O recrutamento do Ururau - 1827
Gravíssimo incidente abalou o Espírito Santo quando da passagem, pelo porto de Vitória, do brigue de guerra Ururau, em 1827.
Aproveitando-se da ocasião em que o povo acompanhava, despreocupadamente, a procissão de Corpus Christi pelas ruas da cidade, o comandante das Armas, Francisco Antônio de Paula Nogueira da Gama, (XIII) auxiliado pela guarnição daquele navio, prendeu, indistintamente, numerosos chefes de família, rapazes, velhos e aleijados, para encaminhá-los ao Rio de Janeiro, de onde deveriam seguir para o sul a integrar o Exército brasileiro que combatia na Guerra Cisplatina. Ao pânico do primeiro momento seguiu-se o desespero dos que partiam e dos que ficavam, uns e outros angustiados por tão estúpida quão imprevista separação.
Durante muitos anos deixou de realizar-se em Vitória a procissão de Corpus Christi,(54) e os capixabas batizaram o triste episódio de recrutamento do Ururau.(55)
NOTAS
(54) - DAEMON, Prov ES, 276-7 e 368.
(55) - ASSIS, Governos, 55.
XIII - E não o coronel José Francisco de Andrade e Almeida Monjardim, como escreveu BASÍLIO DAEMON (Prov. ES, 276-7). Aliás, é o próprio Daemon quem nos proporciona a contestação, através do seguinte documento, por ele copiado e oferecido ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, de cuja coleção de Mss o copiamos:
“Ofício comunicativo do grande recrutamento feito pelo comandante das Armas da Província do Espírito Santo em os batalhões de milicianos e em paisanos, no dia de Corpus Christi, em uma grande parada por ocasião da procissão de catorze de junho de 1827, que deu causa a desgraças e a uma tradição até hoje conservada. – Ilmo.º e Exm.º Snr. Havendo participado a V. Exa. por ofício de treze de Maio, a deliberação que havia tomado de entrar brevemente em Inspeção nos Corpos da 2.ª Linha desta Província, para separar os Indivíduos alistados incompetentemente neles, e os remeter ao Batalhão de Caçadores de 1.ª Linha n.º 12, visto que duvidava do bom resultado do recrutamento das Ordenanças a cargo do Presidente, não obstante a minha pronta cooperação com ele, em conseqüência do Aviso de cinco de Abril do corrente, levo ao conhecimento de V. Ex. para fazer presente a S. M. o Imperador, que com a recepção do segundo Aviso de dez de Maio, tomei o acordo em uma grande parada que formei no dia catorze do corrente, de fazer a Fala que levo ao conhecimento de V. Ex. pela cópia n.º um; embarcando logo depois no brigue Ururau, todos os indivíduos dos Corpos de 2.ª linha que se me figuraram próprios para o serviço da 1.ª; depois do que procedendo a averiguação, dos que deveriam marchar, achei o número de cem praças, das quais me foi preciso dispensar quatro, por me requererem, e provarem com documentos, acharem-se isentos pela lei, cuja relação junta tenho a honra de apresentar a V. Ex. com mais três paisanos, deixando-os logo no Brigue a cargo do alferes Antônio da Terra Pereira, com três oficiais inferiores do mesmo Batalhão todos fardados (posto que não uniformizados) depois da última fala cópia número dois. Não obstante, Ex. Sr., faltarem algumas praças àquela parada, que determinei no supradito dia catorze, talvez por desconfiança já da chegada antecedente dos oficiais do mesmo Batalhão doze; e dos boatos do recrutamento, que a minha dissimulação não pôde jamais coibir, contudo eu julgo, que ainda mesmo que não faltassem, não poderia o número dos apurados exceder a vinte praças, donde colijo o esgotamento em que está a Província. Nesta mesma ocasião, remeto mais um Sargento, quatro soldados e dois desertores do dito Batalhão, ficando na diligência dos que faltavam dos Corpos Milicianos. Não duvido, Exmo. Sr. que nos indivíduos alistados, talvez haja ainda algum fora da lei, por falta de legais exposições das partes, mas não de minhas intenções; não obstante apressar-me incansável na apuração circunspecta, que concluí no terceiro dia, para evitar os artifícios ardilosos, que em tais ocasiões por todos os meios se apresentam. Cumpre-me mais participar a V. Excia. para levar também ao Augusto Conhecimento de S. M. o Imperador que a requerimento de alguns extremosos pais, aceitei em lugar de seus filhos para o Serviço da 1.ª Linha oito mulatos, que eles libertaram, ainda mais robustos e capazes de servirem, que os seus próprios filhos, ficando estes ao mesmo tempo no serviço da 2.ª, onde se achavam, anuí a isto, Exmo. Sr., não só por consideração aos pais, como pelo aumento do número dos combatentes com aqueles escravos habilitados com a liberdade para poderem ter a honra de servirem à Nação como soldados; e fico esperançado de que toda a minha conduta, nesta diligência, possa merecer a augusta aprovação de S. M. o Imperador, como nascida puramente de minhas boas intenções e esforços de bem o servir sempre e agradar. Ultimamente, querendo prevenir com mais segurança o brigue Ururau em algum encontro, que possa ter com o corsário, que anda nesta costa, como participei a V. Ex. em oficio de doze do corrente, mandei meter a bordo, além da artilharia e fuzis de sua guarnição, mais quatro peças de bronze de calibre três, com as necessárias palamentas, oitenta tiros com balas para as ditas, dois barris de pólvora, trinta espingardas, quatrocentos cartuchos embalados de mosqueteria e duzentos de pistolas; e assim mais dez soldados milicianos de caçadores Henriques com um oficial inferior, e um tenente do mesmo corpo, responsabilizado ao mesmo tempo do supradito Trem, para o transportar a esta Cidade. Deus guarde a V. Excia. Quartel General do Comando das Armas na Cidade da Vitória, vinte e sete de junho de 1827. Ilm. º e Ex. Sr. Conde de Lages. (a) Francisco Antônio de Paula Nogueira da Gama.”
(Livro primeiro do Comando das Armas, documento copiado por Basílio Daemon, escreveu ao pé do Ms.).
– Antes de entrar na baía de Vitória, o Ururau, aos vinte e nove de maio, sob o comando de José de Sousa Pico, atacou e pôs em fuga um corsário – argentino, sem dúvida – que navegava nas proximidades da barra (MENDONÇA e VASCONCELOS, Repositório, 409).
Fonte: História do Estado do Espírito Santo, 3ª edição, Vitória (APEES) - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo – Secretaria de Cultura, 2008
Autor: José Teixeira de Oliveira
Compilação: Walter Aguiar Filho, maio/2018
Pero de Magalhães de Gândavo, autor da 1ª História do Brasil, em português, impressa em Lisboa, no ano de 1576
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