A insurreição do Queimado
Surpresa sobremodo desagradável foi a insurreição de negros escravos, que explodiu no distrito do Queimado em 1849.(35)
É verdade que, de há muito, se vinham formando numerosos quilombos nas brenhas próximas às fazendas e povoações.(36) Concorriam bastante para a formação daqueles ajuntamentos de escravos fugidos a deficiência de força pública(37) e a dificuldade que encontrava a administração provincial para organizar grupos de civis capazes de desbaratar os improvisados arraiais.(38) Contudo, na medida das possibilidades, o governo vinha oferecendo guerra sem quartel aos quilombolas.(39)
Queimado é um episódio da luta que os negros iniciaram no dia em que se viram cativos. Seu objetivo era a liberdade.
Organizada e deflagrada por três ou quatro escravos menos broncos, a insurreição foi facilmente subjugada devido à incapacidade e precipitação dos chefes. Conseguiram reunir mais de duzentos insurgentes armados. Teriam alcançado o dobro – de vez que os contingentes de S. Mateus, de Viana e parte do Queimado não chegaram ao ponto de concentração em tempo útil – se dispusessem de melhor organização. Faltando esta, foi tarefa simples para a força de linha – constituída de vinte soldados, sob o comando de um oficial – derrotar, logo no primeiro encontro, os bisonhos combatentes da liberdade.
Durou apenas dois dias a revolta. Seguiu-se-lhe a caça selvagem aos fugitivos, levada a efeito por impiedosos batedores de mato.
Os que escaparam à justiça sumária dos primeiros momentos foram – em número de trinta e oito – submetidos a júri, que absolveu seis, condenou cinco à pena máxima e os demais a açoites. Três daqueles cinco conseguiram evadir-se da prisão e os dois restantes foram supliciados na forca: Chico Prego, na Serra, e João da viúva Monteiro, no Queimado, “como exemplo a futuros cometimentos, visto serem estes os lugares onde cada um dos rebeldes gozava de maior influência”.(40)
A insurreição do Queimado sobressaltou a província. O presidente Antônio Joaquim de Siqueira, transmitindo ao visconde de Monte Alegre as primeiras notícias, fez alusão ao terror que se apoderara dos habitantes da Capital e lugares circunvizinhos, “máxime por verem a pequena e diminuta força de que o Governo pode dispor”, e pediu reforço em homens, armas e munições. (VII) Dias depois, dava entrada na baía da Vitória o Paquete do Sul,(41) barca a vapor da Marinha de Guerra, conduzindo um grupo de trinta e uma praças, comandadas por um oficial.
Figura no processo como instigador do movimento, e “único capaz de receber a imputação do crime”, o frade Gregório de Bene. (VIII) O padre João Clímaco de Alvarenga Rangel – advogado dos escravos insurretos – pediu ao júri sua absolvição, mas o Conselho de Sentença não via senão um grupo de negros insubordinados, que era preciso castigar para escarmento geral.
NOTAS
(35) - Justamente a dezenove de março, na hora em que era celebrada missa na capela erguida ali pelos seus habitantes, “excitados pelo fervor e piedade apostólica do missionário capuchinho frei Gregório Maria de Bene” (CÉSAR MARQUES, Dicion ES, 201).
Contestando o que César Marques escreveu sobre Queimado, AFONSO CLÁUDIO assim se expressou: “A igreja do Queimado não foi edificada pelos habitantes da freguesia; estes, quando muito, cooperaram. É também falsa a afirmativa que Gregório deixou a igreja pronta; até hoje (1884) – e isso é visível a quantos têm viajado por ali – a igreja de S. José não está inteiramente pronta” (Insurreição do Queimado, 64).
(36) - Em ofício de trinta de agosto de 1848, dirigido ao conselheiro José Pedro Dias de Carvalho, ministro do Império, o presidente Antônio Pereira Pinto referia-se ao grande número de quilombos da província e manifestava a inquietação que causavam aos capixabas.
