Considerações acerca do desembarque inglês na Baía de Vitória, em 1592 (2ª Parte)
Contrariamente ao que expressam os registros dos autores de língua portuguesa, a escaramuça dos marujos de Thomas Cavendish não pode ser considerada como simples e inconseqüente ato de pirataria. Constituiu, em verdade, uma ação beligerante, embora modesta e mal-conduzida, respaldada pelo estado de guerra existente, à época, entre Espanha e Inglaterra.
Em 1580, com a morte do Cardeal D. Henrique, o trono português foi postulado, dentre outros, por Filipe II da Espanha, em razão de direito adquirido neto que era do falecido rei D. Manuel I – o Venturoso. O monarca espanhol subiu ao trono de Portugal, naquele ano de 1580, como seu décimo-oitavo rei.
Também, ao contrário das afirmativas dos autores portugueses e brasileiros, Cavendish não foi um daqueles desprezíveis flibusteiros dos mares da América. Navegador brilhante, tem a seu crédito a autoria da terceira viagem de circunavegação ao globo terrestre, realizada entre 1586 e 1588.
O desembarque inglês na baía do Espírito Santo constituiu a conseqüência de uma guerra religiosa, cujas raízes assentaram-se nos sonhos de unidade católica do rei espanhol Filipe II, que o levaram à extremada intransigência doutrinal. Para combater o protestantismo, lançou-se a campanhas militares mal inspiradas, que redundaram no enfraquecimento de seu reinado. Exemplo disso foi a luta armada empreendida contra Elizabeth I, da Inglaterra, em revide à decapitação da rainha católica Maria Stuart, em 1587.
Sua invencível armada – instrumento para castigar Elizabeth I foi destruída ainda nas águas do Canal da Mancha, pela ação conjunta de uma tempestade e da esquadra do Almirante inglês Sir Francis Drake, em 1588.
Do ponto de vista do armamento empregado, a contenda de 1592, na baía do Espírito Santo – em plena Idade Moderna – revestiu-se de características extravagantes e inusitadas. Utilizaram-se táticas guerreiras e instrumentos de combate procedentes de Eras diferenciadas, na evolução humana: os índios flecheiros do Brasil-Colônia – recém saídos do primitivismo neolítico – praticaram a guerra familiar a seus antepassados, mediante flechas e pedras.
Os portugueses, além do emprego de armas modernas – a exemplo de canhões, mosquetes e pistolas, adotaram, ao lado dos indígenas, o arremesso e o rolamento de pedras dos mais diversos tamanhos, sobre os marujos ingleses e suas embarcações, conforme testemunho do próprio Thomas Cavendish, em sua carta-depoimento.
Essa tática guerreira de índios e portugueses, aproxima-os também, da Guerra Antiga, fazendo lembrar persas, assírios e babilônios... e suas catapultas.
Finalmente, aos ingleses, restou-lhes o consolo de terem lutado e perdido sua guerra – moderna e malsucedida – contra figuras espectrais, saídas, por se assim dizer, das páginas de algum pesadelo.
Por ocasião do assalto de Thomas Cavendish, a Capitania do Espírito Santo era governada por Da. Luiza Grimaldi, viúva do segundo donatário Vasco Fernandes Coutinho Filho, falecido em 1589.
Como adjunto – para assuntos militares e administrativos – Da. Luiza contava com os valiosos préstimos do Capitão de Ordenanças Miguel de Azeredo.
Relatos e Testemunhos
Analisado em sua perspectiva histórica, o desembarque inglês na baía de Vitória, define-se como acontecimento remoto, ocorrido no alvorecer da civilização americana, em área geográfica distanciada do mundo europeu. Em razão disso, sua repercussão limitou-se aos participantes da refrega: ingleses, portugueses e seus aliados.
De primordial importância para o registro do fato histórico, são os acervos jesuíticos e a carta-depoimento de Thomas Cavendish.
Ambos compõem, por sua relevância, o verdadeiro substrato do que se passou naqueles agitados dias sete e oito de fevereiro de 1592, redigidos que foram por testemunhas visuais dos acontecimentos.
Os demais relatos são subsidiários dessa documentação original, mas nem por isso menos interessantes, pela abrangência que alcançaram.
Em razão de situar-se a Capitania do Espírito Santo no fulcro geográfico do fato histórico, a motivação acerca do desembarque inglês foi maior entre os autores capixabas.
Dentre eles, merecem ser citados, por ordem de importância de suas narrativas: Bazílio Carvalho Daemon, em sua História e Estatística da Província do Espírito Santo, editada em 1879; Misael Ferreira Pena, através de sua obra História da Província do Espírito Santo, editada em 1878; Braz da Costa Rubim, em Memórias Históricas e Documentadas da Província do Espírito Santo, editadas em 1861.
Ao Século XX pertencem as obras História do Espírito Santo e História do Estado do Espírito Santo, de autoria, respectivamente, de Maria Stella Novaes e de José Teixeira de Oliveira; ambas editadas na década de 1960.
Dentre as figuras exponenciais da historiografia patrícia, Francisco Adolfo de Varnhagen – o Visconde de Porto Seguro – também teceu algumas referências “... às proezas do corsário Thomas Cavendish, que se reduziram em saquear Santos e queimar São Vicente, além do assalto à Capitania do Espírito Santo”, dentre outras considerações.
Mesmo desinteressado e predisposto contra Cavendish, (conforme atesta sua expressão “desejo consagrar-lhe mui poucas linhas”, na pg. 45 – Vol. I, tomo segundo, XXIV secção, de sua História Geral do Brasil – Edição Especial); ainda assim, Varnhagen consegue ser preciso e profundo.
A presente crônica objetiva uma confrontação entre os relatos dos diversos autores de língua portuguesa e a documentação da época da ocorrência.
Tal confrontação impõe-se em face das contradições e desacordos presentes na totalidade das narrativas conhecidas.
Dentre os autores citados no presente trabalho, Bazílio Daemon e Misael Pena são os que mais se aproximam dos relatos da época do desembarque inglês. Em razão disso, foi escolhida – como referência para a pretendida confrontação – a crônica de Misael Ferreira Pena, constante de sua obra História da Província do Espírito Santo, de 1878, complementada por subsídios de História e Estatística da Província do Espírito Santo, de autoria de Bazílio Carvalho Daemon, publicada em 1879.
Autor: Zoel Correia da Fonseca
Fonte: Textos de História Militar do Espírito Santo – Coleção João Bonino Moreira – vol. 3
Compilação por: Getúlio Marcos Pereira Neves. Vitória, 2008.
Pero de Magalhães de Gândavo, autor da 1ª História do Brasil, em português, impressa em Lisboa, no ano de 1576
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