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Rio Doce - A ferrovia

Assentamento de trilhos da EFVM, em Aimorés, 1906-1907

Malgrado todas as tentativas - de Martim Carvalho, Fernandes Tourinho e Adorno aos imigrantes estrangeiros dos fins do século XIX —, a bacia do Rio Doce continuava sendo terra de ninguém. Especialmente a região do médio Rio Doce, entre a foz do Rio Piracicaba e a divisa com o Espírito Santo, na Cachoeira das Escadinhas, o que havia era uma densa floresta desabitada, sem qualquer sede municipal em suas margens.

Os primeiros municípios surgiram em Minas, a partir das cabeceiras, com Mariana e Ouro Preto, em 1711, e Serro, em 1714, em função da descoberta do ouro. Entre 1833 e 1888 seis outras sedes municipais foram criadas, todas afastadas do Rio Doce: Itabira, Santa Bárbara, Conceição do Mato Dentro, Piranga e Ponte Nova. Nas últimas décadas do Século XIX, surgiram ainda outros 11 municípios: Viçosa, Guanhães, Peçanha, Manhuaçu, Visconde do Rio Branco, Ferros, Caratinga, São Domingos do Prata, Alto Rio Doce, Alvinópolis e Abre-Campo. Desses, o mais próximo do Rio Doce era Caratinga, a cerca de 50 quilômetros em linha reta. Ainda assim, e mesmo considerando os municípios que foram criados já no século XX — Antônio Dias, Ipanema, Rio Casca, Rio Espera, Rio Piracicaba e São João Evangelista (todos em 1911) —, nenhuma localidade surgiu às margens do Rio Doce. É espantoso que, em 1915, numa área de 30 mil quilômetros quadrados, no médio Rio Doce, não houvesse uma única cidade, nem mesmo uma vila!

Mas, se nos lembrarmos que, durante quase todo o século XIX, esse território fora dominado por tribos arredias e belicosas, talvez isso não pareça assim tão surpreendente. Afinal, mesmo pacificadas no fim do século, vez por outra, ainda ocorriam saques nas propriedades de fazendeiros que teimavam em se fixar na região. E os indígenas não eram o único perigo ali. Uma outra ameaça, traiçoeira e mortal, infestava as matas fechadas e exuberantes, extremamente quentes e úmidas, focos permanentes de doenças tropicais: a malária, endêmica no médio e baixo Rio Doce, era um motivo suficientemente forte para desencorajar os colonizadores.

No lado do Espírito Santo foram realizados vários projetos de colonização com imigrantes italianos, alemães, espanhóis, ingleses e americanos que tentaram, com enormes sacrifícios, desbravar a densa floresta do baixo Rio Doce. Alguns desses projetos, na verdade, apenas encobriam a extração ilegal de madeiras nobres da Mata Atlântica ou a especulação com terras doadas pelo Governo. De todas essas tentativas de colonização, só os italianos, com mais de 65 mil imigrantes, em especial nas proximidades de Pau Gigante (hoje Ibiraçu), e os alemães, nas regiões altas de Santa Tereza, conseguiram resultados expressivos e duradouros. O único município no baixo Rio Doce, Linhares, vinha tendo um desenvolvimento tão precário que perdeu essa condição para Colatina no início do século XX. Com o fracasso das muitas tentativas de navegação pelo Rio Doce, a conquista do vale teria que ser empreendida com a abertura de estradas.

A partir de 1854, com a inauguração da linha férrea que ligava Raiz da Serra a Petrópolis, o Brasil passou a viver o sonho dourado das ferrovias. Em Minas, Cristiano Benedito Otoni foi o primeiro a tentar transformá-lo em realidade, com o projeto de ligar a antiga cidade de Filadélfia ao litoral capixaba, mas ele nunca foi executado. A construção de uma estrada de ferro ligando Vitória a Natividade, atual Aimorés, parecia ser o melhor caminho para estabelecer uma comunicação de Minas com um porto de mar e foi autorizada pelo Decreto 5.951, de 1875. A concorrência para a obra chegou a ser aberta em 1881, porém o contrato com a firma Waring & Brothers foi rescindido em 1886.