– Falando perante a Assembléia Provincial, a onze de março de 1849, o presidente Joaquim de Siqueira assim se exprimia: “quilombos que formigam na Província e tanto concorrem para o definhamento da agricultura e desmoralização da escravatura” (Relatório do Presidente da Província do Espírito Santo o desembargador Antônio Joaquim de Siqueira na abertura da Assembléia Legislativa provincial no dia onze de março de 1849 – Vitória – Tipografia Capitaniense de P. A. de Azeredo – 1849).
(37) - “Uma das maiores dificuldades com que luta a presidência desta Província é a falta de recursos pecuniários e de força pública: com aqueles meios se fariam despesas que no futuro seriam assaz compensadas pelos maiores rendimentos e com estes se obrigaria os refratários a pagarem os direitos nacionais e se vedariam os contrabandos” (Ofício de vinte de outubro de 1848 do presidente Antônio Pereira Pinto ao ministro do Império – Ms pertencente ao vol. VII da coleção Presidentes do E. Santo).
(38) - Na Mensagem apresentada à Assembléia Provincial em 1840, o presidente João Lopes da Silva Coito informava ter armado “vinte e quatro homens para coadjuvar as autoridades policiais na captura dos criminosos, e para destruir quilombos”, concluindo, depois de algumas considerações sobre a matéria: “O governo sente um grande embaraço à falta de um homem hábil, e capaz para comandante; pondo de parte o perigo nos assaltos, e batidas dos quilombos, é a grande dificuldade fazer-se obedecer e conservar no meio dos matos a subordinação e certa disciplina entre homens sem educação, de ordinário de maus costumes, e que por uma pequena gratificação diária não duvidam expor suas vidas” (Fala que o exmo. presidente da Província do Espírito Santo dirigiu à Assembléia Legislativa Provincial no dia primeiro de abril de 1840. Rio de Janeiro, Tipografia Nacional, 1840).
(39) - O presidente Joaquim Marcelino, a dezessete de janeiro de 1843, comunicava ao ministro Araújo Viana ter sido batido e destroçado um quilombo de dezoito casas. Aprisionaram os que puderam e deixaram alguns negros mortos no campo da luta. “Na resistência que fizeram”, foram feridos dois paisanos e um soldado, porém sem grande gravidade (Pres ES, VII).
– Havia notícias, informava o presidente, da existência de outros quilombos.
– Os ofícios dos presidentes da província aos ministros do Império estão salpicados de referências a insurreições de escravos e a quilombos no território capixaba
(40) - AFONSO CLÁUDIO, Insurreição do Queimado, 46.
– Exceção feita dos documentos e obras citados, todas as informações sobre a rebelião que constam do texto foram colhidas na obra de AFONSO CLÁUDIO, para onde remetemos o leitor curioso de mais amplos detalhes.
(41) - Adquirida no próprio mês de março a Irineu Evangelista de Sousa, mais tarde barão e visconde de Mauá (MENDONÇA e VASCONCELOS, Repositório, 255).
