Do football ao futebol – Por Clodomir Bertoldi
A finalidade da monografia de final do curso Comunicação, Tecnologias e Gestão da Informação é fazer uma reflexão sobre o "Esporte das multidões", o futebol. O título "Do football ao futebol", deixa evidente a intenção de analisar as mudanças lingüísticas acorridas desde que o esporte foi trazida por Charles Miller até os momentos atuais. Palavras que eram utilizadas nos "primórdios" do futebol, como keeper, offside, goal, half e muitas outras deram lugar a termos portugueses. Pôr que ocorreu essa mudança? Por que em outros esportes que tiveram, também grandes nomes essa mudança não se verificou?
Essas mudanças são analisadas por vários ângulos, com entrevistas de pessoas que dedicaram a vida ao esporte como jornalistas de jornal e de rádio. O trabalho busca uma explicação sociológica e social, junto com a explicação lingüística. Além da apresentação e da conclusão, a monografia está dividida em três capítulos. No primeiro, é feita uma pesquisa sobre o futebol em si, sua história desde que a bola rolou pela primeira.vez, passando pelo maior jogador de todos os tempos, Pelé. O segundo capítulo aborda exatamente o que a monografia também faz: a literatura e a arte e suas ligações com o futebol. E o capítulo terceiro compreende as entrevistas com um jornalista que atuou por mais de 20 anos na imprensa escrita (Álvaro José Silva), outro que militou em rádios (Eleysson de Almeida) e finalmente um professor de literatura que analisa as razões das mudanças (Augusto José de Carvalho).
HISTÓRIA
A bola era redonda, sim senhor, com 22 centímetros de diâmetro e feita de couro. Couro de gato, elefante ou qualquer outro animal que não a vaca. Naquela época, os chineses ainda não haviam descoberto a vaca.
Contam alguns historiadores que a vaca ficou presa num engarrafamento-monstro à saída da arca de Noé e, com sua proverbial lentidão, demorou séculos para chegar à China. Com vaca ou sem vaca, o fato é que na China do século III antes de Cristo já se conhecia um manual com regras de um esporte mais ou menos parecido com o futebol. Por isso, sua invenção é creditada aos chineses. Passando pelo Egito antigo, Grécia, Roma e Itália da Idade Média, o futebol chegou à França e daí, à Grã Bretanha, considerada como a inventora do atual futebol. Na metade do século XIX, os ingleses começaram a criar clubes ou associações para praticar o novo esporte e o primeiro jogo oficial aconteceu no dia 26 de outubro de 1863. Em 1904 foi fundada em Paris a Fifa e, com o crescimento rápido da popularidade do esporte, ele foi incluído nos Jogos Olímpicos, pelo então presidente da entidade, Jules Rimet, que em 1930 organizou o primeiro Mundial, no Uruguai. O troféu, chamado de Taça Jules Rimet foi conquistado definitivamente pelo Brasil, em 1970, quando venceu o terceiro título, no México.
O esporte foi trazido para o Brasil em 1894 por um estudante que foi completar os estudos na Inglaterra e veio de lá com uma bola e as regras. Foi Charles Miner.
Pelé, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, merece um comentário à parte por ser considerado o maior jogador de todos os tempos. Pelé nasceu em Três Corações, Minas Gerais e começou a jogar como profissional no Santos, aos 16 anos. Com 17 anos, foi campeão mundial na Suécia e, nos anos seguintes, formou a máquina de futebol do Santos, conquistando praticamente todos os títulos que disputou, inclusive duas vezes o Mundial Interclubes. Em sua carreira de 21 anos, foi o maior artilheiro da história do futebol brasileiro, com 1.281 gols. Em 1958, alcançou um recorde que dificilmente será igualado: marcou 58 gols no Campeonato Paulista.
ARTE E LITERATURA
Uma abordagem especial é feita a respeito da literatura e da arte relacionadas ao futebol. Nesse aspecto é dada ênfase particular à poesia e aos artistas plásticos que deixaram sua marca em quadros como os imortais Cândido Portinari e Djanira, não deixando de lado Rubens Gerchmann, que imortalizou jogadores como Zico, Pelé, Garrincha, Gerson e muitos outros em suas telas a óleo. Na crônica esportiva, Armando Nogueira e Nelson Rodrigues encheram os leitores brasileiros de textos deslumbrantes.
João Cabral de Melo Neto, Domingos Pelegrini e Luiz de Miranda não ficaram atrás e escreveram poesias de lirismo puro sobre craques como Garrincha, Falcão ou Ademir da Guia.