Cinco anos mais tarde, o Congresso Nacional reconheceu a Companhia Estrada de Ferro Vitória a Minas, criada pela fusão de duas concessões ferroviárias liberadas 11 anos antes, em 1890: a EF Vitória a Peçanha e a EF Peçanha a Araxá. Organizada  em 1901 sob a liderança de dois conceituados engenheiros ferroviários da época, João Teixeira Soares e Pedro Nolasco Pereira da Cunha, a companhia foi aprovada por decreto em 1902. A concessão incluía uma série de privilégios, inclusive uma "garantia de juros", pagos pelo Governo sobre o capital investido na construção da ferrovia. Tal como acontecera com a navegação do Rio Doce, começava aí uma nova epopéia, cheia de percalços, lances dramáticos, batalhas judiciais, crises financeiras, acordos e desacordos e que só teria seu desfecho auspicioso 40 anos depois.

O traçado original seguia o Rio Doce desde Natividade, cruzando-o próximo a Figueira do Rio Doce - atual Governador Valadares - e, sempre ladeando a margem esquerda do grande rio, atingia o Rio Santo Antônio. Costeando esse rio, passava por Peçanha para terminar em Diamantina. Por causa de seu traçado, nos primeiros anos a ferrovia ficou conhecida como Vitória-Diamantina, ou EFVD.

Em 2 de agosto de 1902, chegava a Vitória uma comissão de técnicos da recém-criada companhia para iniciar os estudos de construção da ferrovia. A construção começou no ano seguinte e, já em maio de 1904, foi inaugurado o primeiro trecho, de quase 30 km, entre Porto Velho e Alfredo Maia. Para percorrê-lo, foi importada mais uma locomotiva a vapor do tipo Mogul, fabricada na Bélgica.

Com algumas dificuldades, a via férrea avançou nos anos de 1905 a 1907. Em 1905, numa extensão de quase 100 km, circulavam regularmente apenas dois trens mistos por dia, por falta de mais locomotivas. Em 1906 a estrada chegou às margens do Rio Doce em Colatina (154 km) e em 1907 chegava a Minas, em Natividade, com o assentamento de mais de 200 km de trilhos. Nesse ponto, as dificuldades cresceram e os custos aumentaram para os investidores. Ao avançar pela mata fechada do Rio Doce, o pessoal de campo logo começou a sofrer as conseqüências da insalubridade e muitos operários ficaram incapacitados pela malária e outras doenças tropicais.

No aspecto financeiro, como a companhia contava com o pagamento da garantia de juros por parte de Governo Federal, as dividas dos empréstimos foram se acumulando junto aos bancos credores sempre que o Governo atrasava os repasses devidos. No final de 1907 a situação agravou-se com a greve dos operários, que não recebiam salários há cinco meses. Pressionada pelas dificuldades financeiras, a construção da EFVM prosseguiu precariamente, comprometendo a qualidade da obra, a ponto de os trilhos serem assentados sobre lastro de terra, tornando a linha vulnerável quando ocorriam chuvas fortes. No início, com um tráfego pequeno, esses problemas não causaram muitos transtornos, mas, com o tempo e o aumento do tráfego nos dois sentidos, as deficiências de construção passariam a limitar seriamente a lotação e carga dos trens. No ano de 1908, a crise atingiu proporções insuportáveis.

Assim como o sonho da navegação acabara em pesadelo, parecia que a penetração da bacia do Rio Doce por via férrea teria o mesmo destino.

 

Fonte: O Vale do Rio Doce, CVRD, 2002

Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2016

Concepção, pesquisa e coordenação/Conaption, research and coorelination

Romeu do Nascimento Teixeira

Texto/text

Jota. Dangelo

Pesquisa bibliográfica e iconográfica./ Bibliographical and iconographic research

Henrique Lobo

Edgar. N. Teixeira

Miriam Prado T. de Oliveira

Elias Botelho Coelho Dos Santos

Produção, projeto gráfico e diagramação/Proarzection, graphic desegn and layout

Ampersand Comunicação Gráfica

Reproduções forográficas/ Photogrertphic reproductions

Zela Guimarães

Aquarelas/Watercolors

Nona Salmen

Copydesk/Copydesk

Marilia Pessoa

Revisão/Revised by

Tereza da Rocha

Versão em Inglês/translated to English by

Patrick James David Gardner Finn

Anne Marie Zemgulis

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