VII - “Ontem pelas três horas à tarde soube que um grupo armado de trinta e tantos escravos perpetrara o crime de insurreição no distrito do Queimado, três a quatro léguas distante desta capital, invadindo a matriz na ocasião em que se celebrava a missa conventual e levantando os gritos de Viva a Liberdade, queremos carta de alforria. Este grupo seguiu depois a direção do engenho Fundão, de Paulo Coutinho de Mascarenhas, e aí obrigou-o a entregar-lhes os seus escravos e passar-lhes carta de liberdade, as armas e munição que possuía, o mesmo fez em outros engenhos de maneira que conseguiu elevar o seu número a cerca de trezentos. Imediatamente fiz partir para aquele lugar o chefe de Polícia acompanhado de uma força de vinte praças da Companhia Fixa de Caçadores, comandada por um oficial. Escusado é narrar a V. Excia. O susto e terror de que se acham apoderados os habitantes desta capital e lugares circunvizinhos e máxime por virem a pequena e diminuta força de que o governo pode dispor. A população da capital está animada do melhor espírito de ordem e não se esquiva a trabalho algum, contudo não posso deixar de requisitar a V. Excia. uma força pelo menos de cem praças de Infantaria ou caçadores de primeira linha do Exército e bem assim armamento, equipamento e munições de guerra com que eu possa acudir a alguns pontos da Província em que iguais acontecimentos hajam por infelicidade deste lugar, que é muito presumível, atento o estado da escravatura dela que é o mais altanado possível. O alcance que pode ter semelhante insurreição nesta Província e nas outras do Império, em que abunda a escravatura, V. Excia. bem o avalia e julgará portanto se deve ou não ver satisfeita a minha requisição. Agora, recebo o ofício datado de hoje do chefe de Polícia da Província de que cópia autêntica remeto a V. Excia. donde V. Excia. verá o ataque que teve lugar entre as forças do governo e parte dos negros insurgidos. Finalmente cumpre-me dizer a V. Excia. que não durmo sobre tão importante fato e sobre o estado da Província hoje tão melindroso e que faço quanto em minhas atribuições couber e minhas forças o permitirem para que a Província volte ao estado normal de quietação e paz. Vitória, vinte de março de 1849. Ao Visconde de Monte Alegre – Ministro de Estado dos Negócios do Império – Antônio Joaquim de Siqueira, presidente” (Pres. ES, VIII).
VIII - “Frei Gregório José Maria de Bene chegou ao Amazonas no momento em que se instalava a Província, criada em cinco de Setembro de 1850. Foi destacado para servir na Missão de Porto Alegre, no Madeira.
O primeiro presidente da Província, Tenreiro Aranha, nos seus planos de trabalho, inscrevera o do trato cordial com a multidão gentia, que formava o maior da população, principalmente no alto Rio Negro. Para lá expediu, então, frei Gregório, dando-lhe instruções e pedindo-lhe que o ajudasse a ‘carregar a pesada cruz’, como entendia que fosse o encargo da organização da Província que estava inaugurando.
Frei Gregório, que em ofício ao presidente se dizia em estado de pobreza, subiu o Rio. Sua ação devia irradiar-se de Moreira a Marabitanas e por toda extensão do Rio Uaupés. No cumprimento dela estabeleceu, como sede das missões, o lugar São Jerônimo, no Ipunoré, fundando, a seguir, outras aldeias no Mutum-cachoeira e no Caruru-cachoeira.
Desse lugar fez abrir uma estrada, ligando o Uaupés com o Içana. Em contato com os Piratapuio, Tucano, Beiju, Ananá, Cubeo, Itariana, Juruá, Dessana, Arapaçu, Banina, Cutia, Macu, Cucuani, estabeleceu trinta e três povoados. Em sua tarefa de tamanha magnitude, frei Gregório chocou-se com o diretor dos índios do Rio Negro, Jesuíno Cordeiro. Em todos os núcleos urbanos, montou capelas e igrejas, realizou milhares de casamentos.
Em 1854, deixando os serviços missionários, veio fixar-se em Manaus.
A correspondência que manteve com o governo provincial, sobre os seus trabalhos de catequese e civilização, guardam-se no Arquivo do Amazonas e em grande parte foram publicados na revista Arquivo do Amazonas. São interessantíssimos, preciosos” (Nota escrita especialmente para esta obra pelo historiador ARTUR CÉSAR FERREIRA REIS).
Fonte: História do Estado do Espírito Santo, 3ª edição, Vitória (APEES) - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo – Secretaria de Cultura, 2008
Autor: José Teixeira de Oliveira
Compilação: Walter Aguiar Filho, novembro/2017
Pero de Magalhães de Gândavo, autor da 1ª História do Brasil, em português, impressa em Lisboa, no ano de 1576
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