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Ano de 1826 e 1827 – Por Basílio Daemon

Ao chegar ao largo da Misericórdia foram cercadas as bocas das ruas da Assembleia, de Pedro Palácios, ladeira de Palácio, rua da Imprensa e ladeira da Misericórdia pelo batalhão dos henriques e marinheiros do brigue Ururau (foto ilustrativa)

1826. É nomeado por carta imperial de 16 de setembro deste ano ouvidor e corregedor da comarca o bacharel Joaquim Francisco de Borja Pereira, em substituição ao bacharel José Libânio de Souza, o qual só ocupou o lugar até fevereiro do ano seguinte.

Idem. Toma assento na Câmara Geral Legislativa, em sua 1ª legislatura, o bacharel José Bernardino Batista Pereira como deputado eleito por esta província; era natural de Campos dos Goitacases, que então fazia parte desta província. Também neste mesmo ano tomou assento no Senado o bacharel Francisco dos Santos Pinto, vindo este senador a falecer em 3 de abril de 1836.

Idem. É remetida neste ano ao governo geral a estatística do rendimento das câmaras municipais da província, sendo a desta capital 260$000 anuais, a de Nova Almeida 300$000, a de São Mateus 500$000, a do Espírito Santo 43$000, a de Guarapari 600$000, a de Benevente 400$000, a de Itapemirim 500$000. Também nesta ocasião foi remetida ao governo uma amostra do ouro das minas de Santana do Castelo, trazida pelo coronel Julião Fernandes Leão, que ali se achava, e que o obtivera pelas explorações ali feitas por alguns ingleses.

Idem. [no original, 1826] É nomeado a 6 de novembro deste ano Manoel de Salas Pavia Pacheco, escrivão deputado da Junta de Fazenda, empossando-se no lugar a 28 de abril de 1827. Era natural da Província Cisplatina, tendo posteriormente sido removido para o Rio Grande do Sul.

 

1827. Em princípios deste ano é nomeado o bacharel Carlos Ferreira da Silva para ouvidor e corregedor da comarca, pois que a 25 de maio já se achava em exercício do dito cargo e no de provedor da Fazenda, defuntos, ausentes, capelas e resíduos que por alvará de 28 de janeiro deste ano tinham sido anexos ao cargo de ouvidor.434

Idem. Falece neste ano no mês de fevereiro o físico-mor João Antônio Pientznauer, cirurgião de Linha e juiz ordinário. De gênio irascível e um tanto revolucionário, foi causa de muitos distúrbios havidos na província, nos quais esteve sempre envolvido, acusado, processado e condenado. Homem de algum talento, era no entanto de gênio colérico, a ponto de a própria família não o poder suportar, dizendo-se ter sido causa de sua primeira mulher haver-se precipitado do segundo andar da casa de sua moradia que era na rua Duque de Caxias entre as casas de n. 49 e 51. Suas filhas Gertrudes, Ana e Joaquina viram-se obrigadas a retirar de casa e ir morar com seus parentes. Uma delas era de beleza tão surpreendente, que em Campos, para onde foram, deram-lhe o nome de Estrela do Norte, e aqui, quando ia à missa na Igreja do Carmo, o povo a acompanhava para vê-la. Ali casou-se ela, e foi para sua casa que foi morar seu pai quando daqui teve de retirar-se no levante promovido pelo coronel Julião.

Idem. Aquilombando-se neste ano na então vila de São Mateus diversos escravos, em número maior de noventa, ameaçando invadir a mesma vila para o que faziam por unirem-se aos escravos das demais fazendas, fica atemorizada a população e reinando na vila grande perigo; oficia por isso a Câmara Municipal ao presidente da província, que logo deu enérgicas providências, fazendo marchar para ali um capitão da Tropa de Linha comandando 20 praças a prender e castigar os ditos escravos.

Idem. É passada neste ano provisão pela Mesa do Desembargo do Paço, concedendo terrenos aos povoadores do Rio Doce e Linhares e confirmando a criação da vila de Linhares, que já havia obtido a resolução a 11 de maio do ano antecedente.435

Idem. Tendo neste ano saído a procissão de Corpus Christi, em seu dia próprio, aconteceu que tendo chegado à baía desta capital o brigue de guerra Ururau se preparasse traiçoeiramente uma surpresa, e esta foi que, quando recolhia-se a dita procissão, que era acompanhada pelas irmandades, ordens terceiras, corpo de Milícia e povo, ao chegar ao largo da Misericórdia foram cercadas as bocas das ruas da Assembleia, de Pedro Palácios, ladeira de Palácio, rua da Imprensa e ladeira da Misericórdia pelo batalhão dos henriques e marinheiros do brigue Ururau, a mandado do então comandante de Armas Francisco Antônio de Paula Nogueira da Gama, procedendo-se depois a um rigoroso recrutamento na Milícia e povo, sendo agarrados pais e filhos, casados e solteiros, viúvos e aleijados, conduzindo-se-os para bordo do Ururau, pelo que teve de se lamentar não pequenas desgraças e infelicidades, atirando-se alguns indivíduos ao mar, sendo outros perseguidos; tornou-se a cidade em um clamor geral, vendo-se em alarido, choros e lamentações a percorrerem as ruas da capital mulheres desgrenhadas: umas mães outras esposas e outras irmãs daqueles que se achavam presos e que iam seguir para a República Argentina como soldados e marinheiros a sustentar a guerra que ali tínhamos. Algumas atiravam-se do cais ao mar, outras, ajoelhadas, oravam por eles, constando ter havido afogamentos; foi uma cena contristadora.436 Quanto à imagem de São Jorge que ia na procissão, foi abandonada e depois recolhida à cadeia, onde esteve por muitos anos sem a quererem dali tirar e só em 1863 é que foi conduzida à Capela Nacional a pedido do bacharel José Feliciano Horta de Araújo; não houve desde essa época nem mais saiu nesta capital a procissão de Corpus Christi. Destes recrutados, parte deles só aqui voltaram à custa de imensos sacrifícios de suas famílias, outros venderam os bens que possuíam para comprarem a baixa e muitos outros nunca mais voltaram à província. Ainda hoje, quando se fala nesse arbitrário ato, os velhos com horror descrevem as cenas contristadoras desse dia lúgubre, em que a cidade parecia estar sendo saqueada! É este fato uma nódoa indelével na vida do coronel José Francisco de Andrade e Almeida Monjardim, então comandante de milícias, que passou o comando ou deixou assumi-lo o comandante das armas, e assim viu sacrificadas muitas famílias, suas patrícias, não tendo força bastante para escusar aqueles que pela lei eram isentos do recrutamento.

Idem. É nomeado neste ano Francisco Antônio de Paula Nogueira da Gama comandante das armas, o qual tomou posse do cargo em março deste mesmo ano,437 exercendo o lugar durante dois anos e três meses.

434 Vasconcelos, Ensaio, p. 82.

435 “O interesse governamental por essa importante zona revela-se pela concessão em 1827, de uma légua em quadra para o patrimônio da Câmara Municipal de Linhares.” [Freire, Fatos da História, p. 2]

436 Ofício comunicativo do recrutamento feito pelo comandante das armas da província do Espírito Santo nos batalhões de milicianos e em paisanos, no dia de Corpus Christi, datado de 27 de junho de 1827 ao senhor conde de Lages pelo comandante das armas Francisco Antônio de Paula Nogueira da Gama.

 

Nota: 1ª edição do livro foi publicada em 1879
Fonte: Província do Espírito Santo - 2ª edição, SECULT/2010
Autor: Basílio Carvalho Daemon
Compilação: Walter de Aguiar Filho, outubro/2018

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