Os Tropeiros - Por Ormando Moraes
Enquanto as tropas tinham como objetivo único o transporte de cargas de toda a natureza do interior para os centros comerciais e destes para o interior, os tropeiros (nessa denominação genérica incluindo os arrieiros), além de sua função principal, que era também o transporte, executavam várias outras tarefas de interesse para as populações a que estavam ligados, ou por onde passavam. Eles atendiam a toda sorte de encomendas dos conhecidos e amigos, faziam compras, inclusive de medicamentos, transportavam numerário e valores, porque não havia bancos no interior, levavam cartas e recados, carregavam malas de correio e traziam as notícias mais fresquinhas dos lugares por onde passavam, inclusive das cotações do café e de outros produtos na Capital, tudo sem cobrar qualquer taxa ou comissão, com uma seriedade irrepreensível, daí a confiança de que desfrutavam.
A chegada dos tropeiros aos pontos de parada, era uma festa para os moradores das imediações. Nos ranchos, o fogo estava sempre acesso e, pendurada na trempe, a chaleira com água fervente para o café que era oferecido aos que apareciam para conversar. Nessas ocasiões também se bebia muita cachaça, que os tropeiros carregavam no burro de cozinha. Mas a conversa não podia se estender muito, porque o tropeiro tinha necessidade de dormir cedo, para se levantar de madrugada e seguir com sua tropa. Entretanto, quando a chuva se prolongava por muitos dias, impedindo a continuação da viagem, ou em datas especiais em que o proprietário admitia uma folga, então se improvisava um "arrasta-pé"; mesmo no rancho, ao som e sanfona ou da viola e da cantoria em quadrinhas singelas como esta:
Eu tava cherando um cravo
Que uma morena me deu,
Já ia tomando o chero,
Quando a peroba desceu...
E o coro entoava:
Já ia tomando o chero
Quando a peroba desceu...
Ou esta:
A cana verde no má
Anda a roda do vapô,
Q'inda tá para nascê
Quem vai sê o meu amô...
E o coro repetia:
Q'inda tá para nascê
Quem vai sê o meu amô...
O ambiente nos ranchos era geralmente muito alegre, não só pelas visitas freqüentes dos vizinhos, mas também porque se juntavam nesses locais os arrieiros e tropeiros de 10, 12 tropas ao mesmo tempo. Nessas ocasiões, eles gostavam muito de fazer negócios entre si, de compra e venda de animais, arreios e apetrechos e de barganhas e mantinham a tradição de que não era ilícito dar uma "manta" no adversário. Entretanto, feito o negócio, ninguém podia voltar atrás, sob pena de punição pela comunidade, isolamento e impedimento para novos negócios.
Além desse comércio, eles gostavam também de fazer apostas do tipo de qual tropa conseguiria vencer mais depressa um trecho de caminho íngreme e irregular, qual o tropeiro que carregaria mais rapidamente um lote de 10 animais e nisso José Pretinho era campeão em Santa Leopoldina, pois conseguia fazê-lo em menos de 2 horas. Outra aposta citada por Avelino Perim, mais conhecido como Cebola de Castelo, era a de levantar com um braço uma caixa de cerveja de 50 garrafas, 75 quilos, e bater no fundo com a mão oposta. Quem conseguisse quebrar uma garrafa, tinha direito de beber o líquido sem nada pagar.
Regra geral, o tropeiro era um homem rude e forte que não conhecia a palavra medo em sua faina diária, enfrentando péssimos caminhos cheios de buracos, ou simples picadas de um metro de largura nas matas, precipícios e pirambeiras nas serras, caminhos que melhoravam um pouco apenas nas pastarias e capoeiras. O tropeiro propriamente dito, aquele que tocava os burros, a pé, tinha que ser um verdadeiro atleta, para suportar caminhadas diárias aceleradas de 15, 20 ou mais quilômetros e ainda 3 a 4 horas de serviços no ponto de partida, nos pousos ou no local do destino, carregando e descarregando as tropas e tratando dos animais. Não é exagero: o tropeiro, que era geralmente negro ou da raça negra, trabalhava mais que o próprio burro.
A classe era muito unida e ninguém se atrevia a penetrar em seu meio, a não ser com a devida permissão. O tropeiro andava sempre muito bem armado com revólver Smith 38, garrucha 44 e até carabina, além de facas e facões, cuja principal serventia era abrir picadas ou cortar couros. Tinha carta branca para viajar e nem a polícia se metia com eles. Além disso, as tropas caminhavam a pouca distância umas das outras; como se fossem comboios, e todos estavam juntos nos pontos de pouso, de sorte que não se registravam casos de assaltos às tropas, como ocorre hoje com os caminhões que percorrem as estradas asfaltadas.
Fonte: Por Serras e Vales do Espírito Santo – A epopéia das Tropas e dos Tropeiros, 1989
Autor: Ormando Moraes
Acervo: Edward Athayde D’ Alcantara
Compilação: Walter de Aguiar Filho, abril/2016
Não havia outra alternativa senão o uso de burros e bestas, agora de forma organizada e metódica, com características de empresa
Ver ArtigoEntretanto, burros, mulas e bestas foram presença importante em nossa ilha para serviços nas antigas fazendas de Jucutuquara, Maruípe e Santo Antônio
Ver ArtigoEntão, o que se viu, atravessando serras e vales, foi a epopéia das tropas e dos tropeiros transportando a produção do Espírito Santo, especialmente o café
Ver ArtigoO muar seria o ideal para essa tarefa e desde 1764 a Coroa havia autorizado sua criação dentro do "continente do Estado do Brasil", mas o Conde da Cunha, não a transmitiu aos governadores de São Paulo e das Minas Gerais
Ver ArtigoSeja burro, mula ou besta, os muares sempre foram e ainda são de extrema utilidade ao homem, para o transporte da carga em larga escala, agrupados nas tropas, para puxar carroças nas áreas urbanas mais modestas
Ver ArtigoEm Muniz Freire, Estado do Espírito Santo, as tropas são, ainda hoje (escrevo em 1957), muito usadas
Ver ArtigoO poeta Casemiro de Abreu, Nilo Bruzzi enfatizou o trabalho de caixeiro-viajante, ou cometa, que saía do Rio em lombo de burro, com canastras de couro recheadas de amostras de tecidos
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Ver ArtigoParticipar da Festa do tropeiro em Ibatiba é reviver a história, é dar valor a um legado precioso da gente do Espírito Santo, da nossa gente
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