Massacre na Praça
Antônio Gil Veloso nasceu na antiga fazenda de Jaburuna a 12 de junho de 1915, em pleno foguetório das festas juninas. Era véspera do dia de Santo Antônio. Seus pais, Luiz Adolpho Thiers Vellozo e Clementina Moreira Vellozo, tinham chegado ao Espírito Santo no final do século XIX, quando iniciaram uma grande família, com integrantes que vêm se destacando na vida pública do Estado desde então.
Além de atuar no jornalismo e na política, seu pai era formado em Direito e foi promotor público na então comarca de Cachoeiro de Santa Leopoldina. Com a criação da comarca de Santa Tereza, em 1896, foi nomeado seu primeiro juiz. Em 1900, preferiu deixar a magistratura para dedicar-se à advocacia, tendo representado o Espírito Santo no I Congresso Jurídico Brasileiro.
Antônio Gil teve uma infância movimentada. Segundo relatou seu amigo daqueles tempos Guilherme Santos, em A Gazeta de 17 de março de 1966, Gil fazia parte de um grupo de meninos que brincava e andava despreocupadamente pelas ruas de Vila Velha, jogando bola e brincando de pique, sempre de pés no chão. Depois, um refrescante banho de mar. Mesmo com a vizinhança da capital, Vila Velha tinha a vida mansa e preguiçosa de um lugarejo interiorano.
Na infância de Gil Vellozo, ocorreram ousadas mudanças no ordenamento urbano da sede do Município. Antônio Francisco de Athayde, prefeito de 1918 a 1921, tratou de colocar postes de iluminação, executou projetos paisagísticos e abriu ruas nos bairros de Vila Velha, tendo sido imortalizado ao dar seu nome a uma das principais avenidas do centro da cidade.
Um de seus parceiros de brincadeiras era João Calmon, depois jornalista nos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, de onde saiu para ser deputado e senador. O próprio Calmon registrou essas lembranças da adolescência num discurso na Câmara Federal :
A imagem mais duradoura de Gil Vellozo que se fixou em minha memória foi a do ginasiano. Alto, de andar um pouco desengonçado, o que logo lhe valeu o apelido que tanto estimava, de “Canguru”; extrovertido, ostentando um pitoresco quepe sem armação, revelou logo cedo sua vocação de líder na mobilização de colegas para programas sérios ou brincalhões. Conheci-o nos idos de 1929, [...] Antônio se misturava com a meninada pobre, de famílias humildes[1] .
Naquela época, havia uma polêmica quanto ao nome do Município – chamado ora de Espírito Santo, ora de Vila Velha. O destino acabou reservando a Gil Vellozo o privilégio de, como prefeito, sancionar a lei que pôs fim às discussões e resolveu definitivamente a questão.
Também havia outra polêmica, mas com relação à autonomia municipal. Em 1931, Vila Velha foi incorporada ao município da capital, perdendo autonomia financeira e política. Três anos depois, restabeleceu sua independência, para perdê-la novamente em 1943, quando voltou a fazer parte de Vitória. A autogestão política e administrativa foi reconquistada em 1947, definitivamente.
Quando Antônio Gil tinha 13 anos, seu pai, o professor Luiz Adolpho Thiers Vellozo, fundou o jornal A Gazeta, em 11 de setembro de 1928. O menino costumava frequentar o jornal na companhia do pai, vendo de perto o funcionar das máquinas e tomando gosto pela coisa.
No dia 13 de fevereiro de 1930, Vellozo testemunhou uma carnificina política na Praça do Colégio do Carmo, Centro de Vitória, que lhe marcou a vida e teve repercussão imediata na sua família e na história política do Espírito Santo. Naquela data, foi realizado ali um comício da Caravana da Aliança Liberal, movimento político de oposição que estava percorrendo todos os Estados do Brasil.
A Aliança Liberal era o resultado da união de forças inconformadas com a política do Café com Leite, acordo predominante na República Velha (de 1889 a 1930), por meio do qual as oligarquias de São Paulo (café) e Minas Gerais (leite), as de maior peso econômico, se sucediam na condução do País. Pelo acordo, num mandato, a Presidência da República era ocupada alternadamente por Minas e por São Paulo.
Foi assim até 1930, quando a Presidência seria ocupada por um mineiro. Mas a quebradeira na bolsa de Nova Iorque, ocorrida no ano anterior, arrastou para o caos as economias do mundo inteiro, e o desastre econômico provocou a ruína de vários países, em todos os continentes.
