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Retratos Antigos - Por José Carlos da Fonseca

Praça Costa Pereira - década de 1950

Primeiro é preciso uma busca profunda, um esforço penoso e difícil pelos caminhos da memória. O tempo é implacável, e vai aos poucos apagando com a borracha dos anos as lembranças da gente. Vez por outra me surpreendo com um rosto amigo transformado numa triste caricatura do passado. É assim mesmo, os anos riscam e sujam a cara das pessoas.

Naquele tempo havia bonde. E moças e rapazes que andavam de bonde. Desciam barulhentos pela rua Sete, rodavam a praça Costa Pereira, paravam em frente ao Café Avenida, e voltavam rangendo as rodas pelos mesmos trilhos até parar na antiga praça do Quartel, quase defronte ao Colégio Americano, para seguir depois do rumo da Vila Rubim. É nesse ponto que desço.

Atravesso a praça (e o tempo também, pois lá se vão mais de 40 anos) e entro no Colégio Americano para a prova de Matemática do professor Árabe Filho. Eu já estava ameaçado de perder o ano, pois envolvido no teatro de estudantes e nos festejos do quarto centenário da cidade de Vitória havia me descuidado um pouco das atividades escolares. Não tinha a menor possibilidade de responder aos quesitos da prova. Aí me ocorreu a idéia de redigir uma carta ao professor Árabe pedindo-lhe a compreensão para o meu caso. Encerrado o tempo da prova, entreguei-lhe o papel, e, na semana seguinte, não deu outra coisa: em vez de zero desmoralizante obtive meio ponto pelo meu esforço epistolar. Essa prova está até hoje com meu colega Olegário Wanguestel, que nem uma cópia dela me entregou.

Mas eu tenha bons mestres – Cristiano Fraga, Nelson Abel, Antônio de Souza, e melhores protetores no colégio: professores Jacob Ayub, Manoel Jayme, Renato Pacheco, aliás o Renato sempre me ajudou muito. Em tudo.

Certa vez houve um fato grave envolvendo toda a classe. O sumiço do cachimbo do professor Von Schilgen. Era ele um aristocrata alemão, que por ligações familiares aportou em Vitória. E foi lecionar no Colégio Americano. Figura simpática e elegante, empunhava sempre o cachimbo na mão esquerda e o giz na direita. Pois um dia levaram-lhe um dos instrumentos de trabalho; exatamente o que ele havia trazido da pátria distante. Foi uma penosa  busca dentro de um ambiente terrivelmente desagradável e constrangedor. Durou dias esse imbróglio. Na verdade não me recordo do desfecho do episódio.

Havia um jornal no colégio. Naquele tempo os estudantes eram mais interessados na própria comunidade; ou tinham mais tempo, ou menos opção de lazer, não sei bem, mas o fato é que havia um jornal e era dirigido pelo Milton Murad. Também eu fazia parte de sua direção, ao lado de Adam Czartoryski, Letícia Moraes e outros. Chamava-se O Reflexo. E pretendia refletir o pensamento do grupo. Não me lembro se conseguiu.

Mas seu diretor, Milton Murad, sempre foi polêmico. E brilhante. Certa noite, no Café Avenida, onde nos reuníamos depois das aulas (o Café Avenida foi um marco de nossa época), estourou uma discussão em torno de uma palavra. Bons tempos aquele em que a juventude se preocupava com a origem, das palavras. Audífax Amorim, belo cronista, empregara a palavra “balha” numa de suas crônicas. Milton criticava a adequação do termo à frase usada. A coisa esquentou. Havia riscos de tapas no ar. Aí surgiu alguém de bom senso e propôs uma solução mais razoável: uma aposta. Quem ganhasse receberia uma bolada em dinheiro. Toparam. Suspenderam a briga e assinaram o armistício. E remeteram a fúria etimológica para campo mais propício: o dicionário.

Alguns dias mais tarde a resposta surgiu. Balha ou baila eram a mesma coisa. E continuam sendo até hoje. O Milton perdera a aposta. É assim mesmo; há pessoas que podendo usar epístola jamais usam a palavra carta.

Mais tarde, no Tribunal Superior do Trabalho, meu colega e brilhante ministro Marco Aurélio usava freqüentemente a palavra balha. E me trazia de volta a cena do Café Avenida, que ficara soterrada debaixo de mais de 40 anos de escombros sentimentais. Mas sempre insistia em voltar à tela de vagas lembranças, como um tímido flash iluminando fracamente a câmara já bem esmaecida de minha memória.

 

Fonte: Escritos de Vitória, 1995, Escolas
Autor: José Carlos Fonseca
Compilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro de 2014 

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