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Rio Doce - A Companhia Vale do Rio Doce

Ponte sobre o Rio Doce, ao fundo a estrutura da ponte antiga - Fonte: O Vale do Rio Doce, CVRD, 2002

Foi exatamente em plena crise da ferrovia que um grupo de empresários ingleses procurou a Companhia EF Vitória a Minas para discutir a viabilidade de se transportar, por um preço de frete pré-estabelecido, minério de ferro da região mineira de Itabira, onde sabiam existir grandes jazidas de minério de ótima qualidade, até o porto de Vitória. Para a EFVM, o contrato poderia ser a solução dos problemas e para o vale do Rio Doce, a definição de sua inevitável vocação, estuário natural de exportação.

O estudo de viabilidade, apresentado pelo engenheiro Emilio Schnoor em 1909, concluía que o transporte era viável com alguns ajustes: alteração do traçado da ferrovia, de Diamantina para Itabira, reforço dos trilhos e pontes e eletrificação da linha, em toda a extensão, que poderia ser feita aproveitando-se o potencial hidrelétrico existente no próprio Rio Doce.

De volta à Inglaterra, o grupo inglês organizou a Brazilian Hematite Syndicate, para comprar o controle da ferrovia. Os ingleses já haviam adquirido os direitos de exploração da mina do Cauê, em Itabira, e o Governo autorizara a mudança do traçado da EFVM para aquela cidade. Em troca da autorização, a EFVM se comprometia a construir um ramal ligando Curralinho, atual Corinto, a Diamantina. Com o avanço das negociações, o engenheiro Gustave Guillman elaborou um novo projeto, que previa o emprego de técnicas mais avançadas e o desvio da estrada de ferro para Santa Cruz, onde seria construído um porto especializado para o embarque de minério de ferro.

Os trabalhos de eletrificação da linha, realizados pela firma inglesa Dick, Kerr & Company, tiveram início em 28 de julho de 1910. Banqueiros poderosos participariam da empreitada e a Brazilian Hematite Syndicate foi reorganizada como Itabira Iron Ore Company. Em julho de 1911, a companhia recebeu autorização para estabelecer-se e atuar no Brasil.

Mas havia uma questão que não fora considerada. A legislação brasileira da época exigia que a exportação de minério fosse aprovada também pelo Governo de Minas e este condicionou a aprovação ao pagamento antecipado do valor do frete que seria acordado por um determinado período. A companhia inglesa recusou-se a efetuar o pagamento, e o empreendimento da Itabira Iron no Brasil ficou praticamente paralisado, inclusive as obras de eletrificação que mal haviam começado. Embora a EFVM tivesse adquirido, entre 1910 e 1913, mais nove locomotivas a vapor e a construção da linha continuasse de modo precário, em janeiro de 1915 as obras foram interrompidas, também por conta da Primeira Guerra Mundial.

Durante todo esse tempo, e nos anos seguintes, houve muitas negociações e discussões conturbadas, das quais participaram nacionalistas - "o minério é nosso" - e liberais; presidentes da República, como Nilo Peçanha, Artur Bernardes e, mais tarde, Washington Luiz e Getúlio Vargas; siderúrgicas americanas, inglesas e alemãs; políticos brasileiros e bancos financiadores. Sempre num clima de avanços e recuos, as questões eram centradas na exportação de minério de ferro por estrangeiros.

Nos bastidores e, algumas vezes, no comando das negociações esteve sempre presente a figura controvertida do milionário investidor americano Percival Faqhar, sócio majoritário da Brazil Railway Company, na época a maior empresa ferroviária do Brasil e que faliu em 1914. Faqhar, entretanto, saiu ileso da falência, ficando o prejuízo maior com as empresas e ferrovias controladas pela Brazil Railway no Brasil e com um grande número de investidores franceses.

Em 1919, o polêmico Percival Faqhar voltou à cena. A Itabira Iron ofereceu-lhe uma opção de compra das jazidas e da EFVM, além de uma participação de 36% nas ações da companhia que Faqhar organizasse para explorar a mineração e a ferrovia. A negociação com autoridades brasileiras incluiu o próprio presidente Epitácio Pessoa, recém-eleito. Os audaciosos planos de Faqhar contemplavam a construção de uma nova ferrovia, a Estrada de Ferro de Itabira, Itabira Railway, de bitola larga. Nos trechos adjacentes à linha da EFVM, esta seria remodelada com a colocação de um terceiro trilho. Para conseguir aprovação do Governo, Faqhar prometeu construir uma moderna usina siderúrgica às margens da nova ferrovia.

Em 29 de maio de 1920, um contrato assinado pelo Governo Federal e a Itabira Iron garantia a realização dos projetos de Faqhar. Surpreendido pela publicação do contrato no Diário Oficial sem que fosse consultado previamente, o Governo de Minas desencadeou uma batalha judicial que prosseguiu pelos anos seguintes e resultou num novo contrato em 1928. A passos lentos a ferrovia chegou a Desembargador Drumond, em 1932, com 562 km de linhas e 43 estações. Deveria prosseguir até Itabira, mas foi embargada pelo Governo, pois o contrato assinado em 1928 estava vencido. Até então a EFVM tirava seus rendimentos apenas do transporte de passageiros e de pequenas cargas.

