Turismo, cultura, cinema e bons negócios - Luiz Tadeu Teixeira
Há um argumento bastante utilizado para vender o Turismo no ES que merece considerações: a proximidade entre mar e montanha. Pode ser válido, mas é bom levar em conta que existem outras opções com o mesmo apelo além de nossas divisas. E o caso de Angra dos Reis; com suas 365 ilhas, praias lindas, enseadas paradisíacas e a Serra da Bocaina desabando no mar. Há também Búzios, Paraty, o litoral paulista, o catarinense... Não se pode esquecer que a Serra do Mar se estende por uma vasta faixa próxima do litoral sul brasileiro.
Se a questão é buscar uma identidade para vender o turismo no Espírito Santo esse gancho pode não funcionar. Até o Ceará tem uma região de montanhas, belíssima, relativamente perto do mar. Esperar que os turistas venham ao Espírito Santo atraídos apenas pela nossa culinária também pode não dar resultados. Por mais que as delícias da moqueca sejam indiscutíveis, existem pratos saborosíssimos em várias regiões do Brasil. E se a questão for apenas, comer bem, o caminho deve ser São Paulo, onde existem points culinários de quase todos os cantos do Brasil e do mundo. Com o nosso artesanato acontece a mesma coisa: ninguém vem ao ES apenas para comprar panelas de barro, como não vai a Pernambuco só para trazer os bonecos de barro de Mestre Vitalino ou ao Pará por causa da cerâmica marajoara.
Mas, então, o que pode atrair os turistas ao Espírito Santo? Tudo isso junto e mais algumas coisas que fazem a nossa... cultura. O problema é que ainda não há investimentos na área capazes de dar-lhe a devida importância. Quando viajam, as pessoas querem fugir da rotina em locais aprazíveis, comer bem e ter o que fazer quando não estão na praia ou tomando banho de cachoeira. E se São Pedro não colaborar e o tempo permanecer fechado por alguns dias?
É fácil perceber o quanto a cultura é importante quando se analisa os principais destinos turísticos do mundo. As pessoas vão (e continuam indo) a Nova Iorque, mesmo depois do ataque às torres do World Trade Center, principalmente por causa dos shows da Broadway e da vida noturna em Manhattan, dos museus e outras atrações culturais. É claro que, como em todo lugar, também vão aos restaurantes e fazem compras (neste caso fica mais em conta ir para Miami), mas querem ir ao Lincoln Center, ao, Metropolitan, ao MoMa... Enfim, querem consumir cultura. Em Londres é a mesma coisa; em Paris, também. Neste caso, há os que pensam que a capital francesa é conhecida como "Cidade Luz" somente "por causa de sua iluminação pública extraordinária". Engano. Esta marca existe muito antes da invenção da energia elétrica e é atribuída ao fato de Paris ser berço do Iluminismo, filosofia que floresceu no século XVII e que se opôs ao obscurantismo herdado da Idade Média. Isto é cultura.
No Brasil, os exemplos mais evidentes são a Bahia e o Rio de Janeiro, que tem em Jorge Amado, Dorival Caymmi, Caetano Veloso e Tom Jobim os Principais arautos de seus encantos; também mostrados em filmes exibidos e reverenciados por todo o mundo. A música, o cinema, a literatura, as festas e, mais recentemente, as telenovelas se tornaram eficientes cartões-postais dos principais destinos brasileiros, assim como acontece em outras partes do mundo. Basta constatar que apesar de toda a violência e das praias poluídas, o Rio de Janeiro mantém um poder de atração incontestável, com bom índice de ocupação em seus hotéis turísticos mesmo fora da temporada. Como explicar este fenômeno como todo estigma da violência que se abateu sobre Cidade Maravilhosa? É certo que o Rio tem a beleza natural incontestável que Deus lhe deu, mas também tem um charme que os seus artistas ajudaram a tornar incomparável. O samba, a bossa nova, o Carnaval e até mesmo e jeito descontraído e bem-humorado de sua gente são marcas culturais cariocas que a música, o cinema, a televisão (antes o rádio), a literatura ajudaram a difundir pelo mundo.
A Embratur realiza com freqüência pesquisas entre os turistas internacionais que chegam ao Brasil e sempre em primeiro lugar o que os atrai é justamente a cultura, nela englobadas as festas populares (com destaque para o Carnaval e o Ciclo Nordestino), a música, a alegria do povo.
Em segundo lugar vem a ecologia (destacando o Pantanal e a Amazônia).
As praias vêm depois, com um reforço considerável da "beleza da mulher brasileira". Quando querem apenas uma praia paradisíaca, os gringos vão para o Caribe, para o Mediterrâneo, para a Austrália, para as ilhas gregas. São locais onde podem desfrutar de excelente infra-estrutura, hotéis luxuosíssimos, cassinos, shows permanentes... sem as mazelas do Terceiro Mundo, tipo violência e praias poluídas. Outra constatação: houve um enorme aumento do número de turistas russos no Ceará após a exibição da telenovela Tropicaliente no leste europeu.
