Dois planos urbanísticos de Vitória - Por Geet Banck (Parte I)
1. Introdução
Na última década, tem-se manifestado, nos estudos sobre cidades, uma tendência muito clara de interpretar o espaço urbano como um construto sociocultural. Basta citar alguns títulos: The cultural meaning of urban space (ROTENBERG; MCDONOGH, 1993), Urban symbolism (NAS, 1993), Imagining cities (WESTWOOD; WILLIAM, 1997), Imagining the modern city (DONALD, 1999), Understanding the city (EADE; MELE, 2002), Representing the city (KING, 1996). Recentemente, o famoso arquiteto e historiador Joseph Rykwert também enfatizou o caráter representacional da paisagem urbana:
“[...] no entanto a textura de uma cidade está sempre ao alcance tanto do morador como do visitante. Apreciada, vista, tocada, cheirada, penetrada, seja consciente ou inconscientemente, essa textura é uma representação tangível daquele algo intangível que é a sociedade que ali vive — e suas aspirações [...] Representação [...] sugere reflexão, intenção, até mesmo desígnio nesse contexto: um projeto. Já que uma cidade é sempre textura e imagem determinadas (por mais insatisfatórias que possamos considerá-las), não pode jamais ser inteiramente passiva e, devido à constante interação entre a sociedade e a textura urbana, não podemos fazer remendos nas cidades sem fazer alguns ajustes também na sociedade — ou vice-versa (RYKWERT, 2002, p. 6-7).”
Diante de todo esse esforço para imaginar e representar as cidades em geral, o que devemos imaginar sobre Vitória? E, mais especificamente, o que dizer sobre os projetos de que fala Rykwert? Claro que ele toma o conceito num sentido muito amplo. Quero aqui focalizar, porém, projetos estritamente técnicos — um de 1896, o Novo Arrabalde, e outro de 1986, relativo à urbanização de um aterro à beira do mar, adjacente ao bairro que surgiu como resultado do plano de 1896. Pretendo discutir-lhes a natureza representacional, ou seja, que ideias, visões ou objetivos políticos ou ideológicos estavam por trás desses projetos? Como veremos, a proximidade do mar é um dado pertinente nos dois projetos. Assim, focalizarei a análise nesse aspecto, tomando como ponto de partida a importância do imaginário do mar em geral e da praia em particular na cultura ocidental, como mostrado, por exemplo, nos estudos de Corbin (1988), no geral, e nos de Shields (1990) e Watson (2002) quanto, respectivamente, às cidades de Brighton e San Sebastián. A meu ver, essa vertente teórica está estreitamente interligada com uma outra metáfora importantíssima para a análise, a da saúde. Esta não somente é uma preocupação constante nas sociedades modernas, mas também um dos fatores básicos no planejamento urbano(1). Metodologicamente, as análises são diferentes. A primeira baseia-se no texto do plano, a segunda em entrevistas com envolvidos e em observações pessoais. Ambos os casos mostram a importância das metáforas para a análise.
É necessário, sem dúvida, considerar o contexto da identidade local do Espírito Santo e de Vitória, embora, em outra ocasião, o palimpsesto das perspectivas ideológicas locais já tenha sido descrito com maior detalhe (BANCK, 1998, p. 234-239). Aqui, talvez seja suficiente dizer que, em fins do século XIX, a identidade capixaba achava-se culturalmente permeada por teorias "científicas" de diferenças raciais e determinismo geográfico. Na esfera política, a proclamação da República tornou dominante o republicanismo que, mais do que meramente um modelo político, continha fortes componentes anticoloniais e antimonárquicos. Em oposição ao Império que, remanescente do colonialismo português, perpetuava o atraso do país, a República seria o veículo do progresso e da civilização. Se muitas dessas noções desapareceram, outras deram lugar a comparações entre o subdesenvolvimento do Brasil e o chamado Primeiro Mundo, sintetizadas em tira de Milson Henriques, que também se baseia na oposição geográfica entre a ilha e o continente (ou dever-se-ia dizer a ilha versus o resto do mundo?), uma das principais marcas da identidade de Vitória.
Notas
(1) Para a América Latina ver Almondoz (2002, p. 24-ss.); para o Rio de Janeiro, ver Pereira, (2002, p. 89-ss.).
Fonte: Dilemas e Símbolos Estudos sobre a Cultura Política do Espírito Santo, Segunda Edição aplicada – 2011
Autor: Geert. A. Banck
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2019
Pero de Magalhães de Gândavo, autor da 1ª História do Brasil, em português, impressa em Lisboa, no ano de 1576
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