Eleições - Por Geet Banck (Parte III)
3. Eleições, Explicações e Novas Questões
A análise de resultados eleitorais é sempre influenciada por fatores um tanto idiossincráticos como alianças políticas ad hoc. Tal análise costuma também dar a confortável impressão de que quaisquer surpresas, enigmas e paradoxos são perfeitamente "compreensíveis no final". Creio, no entanto, que, pela análise dos paradoxos evidenciados nas eleições de Vitória, possamos formular algumas novas questões de caráter mais genérico, que nos levarão ao centro do debate sobre movimentos sociais (urbanos).
Ainda que não seja essa a ocasião de fazer uma análise geral das eleições, convém mencionar dois importantes fatores do quadro político nacional. Em primeiro lugar, as eleições de 1988 foram as primeiras eleições populares após a promulgação da nova constituição, mas, por força do artigo 5 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a maior parte das novas medidas eleitorais não se aplicava às eleições municipais daquele ano. Assim, não foi posta em prática em 1988 uma nova medida eleitoral de grande significado, o segundo turno das eleições, no qual o candidato mais votado não precisaria da maioria absoluta de votos para se eleger prefeito, governador ou presidente. Embora difícil de assegurar, isso não teve efeito algum sobre as opções estratégicas dos partidos envolvidos na campanha. Em segundo lugar, a campanha foi marcada pela desconfiança geral e até hostilidade em relação ao governo federal, incapaz de encontrar uma saída para o impasse econômico e desacreditado também por vários escândalos de corrupção. O desencanto com o primeiro governo civil após mais de vinte anos de governos militares era expresso abertamente, o que também fez do pleito de 1988 uma espécie de plebiscito nacional para indicar se o povo era contra ou a favor do governo federal e dos grupos políticos que o apoiavam.
Isso certamente representou uma questão crucial nas eleições de Vitória. Era forte o sentimento de indignação moral contra a corrupção e a incompetência administrativa, mas será que isso basta para explicar detalhes, como a vitória do PT nos bairros de renda mais alta? Outra importante razão conjuntural foi certamente a seguinte: como vimos, a campanha política praticamente se polarizou em torno de dois candidatos, Vitor Buaiz, do PT, e Nilton Gomes, do PFL. As características pessoais de um e de outro são fundamentais para se compreenderem os resultados surpreendentes do pleito. Com um estilo relativamente moderado de fazer política, Buaiz atacava a corrupção e o clientelismo. À sua retórica petista somavam-se honestidade intelectual e apelo às convicções da classe média. Nilton Gomes, ao contrário, adquiriu popularidade por meio de um programa de rádio em que se distribuíam, entre outras coisas, cadeiras de rodas, vales-transportes e materiais de construção (MEDEIROS; VASCONCELOS, 1989, p.18), o que fazia dele um político eminentemente clientelista. Isso já serve para explicar, em parte, a preferência das categorias de renda mais alta por Buaiz — mas havia ainda outras razões.
Médico de profissão, Buaiz pertencia a uma próspera família branca de classe alta e politicamente influente, enquanto Nilton era um radialista negro de origem humilde. Em certo sentido, embora Buaiz fosse, para muitas pessoas da classe média, radical demais em alguns aspectos, ele era "um de nós" e, em todo caso, honesto. Reduzida a escolha a duas alternativas pouco promissoras, era ele certamente a melhor e mais previsível. Isso mostra que fatores conjunturais são muito importantes para explicar a votação obtida pelo PT ou por Buaiz entre as pessoas abastadas. Todavia, essa análise perderia interesse se os resultados das eleições não tivessem algumas implicações estruturais. A estratégia do PT se baseou na suposição fundamentalmente correta de que os votos dos grupos de renda "entre dois e cinco salários mínimos" (metade do eleitorado) seriam decisivos. Além disso, optou-se por conferir um tom moderado à campanha, que deveria, decerto, moldar-se à personalidade do candidato. Acrescenta-se ainda o fato de que o PT possuía alguns redutos junto às classes em melhor situação financeira. Entre as categorias consideradas pelo menos como simpatizantes do PT, incluíam-se os professores em geral — universitários ou não —, os jornalistas, muitos servidores técnico-administrativos — categoria em rápida expansão — e até mesmo profissionais liberais, enquanto dos estudantes (que representavam, nessas classes de renda, toda a faixa etária até os 24 anos