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O Século XIX e a Fronteira com Minas Gerais

Ponte da Passagem, foto da década de 1930 - Em 1801 se deu a primeira construção da ponte, na administração do Governador Silva Pontes.

O Príncipe Regente, D. João, muito bem instruído devia estar, em relação ao Espírito Santo, pois as recomendações feitas a Francisco da Cunha Menezes, Governador da Bahia, a cuja jurisdição pertencia ainda nossa Capitania, a tanto induz. Do contrário não se justifica a nomeação de Silva Pontes, oficial de Marinha e portador da excelente folha de intelectual e universitário. Talvez houvessem influído representações dos vedores da Fazenda Real, dos Capitães Gerais, incumbidos da defesa da costa brasileira sempre cobiçada pelos corsários. (1) D. Rodrigo de Souza Coutinho não deve ter sido estranho à escolha do astrônomo, professor da Academia de Lisboa. Souza Coutinho foi dos primeiros a pensar na navegação do Rio Doce. Ninguém melhor indicado do que um oficial de Marinha para governar o Espírito Santo e estudar o rio do minério.

Em 1786, João Mongeardino já havia recebido ordens de D. Rodrigo José de Menezes para que cuidasse da navegação do Rio famoso. Caía oficialmente a proibição de se abrir caminhos para o interior, renovada sucessivamente de 1725 a 1758. (2) Determinara Coutinho, a Silva Pontes, que se povoasse o rio e se construíssem quartéis, ao longo de seu curso, para proteger os colonos e reprimir o contrabando do ouro, fartamente em uso.

Antonio Pires da Silva Pontes Paes Leme e Camargo, por motivos ignorados, demorou-se três anos em tomar posse do governo do Espírito Santo. Mas chegou com invejável dinamismo. Nascido em Mariana, (3) talvez conhecesse as cabeceiras do Rio Doce e os caminhos, que o ouro poderia trilhar para fugir ao quinto escorchante.

A posse do novo governador se deu em 29 de março de 1800. Seus predicados intelectuais excediam à importância do cargo. Era voluntarioso e atrabiliário. Sabia mandar e pessoalmente executar o que preciso fosse. Tinha fibra. Descendia dos mais famosos bandeirantes. Estudou em Coimbra. Fez o curso de Marinha. Doutorou-se em matemáticas. A vila de Vitória não lhe mereceu cuidados. Não era esteta nem urbanista. Geógrafo e marinheiro, nada mais. Não se deve estranhar que, empossado em fins de março, a 8 de outubro estivesse na Cachoeira das Escadinhas, Baixo Guandu de hoje, assinando o histórico auto de divisa entre as capitanias do Espírito Santo e Minas Gerais, famoso pela cessão de centenas de milhares de quilômetros quadrados aos nossos irmãos vizinhos do Oeste.

Se o feito de 8 de outubro de 1800, houvesse ocorrido hoje, com os atuais recursos de comunicação e de transportes, não se realizaria talvez com tanta presteza. A suspeita de conluio com seus conterrâneos dificilmente poderá ser desfeita. É de abismar a facilidade com que o matemático bacharel se tenha comunicado com Vila Rica, marcado encontro com o dissoluto Capitão General Bernardo José de Lorena, (4) governador da Capitania de Minas Gerais, encontro este realizado sem maiores dificuldades, no local aprazado. A viagem foi dura. Quarenta réguas vencidas, ora a cavalo, ora de canoa, em região despovoada e hostil. Uma só decepção: o devasso governador Lorena, por motivos de doença, se fez representar pelo Ten. Coronel João Batista dos Santos e Araújo, do 3° Regimento de Cavalaria de Milícia, sediado em Vila Rica. O documento firmado pelos dois governadores não se destinava a definir as fronteiras geográficas entre as duas Capitanias. O Conselho Ultramarino não os autorizava a tanto. Cabia-lhes apenas estabelecer postos de fiscalização régia para reprimir o contrabando de pedras e metais preciosos. A defesa do fisco, da navegação do Rio Doce e dos colonos ribeirinhos, constituía o ternário primordial do encontro. A definição de fronteiras, sem conhecimento geográfico da região, foi ato de inconsciência inqualificável.

*

O governo de Silva Pontes cingiu-se ao estudo do "Nilo Brasiliense". Misael Pena anota-lhe o levantamento hidrográfico desde a Cachoeira das Escadinhas até Regência Augusta.

