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Tropas e Tropeiros no Espírito Santo

Tropeiro - Ilustração

O escritor Ormando Morais, não pretendendo se fazer de compilador erudito, conforme diria o prof. Roquete Pinto, projeta uma vocação de repórter que o conduz a enfeixar no livro recém editado, “Por Serras e Vales do Espírito Santo – A Epopeia das Tropas e dos Tropeiros”, aspectos pitorescos da evolução dos nossos meios de comunicações e transportes desde tempos recuados.

Tema cativante, poético, mesmo, para estudiosos ou leitores amantes das descrições dos viajantes estrangeiros ou nacionais que percorreram o interior do país em lombo de burro. Temo magistralmente enfocado por José Alípio Goulart no livro, “Tropas e Tropeiros na Formação do Brasil”, cuja leitura deleitou-se na época de seu lançamento, em 61, graças ao presente de um cunhado, com a seguinte dedicatória: “Ao Levy – para amortecer Brasília – com o abraço natalino do Newton Braga”.

Merece aqui recordar Maximiliano, o Príncipe de Wied e Neuwied, em sua famosa excursão cientifica, com a tropa de burros, varando de sul a norte todo o território da província capixaba, documentando a viagem (1815-1817), com estudos da flora, fauna, geográficos, linguísticos, e com desenhos de próprio punho. Viagem registrada nos anais como uma das mais antigas, foi, indiscutivelmente, a mais notável da nossa história.

Outra lembrança merecida, a construção da Estrada S. Pedro do Alcântara, ou Estrada do Rubim, ligando o Espírito Santo a Minas, iniciada em abril de 1814, pelo Coronel Inácio Pereira Duarte Carneiro, com expressas recomendações do Governador. “Que concluída essa se estabeleçam quartéis de 3 em 3 léguas em ambas as províncias donde devem estar aquelas praças que forem postas para auxiliar aos tropeiros e viandantes até o seguinte quartel... Que os soldados sejam obrigados a fazer roça, por ser útil, não só por economia, como por acharem os tropeiros e negociantes os precisos mantimentos, pagando estes a despesa ao respectivo comandante”.

Cortando região montanhosa de difícil acesso, a estrada em 1841, já estava no abandono, cerrada de mato, intransitável. As tropas carregadas, transpondo o caminho de bugre, gastavam 15 dias de viagem.

Essa região confrontante das nossas divisas, onde em 1806, segundo observação do Dr. Diogo Pereira Ribeiro de Vasconcelos, “medeiam sertões impenetráveis de matas virgens” era tão desconhecida, tão inexplorada, que os historiógrafos, Cândido Mendes em 68, e Cesar Marques em 78, davam o rio Jequitibá que deságua no rio Manhuassu como afluente do rio José Pedro, e se orientavam por mapas que figuravam a serra inexistente do Espigão conforme fez notar o ex-presidente do Estado, Bernardino Monteiro.

O tenente-coronel Duarte Carneiro informava que no ano de 1820 desceram por essa estrada 100 cabeças de gado vacum “que foram cortadas no açougue público”, e em setembro do ano seguinte, desceu pela mesma uma pequena tropa a buscar sal; achavam-se duas boiadas prontas no 1º arraial de Minas para virem à província. Eram, igualmente, tropas carregadas de gêneros de país para permutarem mercadorias na vila da Vitória.

Não obstante as perspectivas do anúncio, 1828, segundo o presidente da província, Inácio Acioli de Vasconcelos – compulsado pelo cronista – não havia em todo nosso território capixaba mais do que 100 muares sendo somente a metade empregada nos transportes.

Recordando os muares e as tropas em Cachoeiro de Itapemirim, nas décadas de 20 e 30, Ormando Moraes sublinha que na entrada da cidade, era retirado da mula-guia da tropa o peitoral com cincerros por exigências de alguma postura municipal. Conjecturemos que a proibição teria sido inspirada em idênticas razões da proibição do carro de boi cantante que em São Paulo aconteceu em 1852, por iniciativa do Brigadeiro Machado de Oliveira, ilustre figura que viera presidir nossa província capixaba em 1840.

