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Cacau - Por Rubem Braga (Parte II)

A mulher trabalhando na

Estamos na floresta limpa, onde só ficaram as grandes árvores centenárias; em baixo há um bosque de cacaueiros, com suas lindas folhas. Novas, e já longas, elas são cor de vinho branco ou do “rosé d’Anjou”; depois se fazem verdes; quando o cacaual tem seus 12 a 15 anos ele “bate folha”, isto quer dizer: os galhos dos cacaueiros se encontra, o chão fica todo de folhas secas, não nasce mais nenhum mato. Então não há lavoura que dê menos trabalho no mundo, nem acredito que haja mais bela, na sua úmida sombra de catedral verde, onde os pássaros cantam e as orquídeas inventam fantasias de cores e desenhos.

Não vos mentirei. Há uma formiga preta grande que carrega as sementes plantadas; o grilo corta as mudinhas, a paca vem comer os frutos mais baixos, pica-pau, o macaco-da-noite, o rato cuíca também gostam de cacau. Não vos esconderei que a surucucu patioba pode cair em cima de vós do alto de uma palmeira e que, embora seja uma cobra verde, seu veneno é de morte; e que a surucucu pico-de-jaca também tem uma peçonha terrível e além disso costuma ter 2 metros e meio para cima, que sua cor de um amarelo sujo não é muito fácil descobrir entre as folhas secas do chão; que há muitos mosquitos e os mais variados insetos nos chateiam à noite, quando acendemos a luz. Há sobretudo mutucas.

Mas, pensando bem, esses perigos e aborrecimentos da roça são muito menores que os da cidade. Para o fazendeiro de cacau o maior perigo é a seca, e os incêndios que ela costuma trazer. Antigamente a desgraça era a maleita, mas hoje ela praticamente não existe, porque o SESP e o Serviço de Malária acabaram com ela.

As águas do Rio Doce, no tempo da cheia, invadem e adubam os cacauais por meio de valões naturais de metro e metro e meio de profundidade e às vezes quilômetros de comprimento. Quando ele baixa é fácil pescar sacos de traíra e morobá em pleno cacaual com uma redezinha ou com peneira. O trabalhador recebe atualmente, em média, o seguinte: 25 centavos por pé, na “trilhação”; 35 centavos por pé na “devassa” que é feita duas vezes por ano; e 5 centavos por pé para o “desbrotamento”, que é serviço leve. Por ocasião da colheita (parece que aqui se diz mais “colha”) o fazendeiro paga em média, 17 cruzeiros por caixa de 45 quilos de cacau mole posto no cocho da fazenda. Cada caixa dessas de 45 quilos dá pouco mais de uma arroba (uns 17 quilos) de cacau seco.

A colheita é feita pelos homens, que derrubam os frutos com um podão e debaixo de cada pé os juntam em pequenos montes  chamados “bandeiras”; depois essas bandeiras são reunidas em rumas. As mulheres então trabalham: a “quebradeira” partindo o belo fruto amarelo com um facão curto; a “tiradeira” separando as sementes, com o dedo indicador protegido por uma dedeira de pano. Tanto a casca e polpa do fruto como a “siriba” que une as sementes, e que é a parte gostosa de se comer, são, assim, devolvidas ao chão. O cacau é transportado para a fazenda por burros com caixas de madeira, ou zorras puxadas a boi. Todo esse trabalho, desde a apanha do fruto até a entrega do cacau na fazenda é que é pago a 17 cruzeiros, em média, a caixa de 45 quilos.

A paga nominal do trabalhador do cacau não é pequena em relação à de outros braçais. Sua vida, entretanto, é miserável, e outro dia eu explico por quê.

Novembro, 1953

 

Fonte: Crônicas do Espírito Santo,1984
Autor: Rubem Braga
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2012
Obs.: Este livro foi doado à Casa da Memória de Vila Velha em abril de 1985 por Jonas Reis

 

 

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