O Espírito Santo sofre com a divulgação constante de episódios considerados negativos à sua imagem na mídia nacional. Os crimes violentos e os escândalos de corrupção, dentre outros fatos desagradáveis, estão sempre na mídia... Esse noticiário, na maioria das vezes, ocorre espontaneamente e não há como detê-lo. O problema é que os fatos negativos ficam na memória por muitos anos. Basta lembrar do caso Aracelli, que virou livro e até peça de teatro, exibida em temporada em São Paulo e no Rio. O episódio aconteceu há quase 30 anos e até hoje pessoas de fora do Espírito Santo perguntam "no que deu o Caso Araceili?"
Aos fatos negativos, que acontecem em todos os lugares e não apenas no Espírito Santo, é preciso contrapor as coisas positivas, valorizá-las para que também cheguem espontaneamente à mídia. Para isso todos devem se mobilizar. Eventos são importantes, sim. E não apenas aqueles de apelo comercial imediato è que muitas vezes não expressam a nossa cultura. Arte, ciência, esportes e lazer formam um quarteto, respeitável. Festivais de música, cinema e teatro; salões e bienais; exibições ou, competições esportivas com nomes de projeção, nacional e internacional com certeza atraem as atenções de todos. Trabalhar esta estratégia exige recursos, mas provavelmente haverá maior retorno que publicar um anúncio numa revista de circulação nacional (que também custa dinheiro) mostrando o Convento da Penha ou uma panela de barro recheada com moqueca. Um bom gancho para vender, o turismo capixaba talvez seja: "Conheça o Brasil, venha para o Espírito Santo." Para explicá-lo, basta entender que aqui se pode encontrar um pouco de tudo o que o Brasil oferece. Somos a síntese deste país.
Taí um bom slogan: "Espírito Santo, a síntese do Brasil".
Geograficamente, temos praias maravilhosas, uma região de montanhas majestosa, ricos manguezais reserva de Mata Atlântica ainda preservadas, dunas, lagos... Etnicamente, existe forte presença de índios, negros e europeus (incluindo italianos e alemães) na nossa formação gerando festas populares de conteúdo cultural e humano. No artesanato, não existe apenas a panela de barro, mas também o artesanato de conchas Piúma, que tem excelente aceitação no exterior, dentre outras atrações.
O Espírito Santo talvez ofereça a mais rica contribuição musical ao universo sonoro brasileiro, que pode ir da chamada música erudita ao metal, passando pelo samba, pela bossa nova, pelo jazz, pelo reggae, pelo pop... Sem bairrismo: neste Estado, existem manifestações artísticas dignas em todas as áreas. Falta valorizá-las; primeiramente pelos próprios capixabas; depois, quem vem de fora saberá reconhecê-las naturalmente. Antes de se tornar um produto de exportação, a axé music foi (e é) um estrondoso sucesso na Bahia.
A cultura pode se transformar em trunfo para vender o turismo no Espírito Santo. E como veículo de expressão artística e cultural nada se compara ao cinema. Nele se fundem imagem e som integrados com outras artes. A literatura e a dramaturgia, a música, a arquitetura, o vestuário, a geografia, a história, o folclore, os mitos e as lendas, a culinária, o perfil étnico, o jeito de ser, o modo de falar...
O cinema é capaz de juntar todos estes itens que compõem a nossa tão desconhecida identidade num produto só e difundi-lo pelo mundo.
Um pequeno curta metragem de qualidade que é exibido (em festivais ou não) nos cinemas do Brasil e do exterior, visto em rede nacional por um canal aberto e pela TV a cabo ou distribuído em videohome ou CD-ROM ou ainda veiculado pela Internet torna-se uma peça inestimável de divulgação do Espírito Santo, vendendo-o como destino turístico, fortalecendo a sua imagem perante a opinião pública e, principalmente, servindo como instrumento para a recuperação da auto-estima dos capixabas. E preciso que todos reconheçam isto e passem a encarar o cinema não apenas como "uma atividade diletante de alguns românticos", mas como um produto da indústria cultural capaz de gerar empregos e divisas para o Espírito Santo, contribuindo fortemente para o seu desenvolvimento e a difusão de uma imagem positiva de sua gente.
QUEM É
Luiz Tadeu Teixeira é jornalista e membro da Associação Brasileira de Documentaristas e Curtasmetragistas do ES (ABDEC/ES). Durante muitos anos trabalhou em jornais diários, sobretudo no jornal A Gazeta onde, dentre outras coisas, foi crítico de artes. Participou do livro Espírito Santo - Um Painel de Nossa História, organizado pelo historiador Gabriel Bittencourt, com texto sobre cinema. O livro refere-se a Seminário com mesmo título, realizado no Centro de Convenções de Vitória.
Fonte: Revista a’angaba, Ano I número 01 – setembro de 2008 Idéias e Cultura no Espírito Santo
Autor: Luiz Tadeu Teixeira
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2016
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