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Comercinho

Mucurici - ES

Se eu fosse mesmo fazer um guia turístico do Espírito Santo (já não sei que tipo de livro vou escrever) eu teria que aconselhar os senhores turistas que viajam de Palha para Comercinho a levar no carro um machado e se possível um guindaste. A estrada não é de todo má, mas é tão nova como as duas localidades que está ligando, e foi aberta em plena mata. Para alargá-la um pouco, os trabalhadores costumam por fogo na floresta, pois a derrubada só a machado seria excessivamente penosa. Nossa viagem ao anoitecer é perigosa, porque de vez em quando uma grande árvore tomba na estrada. Tivemos sorte de só encontrar galhos fáceis de retirar do caminho e viajamos todo o tempo na expectativa de esbarrar num grande tronco atravessado que nos obrigasse a voltar. Tem uma beleza bárbara, esse caminho que seguimos no seio da mata, entre colunas de fogo.

Comercinho, plantado no alto de uma colina, ainda não tem energia elétrica, e a pequena rua principal está completamente escura. Comemos entre soldados, numa pensão sórdida, à luz de lampião, mas a carne seca e o feijão não estão ruins. Como viajamos desde a madrugada, estamos cansados e não teremos dificuldades em dormir; isso é bom porque parece que devemos nos amontoar de qualquer jeito em um quarto da pensão. Mas o prefeito de Conceição da Barra acaba arranjando pousada para nós em casa de um baiano seu amigo.

Comercinho tem 300 casas; dizem que foi fundado por caboclos baianos que vinham em cata de poaia (pecacuanha); hoje é lugar de lavoura e criação, e cresce continuamente. Aqui, como em outros povoados da zona litigiosa, a situação oscila continuamente entre o dramático e o ridículo; o lugarejo é policiado por um destacamento mineiro, comandado por primeiro-sargento e por um destacamento capixaba, comandado por um tenente. A cidade mineira mais próxima é Nanuque, mas para atingi-la os soldados mineiros têm que dar uma volta por território dominado pelos capixabas. Dentro de algum tempo, porém, poderão ir diretamente a Nanuque, pois a companhia  madeireira Brasil-Holanda está abrindo uma estrada direta. Como em muitos pontos da zona pioneira, os madeireiros são aqui os primeiros construtores de estradas.

Entre os destacamentos mineiro e capixaba já houve vários incidentes desagradáveis; quando eles se desentendem é claro que a população fica sujeita a susto e tropelias. No momento, o tenente Ariston (um veterano na campanha de 32) e o sargento Armindo se entendem com um certo formalismo cordial, e os soldados das duas Polícias Militares jogam futebol juntos. É fácil imaginar que a dualidade policial cria uma série de situações inesperadas, umas engraçadas, outras não.

Comercinho do Itaúnas (o lugar também é chamado assim) não é um centro urbano muito divertido, mas sempre tem alguma coisa capaz de meter inveja a qualquer cidadão do Rio, de Nova York ou de Paris; ali não se paga imposto  nenhum, nem   municipal, nem estadual, nem federal. O governo do Espírito Santo construiu aqui um quartel razoável, com alojamento para seus soldados e cadeia, e uma escola pública; para 1954 promete melhoramentos essenciais, embora não perceba um tostão de renda em Comercinho.

Assisti o prefeito de Conceição da Barra “cantar” um comerciante a pagar imposto ao Espírito Santo; a desculpa do homem é de que se fizesse isso ele ficaria sujeito a represálias mineiras; afinal de contas é triste alguém ser perseguido por pagar imposto. A presença capixaba também é marcada por um oficial do registro civil e um tabelião de notas; mas não consigo fazer uma idéia muito clara da anarquia que haverá aqui em questão de terras, tratando-se de zona litigiosa, além de pioneira.

É de manhã. Os homens vão para o trabalho, as crianças para a escola. Sem governo ou com dois governos, uma pequena cidade brasileira se agita e vive.

Janeiro, 1954

 

Fonte: Crônicas do Espírito Santo, 1984
Autor: Rubem Braga
Compilação: Walter de Aguiar Filho, dezembro/2011
Obs.: Este livro foi doado à Casa da Memória de Vila Velha em abril de 1985 por Jonas Reis

 

Nota do Site:

A formação de Mucurici se deu à ocupação de terras devolutas, litigiosas, férteis e principalmente com a exploração de madeira de lei, o que fez a região perder suas densas florestas de Mata Atlântica e se tornar atualmente um dos municípios capixabas de menor pluviosidade média anual e possuir características de climas secos.

Os colonizadores que vinham com suas famílias, construíam suas casas de adobe e cobria-as de tabuinha, pois era muito difícil adquirir materiais que não fossem retirados da própria região. A isso se deve o nome de "Comercinho da Tabuinha", que também foi denominado de Itaúnas devido a proximidade do Rio Itaúnas, porém o nome Itaúnas não foi bem aceito pelo povo.

Conceição da Barra era muito cobiçada por Minas Gerais, pois esta, significaria uma boa oportunidade de acrescentar ao seu território uma saída para o mar. Sendo assim o Espírito Santos e Minas brigavam pela delimitação de suas terras. Nesse intervalo de tempo, deu-se a formação emancipação de Mucurici.

Os migrantes, talvez mais interessados em se "arrumar na vida", se esqueciam até mesmo que estavam em áreas contestadas e quase que tranqüilamente prosseguiam no seu labutar cotidiano, derrubando matas, caçando e plantando quando vez por outra eram surpreendidos por disparos de armas de soldados Mineiros e Capixabas que brigavam ente si.

Fonte:Elaine dos Santos Wagmacker

 

 

 

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O padre José de Anchieta, que estava nesta então capitania, e já promovia a fundação de outras casas religiosas, como a de Benevente, Reritiba, em 1569

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