aproximadamente) se esperava que votassem maciçamente no PT. Por difícil que seja corroborar essa hipótese, faz sentido ver, naqueles grupos que se podem chamar de novas classes médias do setor de serviços (incluindo uma maioria de estudantes), uma das fontes de recrutamento de um partido como o PT. Se seu apelo, como partido de trabalhadores, tem endereço certo, sua mensagem política de renovação atrai de fato outras classes além daquelas previsivelmente sintonizadas com a retórica do partido. Voltemos ao outro extremo da balança eleitoral: os decepcionantes resultados alcançados pelo PT nos bairros mais pobres e a vitória, aí, do candidato de orientação clientelista, representante de interesses políticos tradicionais. Prefiro dirigir minha atenção a São Pedro, que é um bairro que conheço melhor. Apesar da falta de dados estatísticos, o bairro tem taxas elevadas de desemprego e subemprego, e muitos de seus moradores vivem em condições de extrema pobreza. Nas áreas de ocupação mais recente, acumulam-se sobretudo muitos migrantes oriundos de regiões extremamente pobres de Minas Gerais e Bahia, que tentam criar ali condições de subsistência no sentido mais estrito da palavra. Centenas de famílias vivem de catar lixo no depósito municipal, integrado ao bairro, já que lixo é um dos materiais utilizados no aterro dos mangues. Por outro lado, São Pedro já possui um contingente de pessoas de classe média, estabelecidas sobretudo nos setores mais antigos, já urbanizados.
A explicação padrão desse resultado eleitoral reside no argumento lumpen: extrema pobreza, desemprego crônico, migrantes carentes, analfabetismo, pessoas amontoadas num mesmo espaço, em suma, todo um refugo de seres sem a mínima condição de definir o seu lugar específico na sociedade. Não será a presença do depósito de lixo um símbolo apropriado para esses escombros humanos? Essas pessoas ou são simplesmente ignorantes demais ou se encontram à margem da luta de classes e, portanto, totalmente alienadas (duas formas de dizer a mesma coisa), embora, neste último caso, o veredito não as inculpe como no primeiro caso, mas sim a sociedade capitalista. De qualquer forma, convém estar prevenido contra a tendência de considerá-las e os seus votos como insensatos. É evidente que o fato de votar pode ser, para pessoas quase analfabetas, algo muito complicado tanto no sentido técnico como político, e o alto número de votos brancos e nulos talvez seja exatamente um indício disso. Contudo, cabe admitir a possibilidade de um viés intelectual de análise, que levaria à suposição de que os pobres, seja por causa de sua mentalidade, seja por causa de sua situação econômica marginal, estariam votando contra os próprios interesses (que, seja como for, nós é que definimos para eles). Temos de conceder aos mais pobres o direito ao mesmo dilema que a análise concede tão facilmente às demais classes: o direito de, diante de duas alternativas ruins, dar seu voto à alternativa menos ruim. Além disso, se os votos dados a Nilton Gomes, radialista negro que fala a linguagem deles, não nos causam espécie, devíamos também aceitar como escolha bastante racional a de um político de estilo clientelista, que representa forças políticas responsáveis por grandes obras como sistemas de drenagem e asfaltamento de estradas. As pessoas de outros setores e classes, ao contrário, obtêm normalmente tais serviços, por processo mais rotineiro, junto com toda a infraestrutura que o Estado provê em seu beneficio (proteção legal como cidadãos, serviços públicos, seguridade social, e assim por diante). Pode-se sugerir, porém, outros fatores que talvez tenham influído no resultado local; para entendê-los, é preciso voltar a nossa atenção, em mais detalhes, para o bairro e o seu processo político interno.
Contracapa do Livro – Por Renato Pacheco: Nunca um “brasilianista” havia volvido seus olhos para gente de nossa pequenina terra. Viajantes muitos e ilustres passaram por aqui, relatando suas impressões, como está visto em Viajantes e estrangeiros no Espírito Santo, do historiador Levy Rocha. Mas não era observadores sistemáticos, Afeitos aos métodos das ciências sociais. Estamos diante de algo, a meu ver, pioneiro em nossa bibliografia.
Fonte: Dilemas e Símbolos Estudos sobre a Cultura Política do Espírito Santo, Segunda Edição aplicada – 2011
Autor: Geert. A. Banck
Compilação: Walter de Aguiar Filho, abril/2019
Pero de Magalhães de Gândavo, autor da 1ª História do Brasil, em português, impressa em Lisboa, no ano de 1576
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