Entre 1931 e 1935, o Governo Federal dedicou-se a estudar a revisão do contrato da Itabira Iron, com interrupções provocadas pela Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo, e pelos trabalhos da Assembléia Constituinte de 1933 e 1934. Finalmente, em 1935, a revisão do contrato foi encaminhada ao Congresso Nacional para aprovação. O novo projeto, entretanto, mantinha as principais características do contrato de 1928 e foi vigorosamente combatido pelos nacionalistas mais exaltados e pelos grupos empresariais que se achavam prejudicados com os privilégios, segundo eles, concedidos a Faqhar. O projeto da Itabira Iron permaneceu nas gavetas do Congresso durante todo o ano de 1936. No ano seguinte, o advento do Estado Novo tumultuaria ainda mais o desenrolar dos acontecimentos. A Constituição outorgada proibia a exploração e o aproveitamento de jazidas minerais brasileiras por empresas estrangeiras, reservando a concessão para empresas constituídas por maioria de acionistas brasileiros. O destino da Itabira Iron estava selado: seu contrato foi considerado nulo em 11 de agosto de 1939.

Mais uma vez, Faqhar mostrou o seu inegável talento financista. Em conjunto com um grupo de empresários e banqueiros brasileiros, e dentro das leis vigentes, ele fundou em 7 de agosto de 1939 a CBMS - Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia, que incorporava como principal patrimônio a EFVM, e da qual, sem muito alarde, ele detinha 47% das ações. Discretamente, também, o Governo brasileiro mantinha negociações sigilosas com os Estados Unidos para convencer o Eximbank a financiar a encampação da EFVM e o seu aparelhamento para o transporte de minério de ferro.

A eclosão da Segunda Guerra Mundial aumentou a demanda pelo minério de ferro e isso permitiu que a CBMS desse início às explorações das jazidas do Pico do Cauê, em Itabira, no início de 1940. Depois de 40 anos, finalmente, o primeiro trem de minério chegou festivamente a Pedro Nolasco, no dia 12 de maio de 1940. No porto de Vitória, entre 2 e 9 de julho, o minério foi embarcado para os Estados Unidos no navio finlandês Modesta.

Como a ferrovia não chegava ainda até Itabira, o minério era transportado de caminhão, por uma estrada precária de cerca de 40 km, até Drumond. Depois de uma viagem de contratempos e imprevistos, o minério de ferro era levado para Vitória e dali até o cais comercial, do outro lado da bacia, onde era embarcado manualmente. Um trabalho digno de Hércules.

A Estrada de Ferro Vitória a Minas cumprira, com marchas e contramarchas, sua missão desbravadora. Antes que ela chegasse à região da bacia do Rio Doce, outra ferrovia, a Estrada de Ferro Leopoldina, vinda pelo sul, chegara à Zona da Mata, dentro da bacia, ainda no final do século XIX. Entretanto, o projeto de levá-la até a calha do Rio Doce nunca foi concretizado. Outras estradas de ferro jamais saíram do papel ou mal avançaram além do inicio da implantação, como a Santa Bárbara-Itapemerim e Colatina-São Mateus.

Não foi o Rio Doce o caminho fluvial que os antigos sonharam como propulsor do desenvolvimento e progresso da vasta região da sua bacia. Mas foi o guia, a trilha, a vereda: bem a seu lado, sobre os trilhos, costeando suas margens, corria agora um veículo de insofismável progresso que, aos poucos, teria papel fundamental na povoação e economia de uma bela e fértil região.

No dia 1º de junho de 1942, o presidente Getúlio Vargas expediu o Decreto-lei 4.352, criando a Companhia Vale do Rio Doce. O Vale do Rio Doce encontrara afinal as condições para cumprir o seu destino e integrar-se ao desenvolvimento do País.

 

Fonte: O Vale do Rio Doce, CVRD, 2002

Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2016

Concepção, pesquisa e coordenação/Conaption, research and coorelination

Romeu do Nascimento Teixeira

Texto/text

Jota. Dangelo

Pesquisa bibliográfica e iconográfica/ Bibliographical and iconographic research

Henrique Lobo

Edgar. N. Teixeira

Miriam Prado T. de Oliveira

Elias Botelho Coelho Dos Santos

Produção, projeto gráfico e diagramação/Proarzection, graphic desegn and layout

Ampersand Comunicação Gráfica

Reproduções forográficas/ Photogrertphic reproductions

Zela Guimarães

Aquarelas/Watercolors

Nona Salmen

Copydesk/Copydesk

Marilia Pessoa

Revisão/Revised by

Tereza da Rocha

Versão em Inglês/translated to English by

Patrick James David Gardner Finn

Anne Marie Zemgulis

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