Marcos de Azeredo - Por Nara Saletto
Marcos de Azeredo foi um dos mais destacados membros da elite colonial do primeiro século da capitania. Era sobrinho de Belchior de Azeredo, que governou o Espírito Santo em substituição ao primeiro donatário, e irmão de Miguel de Azeredo, também governador da capitania, por muitos anos. Eram portugueses de nascimento, com alguma ascendência judaica, provavelmente remota e certamente escondida. Os dois irmãos ligaram-se à família de Vasco Coutinho através de casamentos, tendo Marcos desposado uma filha bastarda do donatário, em 1589. (Salvador, 1994, pp. 27, 28)
Nessa época, o final do século XVI, o Espírito Santo já conseguira vencer as dificuldades iniciais da colonização: os colonos consolidavam seu poder sobre os indígenas, através de expedições guerreiras dirigidas por Belchior e depois por Miguel, bem como de “entradas” dos jesuítas, e traziam índios em massa do sertão. Muitos eram escravizados, outros eram aldeados, em aldeias dos jesuítas ou não. Algumas ficaram sob a direção de capitães seculares — Marcos, seu irmão Belchior e o segundo Vasco Coutinho — mas estas pouco duraram. Contidos os índios e dispondo de mão-de-obra abundante, iniciou-se uma fase de expansão da produção de açúcar, com a consequente retomada e crescimento do comércio externo, que atingiu seu ponto máximo na primeira metade do século XVII, período de maior prosperidade da capitania. Um documento de 1641 mostra que em apenas um mês o porto de Vitória recebeu 5 navios de Portugal, e vários frequentavam-no regularmente, alguns dos quais de mercadores portugueses que tinham investimentos no Espírito Santo, inclusive engenhos. Vitória se integrava, embora como um pequeno centro, ao mundo dos grandes negócios coloniais.
Marcos foi proprietário de um dos maiores engenhos dessa fase. Eram poucos os verdadeiros engenhos, pois o seu custo era muito elevado, de modo que a maioria dos produtores possuía pequenos trapiches, ou “engenhocas”. Seriam apenas uns 5 ou 6 na década de 1580, mas seu número se elevou ao longo do período de expansão. Vários deles pertenciam a “homens de negócios” de Portugal, todos cristãos-novos, que tinham negócios em várias praças da Europa, do Brasil e, às vezes, no Rio da Prata, e investiram na economia açucareira capixaba, mantendo engenhos, às vezes em sociedade, e fazendo comércio de açúcar para a Europa e de produtos europeus e orientais para o Espírito Santo. Eram proprietários ausentes, que entregavam a gestão de seus engenhos e de seus negócios a procuradores. No início da fase de expansão eram donos de quase todos os engenhos, tendo um deles comprado o do segundo Vasco Coutinho. Pouco a pouco, os colonos foram instalando os seus, entre eles Marco de Azeredo, que era, portanto, um dos poucos suficientemente ricos para ter um engenho, dos maiores da capitania, mas que seria apenas de tamanho médio comparado aos de Pernambuco ou da Bahia.
A elevada posição social de que desfrutava lhe permitiu ocupar altos cargos na administração colonial: foi Provedor dos Defuntos e Ausentes e, o mais importante, Provedor da Fazenda Real. Sua nomeação para o primeiro destes cargos foi obtida com a ajuda do padre José de Anchieta, que se empenhou em complicadas transações junto ao governo-geral, nas quais contou com a colaboração de dois amigos dos Azeredo, naturais, como eles, de Guimarães. O jesuíta era muito ligado a Miguel.