Reminiscência saudosa, a do poeta cachoeirense, João Mota, o qual em 1910 proclamava que a principal rua da sua terra natal era quase uma estrada de rodagem “por onde passavam as grandes tropas enfeitadas de baeta vermelha aos estridulares dos cincerros por entre a raivosa gíria tropeirada”.

A tropa constituída ordinariamente de 10 burros de carga, levava a caixa de cozinha com tripé, coador, bule, pratos, talheres, feijão, toucinho e lombo de porco, arroz, carne-seca, sal, farinha de mandioca, fumo de rolo, cachaça para uso moderado, alho e pimenta.

O tropeiro de antigamente, segundo notas colhidas no jornal “O Cachoeirano” de 1896, ainda não estava familiarizado com o seu coador. No pouso, madrugadinha, ao cantar dos galos, “levantava-se do couro que lhe servia de leito e ia com o ancorote tomar água na fonte vizinha. Fazia o café que consistia em ferver o pó em uma chocolateira, lançar dentro da vasilha alguns carvões em brasa e um pouco d’água fria que faz separar o pó da água que o tropeiro bebe em uma cuia de chifre. “...Come seu feijão com torresmo, veste a camisola de algodão, ata à cabeça um lenço de chita. Animais ‘equipados’, solta o 1º burro de guia, depois o imediato, e assim por diante, até o culateiro (último).”

Bem posta a missão dos tropeiros os quais além das cargas habituais, serviam de carteiros, levavam pequenas encomendas, remédios, valores, e supriam a falta de bancos.

Num ensaio biográfico editado em 1957, sobre o poeta Casemiro de Abreu, Nilo Bruzzi enfatizou o trabalho de caixeiro-viajante, ou cometa, que saía do Rio em lombo de burro, com canastras de couro recheadas de amostras de tecidos, carregados pela tropa, em regra, magnífica. Burros e bestas lindos, fortes, bem tratados. Sete para as canastras que iam às cangalhas, duas para cada burro, dois animais para os trens de cozinha, dois ou três para sua montaria, dois para o arrieiro, e dois para o cozinheiro. “Levavam as roupas do caixeiro-viajante, cortes de vestido, vidros de perfume, livros, e outras bugigangas para presentes aos fregueses, suas esposas e filhas, e as namoradas... Eram moços bem escolhidos pelas casas comerciais: sadios, insinuantes, alegres, bem falantes. Promoviam-se festas e bailes nas cidades irradiando simpatia. Entrosavam-se muito bem com os caixeiros que ficavam no Rio, e quando lá regressavam, participavam dos grêmios literários e das alegres tertúlias. Muitos escreviam versos, crônicas, contos. No jornalzinho da classe, numerosa, unida e boa. O Acajá, cujo 1º número saiu, no Rio, a 15 de novembro de 1890, foi pranteado o passamento de Casimiro de Abreu. “Rendiam um tributo de veneração ao cultor das letras que também pertencera à corporação comercial”.

Escreve Nilo Bruzzi que os caixeiros-viajantes lotaram a canastra de presentes com exemplares do Primaveras e esgotaram o estoque do livro na livraria de Paula Brito. E, sublinha: “Foi um derrame silencioso e amplo do livro pelo país inteiro”.

Sou informado por Ormando Moraes que seu livro está tendo boa saída em Vitória. Recordamos os tempos de mocidade e coleguismo no magistério do Liceu “Muniz Freire de Cachoeiro de Itapemirim”. Companheiros de sonhos literários, escrevíamos e colaborávamos nos jornaizinhos e revistas da cidade.

Não foi lembrada ao vitorioso escritor a minha experiência, depois, como caixeiro-viajante, entregador de caixinhas de amostras de remédios, uma experiência que me proporcionou avionar nos “Constellations” pelos quadrantes do Brasil, multiplicando amizades, colhendo vivências, ampliando as fronteiras do meu capixabismo.

Em paráfrase ao nosso mestre comum de jornalismo, Newton Braga: parabéns “ao repórter Ormando”, pela matéria quentinha do seu livro que se constituiu documentário de história.

 

Fonte: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. N 39, ano 1989
Autor: Levy Rocha
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2012 

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