Parabólicas ao vento ou o que há além de um presépio diurno
Nada contra as pequenas luzes vistas de longe sobre os morros de Vitória, que, com o movimento causado pelo vento nas árvores, acaba gerando essa bela ilusão de pisca-pisca na ilha. Mas o que está passando desapercebido pelos olhos dos capixabas é a cidade presépio que está lá, no mesmo lugar, mas de enfeites prateados semicirculares, como bolas de Natal cortadas ao meio penduradas de cabeça pra baixo. Se olharmos bem, esses estranhos guarda-chuvas pelo avesso não estão totalmente virados para cima, têm uma pequena inclinação. Na verdade, estão aprontando para um ponto fixo situado a mais ou menos 36 mil quilômetros de altura sobre a linha do equador. São as antenas parabólicas. Imóveis e imponentes mirando seus satélites geoestacionários.
Como os moradores das áreas planas geralmente têm medo do morro à noite, por que não observá-lo de dia? É um universo de informações visuais tão grande que faria com que Volpi revisse sua obra e acrescentasse às cores e às linhas retas pequenas parábolas voltadas para cima. E as fachadas sem reboco, criando um novo estilo arquitetônico: “lajota à vista”? Sem falar nos “terraços capixabas”...
Mas voltando nosso olhar para cima, mais para cima ainda. Por que será que gente que não tem o que comer e onde cair morta precisa de antena parabólica? Primeiro esclarecimento: onde cair morta tem sim! Segundo: “A gente não quer só comida; a gente quer comida, diversão e arte!” É isso aí: diversão e arte. De onde é que saiu a maior parte das manifestações populares no Brasil? Do morro. Esse mesmo que só é bonito se visto de longe e à noite!
Pois os morros de Vitória são infestados de antenas parabólicas. No início era porque, devido à geografia da ilha, alguns locais ficavam na “sombra” do sinal retransmitido pelas torres da Fonte Grande, e as simples “espinhas de peixe” não conseguiam garantir uma boa imagem nos televisores. Mas hoje é possível encontrar antenas parabólicas em quase todas as encostas da cidade, independente da visão para as torres.
“Mas por que essas pessoas preferem ter parabólica a melhorar suas casas?” questionam alguns ao observarem o jardim de girassóis metálicos que se estende sobre os morros. O pensamento capitalista tem sua lógica. Ao preço de uma antena parabólica – a mais barata custando na faixa de R$400,00 – é possível comprar quarto milheiros, e meio de lajotas, mas como uma casa não é feita só de lajotas..., descontando o cimento, a areia e até a laje pré-moldada, no mínimo é possível a construção de mais dois cômodos com uns 9 m² cada. O detalhe é que a lógica estruturalista do capitalismo não tem a mínima importância para quem quer ter uma boa imagem na televisão.
E não é só pela boa imagem. Com uma antena parabólica, o telespectador transcende os limites do local. Munido de um kit básico, tem possibilidade de pegar 18 canais que vão de TV católica a TV evangélica, TV do Amazonas a TV de São Paulo, uma gama de opções que, para muitos, já é o suficiente para fugir dos cinco canais retransmitidos em Vitória com suas intermináveis e repetitivas propagandas de supermercados. Para aqueles que quiserem um pouco mais além dos limites nacionais, há a possibilidade de instalarem um decodificador da Globosat ou da TVA, abrindo o leque de opções para até 25 novos canais. Nesse segundo caso, são poucos os responsáveis pelos enfeites diurnos da cidade que se aventuram, primeiro pelo preço, segundo pela língua (inglês, espanhol, árabe, italiano, frânces, etc) que torna o produto inacessível para a maioria.
Essa facilidade de que as antenas parabólicas têm de oferecer ao usuário aquilo que não impõe limites de espaço, faz com que aquele menino de 12 anos, morador do Romão, que abandonou a escola e que passa metade do dia vendendo pastilha forte no sinal, tenha a possibilidade de vagar por um mundo que já perdeu a fantasia há muito tempo. Abre fronteiras, abre corações e mentes.
