Porto de Cachoeiro foi marco de crescimento
O rio Santa Maria da Vitória era o responsável pelo transporte de café da região serrana para a capital do Estado
Muito antes de ser um dos maiores responsáveis pelo abastecimento de água do Estado e essencial para lavouras e indústrias, o rio Santa Maria da Vitória já ocupava papel de destaque. A intensa movimentação portuária fluvial fez de Santa Leopoldina importante pólo econômico, social e cultural do século XIX.
Pelo rio chegaram tanto os imigrantes quanto as novidades, vindos da Europa, além de ser a única forma de transporte do que era cultivado.
O pesquisador da história local Adriano Lima Neves, da ONG cultural Macro Jê, observou que o rio ditou a localização da sede da colônia de Santa Leopoldina. Demarcada em 1856, a sede era a quatro léguas do rio, na localidade de Suíça.
“Mas o transporte fluvial era tão importante, que a sede da colônia veio para o porto das embarcações, o Porto de Cachoeiro, que hoje é Santa Leopoldina”, explicou.
Era através dele que se exportava o café produzido na região, incluindo Santa Maria de Jetibá, Santa Teresa, Itarana, Itaguaçu, Afonso Cláudio e municípios do leste de Minas Gerais.
“Os imigrantes bem-sucedidos viraram grandes produtores de café e importavam artigos de luxo da aristocracia européia que chegavam pelo rio”, destacou Neves.
Pelo rio vinham utensílios domésticos, ferramentas, rendas, porcelanas, perfumes, máquinas de costura, vinhos, entre outros. Os produtos que chegavam de navio até o Porto de Vitória subiam o rio Santa Maria em grandes canoas.
“Representantes dos produtos visitavam primeiro Santa Leopoldina para depois irem a Vitória. Até mesmo espetáculos teatrais e circenses começavam por lá”, ressaltou o pesquisador.
O local também faz parte da história da fotografia no País. As primeiras do Estado registraram o rancho por onde passou o imperador Dom Pedro II, em 1860, em Santa Leopoldina. O nome da colônia, inclusive, vem de uma homenagem à mãe dele.
“O declínio começou a ocorrer em 1919, quando foi inaugurada a primeira estrada de rodagem do Espírito Santo, ligando Santa Leopoldina a Santa Teresa”, disse Neves.
Mas a gota d’água foi a queda no preço do café, com a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929, seguida da construção da estrada ligando Santa Leopoldina a Vitória, em 1930.
Pedacinhos da Europa
Localidades chamadas Tirol, Suíça, Luxemburgo e Holandinha, além do estilo das construções, preservadas até o dia de hoje, reforçam a sensação de que a Europa é logo ali, nos municípios da região serrana que formam a bacia hidrográfica do rio Santa Maria da Vitória.
A colonização européia levou para os municípios de Santa Leopoldina e Santa Maria de Jetibá alemães, suíços, austríacos, tiroleses, holandeses, belgas e pomeranos, que chegavam no Porto de Vitória e subiam o rio Santa Maria.
O pesquisador da história local Adriano Lima Neves explicou que, mesmo com a presença de portugueses desde o século XVI, a imigração européia se intensificou mesmo em 1856, quando foi demarcada a colônia de Santa Leopoldina e chegaram os primeiros 160 suíços.
Depois vieram os imigrantes do Tirol, que detinha parte da Itália e da Áustria, os belgas, holandeses e alemães.
“Mas todos eram chamados de alemães pelos nativos. No Tirol, por exemplo, os irmãos mais novos não podiam ter terras e, conseqüentemente, se casar. Eles vinham para o Brasil em busca dessa oportunidade. Muitos casavam-se nos navios”, contou Neves.
Os italianos se concentraram em Santa Teresa, que se emancipou de Santa Leopoldina em 1890.
Já Santa Maria de Jetibá, que até 1988 fazia parte de Santa Leopoldina, foi o local escolhido pelos pomeranos. Eles viviam isolados e mantinham hábitos culturais próprios. Hoje, o município abriga a segunda maior colônia pomerana do País, povo que busca preservar seu dialeto e cultura.
Vila Isabel: presença alemã
O rio Jucu teve um papel fundamental na formação do povo capixaba, já que foi por meio dele que as primeiras 39 famílias de imigrantes alemães oriundos da Prússia Renana – que fugiam das guerras napoleônicas – fundaram, em 1846, o distrito de Vila Isabel, o primeiro núcleo de colonização alemã no Estado.
Segundo relatos históricos, os colonos tiveram muitas dificuldades até chegarem à colônia de Santa Isabel, terra destinada a eles pelo governo imperial brasileiro.
Em Vitória permaneceram alguns dias limpando e calçando a praça em frente ao atual Palácio Anchieta. Foram, então, levados até Viana, uma colônia de açorianos católicos, fundada em 1812.
De lá, os homens foram a pé, abrindo picadas através da mata, e as mulheres e crianças de canoa pelo rio Jucu, que foi batizado com esse nome pelos índios, para os quais Jucu é uma árvore de canela. Após muito trabalho tornaram o local habitável.
O núcleo era conhecido como Campinho e passou a se chamar Domingos Martins em homenagem ao herói capixaba da Revolução Pernambucana, a partir de 20 de dezembro de 1921.
A arquitetura da cidade possui traços marcantes da colonização alemã. A Igreja Luterana foi a primeira do Brasil a ser construída com torre e a contar com sinos.
Na época da construção, em 1866, a Constituição Imperial brasileira proibia torres nas igrejas evangélicas, só permitindo nas católicas.
Outro fato importante é a presença de imigrantes pomeranos, vindos de uma região que hoje faz parte da Polônia e da Alemanha.
Eles se encontram em regiões de difícil acesso e por isso ainda falam o idioma, hoje extinto em sua terra natal.
Rio Marinho recebeu obra de transposição
O rio Marinho, que já foi um dos afluentes do Jucu, tem grande importância histórica. Construído pelos jesuítas, o canal que leva o mesmo nome foi a principal obra de engenharia do século XVIII.
De acordo com o professor Henrique Casamata, a ilha de Vitória não tinha como abastecer a população crescente da capitania.
Para suprir as necessidades, os jesuítas iniciaram o cultivo na fazenda Araçatiba (hoje Viana). Porém, o grande desafio era levar a produção até a ilha.
Decidiram, então, transpor as águas do Jucu para um riozinho. Estava implantada a primeira transposição de água feita no País e o riozinho se transformou no rio Marinho (mar + riozinho), diminuindo o tempo de viagem e o desperdício das mercadorias.
Resistência negra em Queimado
O rio Santa Maria da Vitória testemunhou um fato marcante. Suas margens foram palco da resistência escrava, que resultou na insurreição de Queimado, em 1849.
Segundos relatos históricos, o frei Gregório José Maria de Bene, um missionário italiano contrário à escravidão, incentivou a construção de uma igreja no povoado de Queimado.
Para isso, contou com a mão-de-obra dos negros, sob a promessa de que a ajuda seria recompensada
com a liberdade. A missa de inauguração foi marcada para o dia 19 de março de 1849, dia da Festa de São José.
Durante a celebração, escravos invadiram a igreja, liderados pelos negros Elisiário, João e Chico Prego. Com medo, o padre abandonou o altar. Quatros dias depois, 11 escravos, entre eles os líderes, foram presos e condenados à morte.
Fonte: A Tribuna, Suplemento Especial Navegando os Rios Capixabas – Rio Jucu – 26/08/2007
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2016
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