Mas Marcos de Azeredo é lembrado sobretudo como sertanista, que teria chegado à serra das esmeraldas, a Serra Resplandecente da tradição dos tupiniquins, cuja existência teria sido confirmada por Antônio Dias Adomo em 1574, na região entre o rio Doce, o Cricaré e o Mucuri, mas cujo caminho havia sido perdido. Desde então outras expedições partiram a sua procura, sem qualquer resultado positivo. Um incentivador dessas “entradas” foi D. Francisco de Souza, que foi governador-geral (1591 - 1605) e em seguida conseguiu que a Coroa separasse do governo-geral do Brasil as capitanias do sul (a partir do Espírito Santo), formando um governo autônomo, e o confiasse a ele, com o objetivo de intensificar a busca de minerais preciosos. Organizou várias entradas, partindo de São Paulo, da Bahia, do Espírito Santo. Marcos de Azeredo chefiou uma delas, que teria encontrado a famosa serra, da qual trouxera algumas pedras. Não se sabe a data dessa expedição, mas é provável que tenha retomado no fim da vida de D. Francisco de Souza, que adoeceu e veio a falecer em São Paulo, em 1611. Isto porque Marcos teve que ir à corte, em 1613, comunicar sua descoberta e pedir recursos para voltar à mina, o que certamente não seria necessário se D. Francisco ainda estivesse em atividade.
O fato é que Marcos partiu para a Corte, levando quatro dessas pedras, que apresentou ao rei Felipe III, relatando sua descoberta. As pedras foram examinadas e o perito confirmou serem esmeraldas. Marcos a propôs ao rei voltar à mina, à custa da fazenda real, pedindo para isso 10 mil cruzados, ou então conseguir a participação de algum particular, que recebesse licença para trazer as esmeraldas, pagando o “quinto” à Coroa, e mais algumas “mercês”, e nesse caso só precisaria de 4 mil cruzados do Tesouro Real para preparar a expedição.
Diante da “boa informação” que teve sobre o sertanista, o rei aceitou a segunda alternativa e mandou o governador-geral fornecer o dinheiro, concedendo-lhe ainda uma honraria, o hábito da ordem de Cristo, e uma pensão. (Carta de Felipe III ao governador geral, 22-2- 1613, inTaunay, 1929, Vol. V, pp. 250-251).
De volta ao Brasil, Marcos tentou em vão receber os recursos para empreender a jornada, mas o governador-geral, empenhado na reconquista do Maranhão aos franceses, afirmava não ter de onde tirá-los, e a expedição não se realizou. Porém, a legenda da serra das esmeraldas envolveu nosso personagem. Numa de suas versões ele teria morrido numa nova expedição, dizimada pelos índios, deixando apenas algumas vagas indicações da localização da mina. Outra versão diz que teria morrido na prisão, no Rio ou na Bahia (há duas variantes), por se negar a revelar o roteiro das esmeraldas. No entanto, um documento da época, a “Razão do Estado do Brasil... até o ano de 1612”, contém um mapa da capitania do Espírito Santo no qual foi assinalado o que seria o roteiro da “jornada que fez Marcos de Azeredo”. Esse roteiro, que não parece ter sido útil aos contemporâneos, que continuaram procurando a lendária serra, também não deu aos estudiosos do tema em nossos dias qualquer pista sobre o local onde o sertanista encontrou suas pedras.
Na mesma ocasião em que tentava obter os recursos prometidos pelo rei, novos e sérios problemas ameaçavam Marcos. Como provedor da Fazenda Real, foi denunciado, juntamente com o almoxarife - as maiores autoridades fazendárias na capitania - por contrabando e outras irregularidades. Os principais favorecidos seriam dois importantes homens de negócios de nível internacional, que controlavam grande parte do comércio da capitania e nela possuíam engenhos, Marcos Monsanto e Leonardo Fróes. A Coroa mandou realizar uma devassa, na qual foram ouvidos 29 moradores antigos da capitania, que confirmaram as acusações, em março de 1618.(3)
As testemunhas foram unânimes em afirmar que a Alfândega não tinha sede, embora, segundo alguns, os acusados cobrassem da Coroa uma importância destinada ao aluguel. As mercadorias chegadas eram retiradas pelos importadores e levadas para suas propriedades, às quais, dias depois, compareciam as autoridades para despachá-las, de modo que os comerciantes "só mostravam o que queriam”. Na exportação do açúcar também foram denunciadas irregularidades, que consistiam em deixar sair com isenção de taxas carregamentos que não tinha direito a tal benefício, concedido pela legislação ao açúcar produzido em engenhos recém-construídos ou reconstruídos, quando exportados pelo produtor. Assim, o engenho de Marcos Monsanto em Guarapari, acusou uma testemunha, foi registrado sucessivas vezes com nomes diferentes “sem nunca se mudar de seu sítio(..), e assim são os mais engenhos desta capitania". Fora isso, exportavam como sendo de engenho próprio e supostamente isento, açúcar comprado a outros.