Atribui-lhe também a ligação dos quartéis, construídos na barranca do rio, por estradas. Tudo foi prematuro. A navegação do Rio Doce, imperativo do povoamento do médio e alto Rio Doce, estacionou ou decaiu com o findar-se o ciclo do ouro.

Não podia, naquele tempo de Brasil Colônia, medrar qualquer iniciativa deficitária. O porto do "Souza", ancoradouro de canoas, foi uma ficção. A mercadoria importada era o sal, de baixo preço e perecível pela umidade. E o exportado, o algodão, não menos atacado pela água. O transbordo, para vencer as corredeiras, penoso e longo de mais. Daria nascimento no correr dos anos, ao arraial de Natividade, confluência do Manhuaçu com o Rio Doce, Aimorés de hoje, o do entreposto de comércio de José Viana de Brito, Vila Mascarenhas atual.

O povoamento da região, tentado com sentenciados foi um logro. Serviu para celebrizar os apelidos do ministro protetor de Silva Pontes em duas localidades: Porto do Souza e Coutins, hoje Linhares, toponímicos auridos de D. Rodrigo de Souza Coutinho, Conde de Linhares, (5) graça que lhe concedeu o Príncipe Regente. Convém ressaltar que Silva Pontes se apaixonou pela administração da Capitania. Os contemporâneos não o perdoam da bizarra maneira de tratar o povo com castigos ridículos, como o de obrigar indivíduos a cavalgar, sem o hábito de fazê-lo, o dia inteiro, reter os colonos meses seguidos em Vitória, em exercícios militares, divertir-se em forçar seus ajudantes de ordens a comer "as nojentas iguarias dos escravos". (6) Basílio Carvalho Daemon, louva-o bastante. As conseqüências do auto de demarcação ainda não se haviam manifestado em 1879, quando foi publicado "Província do Espírito Santo". Toda a região oeste e noroeste era desconhecida; não se avaliava, portanto, o incalculável prejuízo oriundo do leviano auto assinado pelo mineiro de Mariana, a serviço no Espírito Santo.

D. Rodrigo de Souza Coutinho o estimava particularmente. Visitou-o em Vitória, quando, em companhia de sua esposa, D. Maria Balbina, serviu de padrinho ao menino Rodrigo, batizado em 23 de novembro de 1800, na igreja Santiago, filho do governador e sua mulher, D. Caetano Herculina. (7)

A ponte da "Passagem", ligando a ilha de Vitória ao continente Norte, com pegões de alvenaria, construída com mão de obra de indígenas, foi o traço material da administração do letrado governador. Em 17 de dezembro de 1804 é substituído por Manuel Vieira de Albuquerque Tovar. (8) Faleceu no Rio de Janeiro, a 21 de abril do ano seguinte e está sepultado no Convento Santo Antônio. (9)

 

NOTAS

 

(1) Em 1796, nos mares de Vitória, navios franceses saquearam barcos portugueses, sem ser atacados pelas fortalezas, por falta de munição.

(2) Xavier da Veiga. "Efemerides Mineiras".

(3) Carlos Xavier — "História".

(4) Felício dos Santos — "Memórias do Distrito de Diamantina"... "Já se conheciam de fama os costumes devassos e dissolutos de Bernardo José de Lorena..." Viajava em companhia do Conde (Lorena) o seu ajudante de ordens, José Romão, inseparável companheiro de suas devassidões, e até tomava sobre si a responsabilidade dos atos imorais praticados pelo estróina Governador. Bernardo José de Lorena, quando empreendia suas viagens, trazia, invariavelmente, em sua comitiva suas duas últimas atuantes conquistadas em São Paulo..." Geraldo Dutra de Morais — "História de Conceição do Mato Dentro" 1942. Biblioteca Mineira de Cultura. 

(5) Marquês. D.H.G.

(6) Saint-Hilaire — "Viagem”

(7) Daemon — Veio Rodrigo de Souza da Silva Pontes, o menino batizado em Vitória, a ser ministro plenipotenciário do Brasil na Argentina, na época de Rosas. Teixeira de Oliveira: O Capitão de Milícias Manuel Pires da Silva Pontes, irmão mais velho de Rodrigo, foi governador do Espírito Santo de 25 de outubro de 1832 a 5 de maio de 1835.

(8) Rubim — "Memória" Cezar Marques dá-lhe o título de Fidalgo da Casa Real e Major de Cavalaria.

(9) Morales de Los Rios. Daemon enganou-se, quando diz que faleceu em Minas, em 1807.

 

Fonte: Biografia de uma ilha, 1965
Autor: Luiz Serafim Derenzi
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2017

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