Cacau - Por Rubem Braga (Parte I)
No começo, era literatura. Um irmão do romancista Afrânio Peixoto, o Sr. Filogônio, veio da Bahia em 1916 com alguns trabalhadores baianos e sergipanos e fundou a “Maria Bonita”, a primeira grande fazenda de cacau do Espírito Santo. Mais tarde o próprio Afrânio teria aqui uma fazenda, a “Bugrinha”; e me dizem que ele gostava de vir ao Rio Doce especialmente nestes tempos de outubro, quando as grandes sapucaias iluminam o verde escuro da mata com suas folhas novas. (Carybé manda um recado para Burle Marx: é urgente plantar muitas sapucaias no Rio, inclusive nas matas e nos morros).
Hoje quem passa de avião pelo vale do baixo Rio Doce quase só vê matas e pensa que aqui não se planta nada. Acontece que nesta zona a totalidade dos cacauais é plantada na sombra. A floresta não é destruída: é “cabrocada”. Isso quer dizer que os cipós e as árvores menores são tirados, e mais ou menos um terço dos paus grandes é “roletado”, isto é, sua casca é cortada em volta do tronco, de maneira que tempos depois, quando o cacaueiro já está crescido, eles tombam. Depois é feito o balizamento e o plantio – 5 a 7 sementes em cada cova rasa, aberta a ponta do facão. A distância mais usada é de 4 a 4,40 metros; alguns pequenos plantadores plantam a uma distância de 3 metros e meio, porque assim o cacaual “fecha” logo, o que diminui o trabalho de limpa; mas a produção é menor.
Depois de 3 meses faz-se o “coroamento” (limpa em volta do pé) e a replanta. As mudas mais fracas são arrancadas, ficando duas ou três em cada cova. Depois de mais dois meses vem a “trilhação”, que é repetida duas vezes por ano, para o mato miúdo não abafar o cacau. No fim de 3 anos quando o cacaueiro começa a esgalhar, faz-se a “devassa”. A primeira é feita a foice cortando-se todos os arbustos e as árvores mais finas; até os 8 anos é preciso “devassar” duas vezes por ano, usando-se a “estrovenga” uma espécie de enxadão que tem gume nos três lados e que é manejado como um bastão de golfe. Também se faz o “desdobramento” com o facão. A essa altura o cacaueiro já está produzindo; diz-se que sua produção aumenta até os 25 anos e que só começa a decair depois dos 80... Nossos capitalistas urbanos que têm mania de aplicar dinheiro em bens imóveis não sabem que um cacaueiro é um bem imóvel dos mais rendosos e sólidos.
Meu amigo fazendeiro confessou-me que este ano vendeu muito cacau a 600 cruzeiros ou menos o saco de 60 quilos. Ultimamente estava com um bom estoque esperando para ver se o preço melhorava um pouco, e agora Vitória está pagando 921 cruzeiros o saco. A despesa de um saco de café daqui da plantação junto a Linhares até Vitória (transporte e imposto) é de 41 cruzeiros.
Nota-se que em Vitória não há bolsa de café, nem classificação, de maneira que seu preço deve ser dos mais baixos do mundo. O cacau está dando tanto dinheiro que alguns fazendeiros chegaram ao cúmulo de deixar por alguns dias Vitória, o Rio e Paris para dar um pulo até o Rio Doce e a visitar suas fazendas. Mas no meio disso há muita coisa errada e triste, e eu as contarei.
Novembro, 1953
Fonte: Crônicas do Espírito Santo,1984
Autor: RubemBraga
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2012
Obs.: Este livro foi doado à Casa da Memória de Vila Velha em abril de 1985 por Jonas Reis
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