Os oficiais da Fazenda foram igualmente acusados de receber dos contratadores dos dízimos, em pagamento dos contratos, produtos a “preços excessivos".(4) E, apesar disso, os contratadores ainda se queixavam de que os almoxarifes exigiam propinas muito altas.
Marcos de Azeredo e alguns almoxarifes receberíam presentes daqueles a quem beneficiavam e, sobretudo, teriam vultosas dívidas com Monsanto e Fróes.
Nas declarações das testemunhas fica claro que as irregularidades não teriam sido introduzidas pelos acusados, mas constituiriam práticas comuns a todos os seus antecessores nos cargos, que alguns citam nominalmente, chegando um deles até a Belchior de Azeredo, o substituto do primeiro donatário, que também foi provedor. Para a infelicidade de Marcos de Azeredo, a Coroa resolveu investigar justamente quando ele ocupava o cargo.
Afonso E. Taunay, que dedicou um capítulo de sua História Geral das Bandeiras Paulistas a Marcos de Azeredo e sua busca das esmeraldas, menciona um documento, escrito em Portugal em dia ignorado do ano seguinte, no qual se diz que ele ainda exercia o cargo de provedor e tomava providências contra naus estrangeiras que tinham aparecido na baía. (Taunay, 1924, pp.249-252). O inquérito teria sido abafado ? Não seria espantoso. Afinal a administração era reconhecidamente corrupta. As vezes alguns eram presos e tinham seus bens confiscados, mas isso se fazia com muita arbitrariedade e pouca justiça. E os delitos dos quais Marcos foi acusado envolviam como corruptores poderosos personagens, que algum tempo depois exerceriam os cargos de almoxarife da alfândega de Lisboa - Leonardo Fróes - e de Sevilha - Monsanto. Ou seja, passaram para o outro lado do balcão, aliás, colocaram-se dos dois lados, pois permaneceram como mercadores, ao mesmo tempo em que controlavam o comércio. O que é bem revelador das práticas da administração portuguesa e espanhola. Em todo caso, é apenas uma hipótese, podendo-se também pensar que a punição estivesse apenas tardando. Em todo caso, Marcos faleceu, antes de junho de 1619, ainda no cargo de provedor.(5)
(3) Arquivo Público Estadual do Espírito Santo, Catálogo dos Documentos Manuscritos Avulsos da Capitania do Espírito Santo, doc. 4.
(4) Era comum, seguindo uma tradição que vinha do Império Romano, o governo entregar a particulares a arrecadação de tributos, mediante um contrato pelo qual o contratador pagava ao Tesouro uma importância proporcional à arrecadação prevista, e depois cobrava dos contribuintes, às vezes em produtos, recuperando, com lucro, o adiantamento.
(5) Arquivo Público Estadual do Espírito Santo, Catálogo dos Documentos Manuscritos Avulsos da Capitania do Espírito Santo, doc. 8
Autora: Nara Saletto
Fonte: Donatários, Colonos, Índios e Jesuítas - O Início da Colonização do Espírito Santo, 1998 (Coleção Canaã Volume 4 Arquivo Público Estadual Secretaria de Estado da Cultura e Esportes Governo do Estado do Espírito Santo)
Compilação: Walter de Aguiar Filho, junho/2019
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