Em países muçulmanos as parabólicas são chamadas de “diabólicas”. Apontadas para o céu, servem de instrumento para a entrada do Demônio na casa das pessoas. Em nosso país católico a fase áurea do Santo Ofício já passou, mas as novas tecnologias de comunicação continuaram a representar uma ameaça à estabilidade e placidez pretendida por alguns (e a leitura não é para ser feita somente do ponto de vista religioso, mas também social e econômico).
Já dizia Bogea, tentando explicar linguagem e semiologia para um bando de meninos: “Há algum tempo podíamos fazer uma leitura político-eleitoral de Vitória somente observando as luzes dos morros. Aqueles que tendem mais para o brilho amarelado votaram em tal partido, aqueles que têm uma nuance mais azulada votaram em outro” e explicava – “é a simples diferença do efeito das luzes de vapor de sódio e de mercúrio; dependendo do político que ganhasse na região, a iluminação era de um jeito ou de outro em cada morro”.
Hoje a Cidade Presépio não pode ser mais somente vista à noite da descida de Carapina ou do alto da segunda ou da terceira pontes para que seja bela e compreendida. A estética da ilha inserida na cultura e na economia global por meio de milhares de antenas parabólicas é que dá um novo panorama à cidade. Por outro lado, não pode ser deixado de lado o que há do outro lado. Enquanto corações e mentes se voltam para o alto, ricocheteando seus olhares em um satélite qualquer para observarem comportamentos diferentes, nossa cultura local perde sua força. O global e o local devem caminhar juntos em prol de uma consciência mais rica, crítica e autêntica. E que desse presépio moderno nasça um cidadão completo.
Escritos de Vitória – Uma publicação da Secretaria de Cultura e Turismo da Prefeitura Municipal de Vitória-ES, 1997
Prefeito Municipal: Paulo Hartung
Vice-Prefeita Municipal: Luzia Alves Toledo
Secretária Municipal de Cultura: Cláudia Cabral
Sub-secretária Municipal de Cultura: Verônica Gomes
Diretor do Departamento de Cultura: Joca Simonetti
Adm da Biblioteca de Adelpho Poli Monjardim: Lígia Maria Mello Nagato
Bibliotecárias: Elizete Terezinha Caser Rocha, Lourdes Badke Ferreira
Conselho Editorial: Álvaro José Silva, José Valporto Tatagiba, Maria Helena Hees Alves, Renato Pacheco
Revisão: Gilson Soares
Capa: Ângela Cristina Xavier
Editoração: FCAA
Impressão: Gráfica ITA
Fonte: Escritos de Vitória, nº 18 – Cidade Presépio, Secretaria Municipal de Cultura e Turismo – PMV, 1997
Texto: Edgard Rebouças
Compilação: Walter de Aguiar Filho, outubro/2018
Edgard Rebouças
Nascido em Vitória (ES)
Jornalista, Professor e mestre
Em Ciências da Informação e da Comunicação.
Conhecendo a história conseguimos entender o nosso tempo
Ver ArtigoIriri. Deriva de reri ou riri, ostras, mariscos que se encontra em toda costa espírito-santense. Irirí vem a ser portanto local onde há abundância de ostras
Ver ArtigoAssim nasceu o Liceu, no prédio da fábrica de papéis, na rua Moreira nº 170, depois do desmonte e alienação do maquinário daquele empreendimento industrial
Ver ArtigoNo ano de 1886, administrada pelo doutor Antônio Athayde, foram feitos os reparos, sendo a obra dividida em três lances unidos por um aterro
Ver ArtigoBiscoitos Alcobaça. São produtos da Fábrica Alcobaça, de propriedade da firma “Ramiro S.A. Indústria e Comércio”, instalada no Município de Espírito Santo (Vila Velha), com depósitos em Vitória
Ver Artigo