AS MUDANÇAS
No Capítulo III, como fechamento da Monografia, são feitas entrevistas a respeito das mudanças ocorridas na terminologia utilizada por jornalistas e radialistas no seu dia-a-dia com o futebol. Diferente da linguagem usada no tratamento do noticiário político ou econômico, o linguajar do esporte inicialmente dominado por palavras ou expressões inglesas, foi dando lugar a jargões e palavras eminentemente portuguesas, quase brasileiras. Para explicar tais mudanças foram ouvidas duas pessoas ligadas profissionalmente ao esporte. Álvaro José Silva foi editor de Esportes do jornal A Gazeta durante mais de duas décadas e Eleysson de Almeida, narrador de futebol em várias rádios brasileiras. Além deles, uma opinião abalizada foi dada pelo professor de lingüística José Augusto Carvalho, formado em Línguas Neo-Latinas pela Universidade Federal do Espírito Santo e doutor pela Unicamp.
Álvaro explica que, tendo sido trazido da Inglaterra, era normal que muitos termos do futebol fossem ingleses, mas "como se popularizou rapidamente, era inevitável que a nomenclatura também fosse modificada e (‘tupiquinizada’ gradativamente". No caso da imprensa, explica, a mudança acompanhou o desenvolvimento das técnicas de, se escrever, da maneira específica como o texto jornalístico evoluiu, deixando de ser uma forma de se fazer poesia e se tornando mensagem clara. Dinâmica e essencialmente, coloquial.
Outra explicação dada por Álvaro é que, Com o crescimento dos clubes e das competições, com as grandes conquistas internacionais brasileiras, notadamente a Copa do Mundo, o futebol firmou-se definitivamente como modalidade brasileira, adaptada à nossa cultura, por isso, hoje, nenhum termo de origem inglesa sobreviveu.
Eleysson de Almeida segue o mesmo raciocínio quando afirma que "a partir do avanço da própria tecnologia, que não era muito na época em que o futebol chegou ao Brasil, começaram a surgir as primeiras inovações dentro do linguajar do futebol, Aos poucos, entrou também o espírito nacionalista das pessoas que vão transformando a terminologia Inglesa e adaptando-a ao português".
Para Eleysson, nos anos dourados dos narradores de futebol, o rádio era mais um show. Foram sendo criados bordões que caíam no gosto popular e passaram ao linguajar esportivo. Isso foi tentado também quando chegou a televisão, mas com a imagem ao vivo era difícil o narrador inventar palavras que causassem emoção como quando havia apenas o ouvinte que acompanhava a narrativa do narrador esportivo.
Diferentemente de Alvaro e Eleysson, o professor José Augusto de Carvalho explica linguisticamente as mudanças ocorridas no futebol. "A língua não é um departamento estanque. Os falantes de uma língua estão em contato com os falantes de outra. Assim, dentro de uma língua, duas forças se opõem. Uma é o espírito de intercurso, a outra o espírito de campanário". O espírito de intercurso aceita os estrangeirismos, mas o de campanário não. Não foi um gramático que disse que deveria se substituir a palavra keeper por goleiro, mas o próprio espírito de campanário que expulsa essas palavras estrangeiras e faz suas adaptações à própria língua, afirma o professor.
Na hora da popularização do futebol é que começou a agir o espírito de campanário. O campanário é o lugar da igreja em que fica o sino que chama o povo para a reza. Assim, o espírito de campanário é aquele que junta tudo, é aquele que une, é bairrista.
Assim, no momento em que uma cultura faz parte da vida do povo, não apenas da elite, aí entra o espírito de campanário para expulsar o estrangeirismo, porque o povo não aceita o estrangeirismo, é avesso a ele. No dia em que o tênis se popularizar, ele também vai perder os estrangeirismos que o dominam atualmente.
QUEM É
O texto é um resumo de tema de monografia de final de curso do jornalista Clodomir Bertoldi. O curso, da Universidade Cândido Mendes, filial de Vitória, versa sobre Comunicação, Tecnologia e Gestão da Informação. O autor trabalhou mais de 30 anos no jornal A Gazeta, onde já exerceu diversas funções, tendo sido editor do Caderno Dois e redator da Editoria de Esportes. Seu trabalho é de especialização e tem como tema o futebol, assunto com o qual lida também há cerca de 30 anos.
Fonte: Revista a’angaba, Ano I número 01 – setembro de 2008 Idéias e Cultura no Espírito Santo
Autor: Clodomir Bertoldi
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2016
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