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Capixaba - Por Maria Stella de Novaes

Fonte: Lendas Capixabas, 1968

Uma lenda relacionada com a chegada rumorosa dos lusitanos à Capitania do Espírito Santo conta-nos que, entre os ádvenas, havia um jovem de cabelos dourados, olhos que refletiam a cor do céu, e porte airoso. Ombreava-se com a força dos guerreiros íncolas. E apaixonou-se pela princesa belíssima, destinada, segundo o código da tribo: — seria a esposa do mais valoroso combatente autóctone.

O amor, porém, se interpõe à decisão do pajé. À noite, quando Jaci inundava de luz as margens do Xapinhangas, vinha o homem louro carpir, ao rumor das águas, a saudade da pátria e dos seus ancestrais, ao passo que, à distância, através da folhagem, a princesa da selva contemplava, enlevada, sua estranha figura.

Foi-se, naturalmente, encurtando a distância, entre aqueles corações talhados para um futuro superior à dureza dos moldes da época e, certa vez, a carícia de um beijo despertou o notívago do seu melancólico cismar. Sim, os lábios virgens da linda princesa desvendaram-lhe a fonte da felicidade, no misterioso ermo do mundo, que se incorporava ao Poder da Coroa Portuguesa.

O Amor triunfou da Saudade! Amor silencioso e oculto, revelado, apenas e forçadamente, com o nascimento de uma criança de tez rosada e cabelos ondulados e louros, em contraste com os caracteres da sua tribo.

— Seria a encarnação de uma flor de ipê!

A ruminar essa interrogação, voltou-se o cacique para o conselho dos magos e, chamada à confissão, a transgressora dos preceitos superiores recebeu o veredicto cruel: — o repúdio à criança, filha do branco aventureiro. Seria sacrificada, a fim de que se afastasse, da tribo, o furioso castigo de Tupã!

Confrangeu-se o coração materno! Resolveu a princesa fugir com a filhinha, cada dia, mais encantadora e bela! Vence a mataria do Continente, guiada pelas cintilações dos pirilampos, até que, numa praia, encontra uma piroga abandonada pelos sequazes do pajé inclemente, que perfuraram de lanças o corpo forte do seu amado, o jovem colono! ...

Alucinada pela dor e pelas decisões dos seus chefes, a índia embarca. Depõe a filha num berço de folhagem, e rema... rema... vertiginosamente! Domina a fúria das ondas, até alcançar a Ilha figurada aos aborígines, como envolta no mistério do isolamento.

— Por que Tupã a destacara das suas terras? Cercara-a de água?

Aporta a índia intrépida numa laje fronteira ao Penedo. Dificilmente, caminha uns metros, para cair exausta! Aconchega a filhinha ao calor do seu corpo arquejante e adormece, à vigilância de Iara, que entoa mavioso canto de aviso ao Curupira e ao Saci, para que afastassem, para longe, os maldosos anhangás e os pios do urutau, enquanto não raiasse a aurora e o Sol derramasse, na Terra, a força reconfortante do seu calor.

Aos gorjeios dos pássaros, que saudavam os esplendores da manhã, despertaram famintas, aquelas duas criaturas marcadas pelas conseqüências da civilização. Ignoravam, porém, que, às súplicas de Rudá, havia Tupã concedido ao seu pranto o dom de adubar a terra circunvizinha, coberta, já, de lindo verdor. Na folhagem, quase rasteira, o orvalho assemelhava-se às lágrimas vertidas, à noite, pelos seus olhos macerados, no sofrimento!

Continuou, porém, o milagre do Amor: — À medida que a princesa deserdada contemplava aquele tapete esmeraldino, repontavam hastes finas e fortes, encimadas de espigas ornadas de borlas douradas. Pareciam feitas dos cabelos sedosos e louros de sua filha. Estavam recobertas de grãos coloridos, com o tom moreno da sua própria tez!

Surgiu, assim, na terra dos goitacás, uma roça de milho, — CAPIXABA, a fim de que a primeira mameluca tivesse alimento, crescesse ao abrigo das privações e do castigo, e pudesse contar aos seus descendentes a origem do topônimo, que se estenderia a todos os recantos da terra espírito-santense:

TERRA CAPIXABA!

 

Fonte: Lendas Capixabas, 1968
Autora: Maria Stella de Novaes
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2015

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