momento mais difícil de sua administração.
- Não houve um momento mais difícil, mas, sim, uma centena deles, dependendo dos muitos transtornos que tivemos que enfrentar. Bravo colaborador o Capitão Miguel Azeredo – repetiu -. Não posso deixar de lembrar-me do ataque violento dos corsários ingleses em 1592. Nossa defesa era insuficiente, precisamos recorrer ao auxílio dos índios goitacases.
Fonte: Jornal A Gazeta, A Saga do Espírito Santo – Das Caravelas ao século XXI – 20/05/1999
Pesquisa e texto: Neida Lúcia Moraes e Sebastião Pimentel
Edição e revisão: José Irmo Goring
Projeto Gráfico: Edson Maltez Heringer
Diagramação: Sebastião Vargas
Supervisão de arte: Ivan Alves
Ilustrações: Genildo Ronchi
Digitação: Joana D’Arc Cruz
Compilação: Walter de Aguiar Filho, julho/2016
Dona Luzia Grinalda, nora de Vasco Coutinho, era casada com Vasco Coutinho Filho. Ao falecer o “velho” Coutinho, herda o governo seu filho bastardo Vasco Fernandes Coutinho Filho
Ver ArtigoEm 1589, com a morte do donatário Vasco Fernandes Coutinho Filho, sucedeu-lhe no Governo da Capitania sua viúva, Dona Luísa Grinalda. O casal não tinha filhos para seguir a linha de sucessão. Dessa maneira, uma mulher herdou o posto e nomeou seu adjunto o Capitão Miguel Azeredo...
Ver ArtigoLuiza Grinalda foi viúva de Vasco Fernandes Coutinho Filho, e por conta disso é homenageada com nome de rua que começa na Prainha de Vila Velha, ladeando o morro do Convento e vai até a atual Av. Champagnat
Ver ArtigoA Governadora Luiza Grimaldi e seu Adjunto, Miguel de Azeredo, e oficiais da Vila da Vitória, e assim os da Câmara desta Vila do Espírito Santo da dita Capitania que este ano de noventa e hum servimos, etc. Fazem saber...
Ver ArtigoO testamento confirma o ano de 1573 como o início do governo de Vasco Fernandes Coutinho (filho) e não a data tradicionalmente apontada, 1563, pela historiografia capixaba
Ver ArtigoNa história do Espírito Santo, um dos vultos mais emblemáticos conjuga-se na personalidade de Luíza Grinalda. Nascida cerca de 1541 e falecida após 1626, foi casada com o filho bastardo, perfilado, do primeiro donatário da Capitania: Vasco Fernandes Coutinho (VIº) Filho.
Ver ArtigoD. Luiza "Grinaldi", a governadora, firmou a doação da Penha ao franciscano Baltazar Lisboa. D. Luiza "Grinaldi" era filha de Pedro Alves ou Álvares Correia e de Catarina "Grinaldi"
Ver ArtigoConforme o padre Hélio Abranches Viotti (1966, p.218), durante o seu governo no Espírito Santo, D. Luísa não dava um passo sem que o venerando Pe. Anchieta fosse consultado: “era ele quem inspirava todos os seus atos”
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