A crise fechou os mais importantes mercados internacionais para o café, principal produto da pauta de exportações do Brasil. Diante do enfraquecimento nas exportações, São Paulo decidiu descumprir o acordo Café com Leite. A intenção dos paulistas era ficar no poder até surgir uma solução para a empobrecida cafeicultura. O nome de Júlio Prestes foi indicado para dar continuidade ao Governo de Washington Luiz, como se o acordo com os mineiros não existisse.
Minas não “engoliu” a afronta. Os mineiros uniram-se a políticos descontentes de outros estados, principalmente Rio Grande do Sul (pecuária) e Paraíba (cana-de-açúcar), e aos ideais de renovação política representado pelo emergente movimento tenentista. Assim, surgiu a Aliança Liberal, que lançou como candidato à Presidência o gaúcho Getúlio Vargas, cujo vice era o paraibano João Pessoa.
Cheios de energia e dispostos a medir forças para mudar o País, os integrantes da Aliança Liberal reuniram numa caravana os nomes mais destacados da oposição para percorrer o País e obter apoio de ponta a ponta. Seus integrantes foram denominados caravaneiros.
Foi num clima de confronto que os caravaneiros da AL chegaram ao comício do Largo do Colégio do Carmo, prometendo um festival de denúncias contra a candidatura de Júlio Prestes. Antes do comício, o presidente (governador) do Estado, Aristeu Aguiar, comprometido com a candidatura de Júlio Prestes, ordenou aos comandantes da Força Pública uma ação rigorosa contra os caravaneiros.
O clima era de grande tensão. O menino Antônio Gil Vellozo assistia ao tenso comício quando o senador piauiense Pires Rabelo ocupava o microfone e começou uma frase que foi considerada ofensiva: “Este Governo é um ladrão...”. Aí começou o tiroteio, logo transformado num verdadeiro massacre, que poderia ser evitado se a frase fosse completada. Segundo consta, o senador do Piauí queria dizer que o Governo de Washington Luís era um ladrão... de votos.
O jornalista Álvaro José Silva relatou, no texto “O Massacre da Praça” [2] :
Um dos presentes desgarrados naquela confusão era um menino de 13 anos, Antônio Gil Vellozo, filho do professor Thiers Vellozo, fundador e então dono do jornal A Gazeta. Este, desesperado, saiu à procura do filho, em meio à troca de tiros, inicialmente sem conseguir encontrá-lo.
O Largo do Carmo era acessado por apenas três ruas e Thiers Vellozo foi encontrar Antônio Gil somente depois de descer uma viela até a Praça da Independência, voltar e dar com ele escondido entre as irmãs vicentinas, do Colégio do Carmo. Um duro golpe que lhe abalou a saúde.
A fuzilaria provocada pela Força Pública de Aristeu Aguiar deixou o saldo de cinco mortos em frente ao Convento do Carmo.
Thiers Vellozo não estava no comício do Largo do Carmo só por curiosidade. No Espírito Santo, ele era daqueles que endossavam as ideias dos caravaneiros contra as classes dominantes da República Velha, e seu jornal refletia isso. A represália pela sua participação política veio no dia seguinte ao massacre do Carmo.
Conforme o historiador Renato Pacheco, no outro dia, a redação de A Gazeta foi invadida e sua gráfica “empastelada”, ou seja, o equipamento usado para a composição e impressão das páginas do jornal foi inutilizado pelos sabotadores. Um prejuízo imenso e difícil de calcular, já que A Gazeta deixou de circular por vários dias. O também político Mário Gurgel relembra esses acontecimentos ao falar do amigo Thiers Vellozo, na crônica “A caminho da vitória”, que transcrevemos a seguir.
[1] BRASIL. Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional. 9 mar.1966.
[2] SILVA, Álvaro José. O Massacre da praça. Disponível em: WWW.seculodiario.com.br. Acesso em: 17 maio 2010.
Fonte: Coleção Grandes Nomes do Espírito Santo - Antônio Gil Vellozo, 2013
Texto: Roberto Moscozo
Coordenação: Antônio de Pádua Gurgel
Onde adquirir o livro: Editora Pro Texto - E-mail: pro_texto@hotmail.com - fone: (27) 3225-9400
GALERIA:
Pero de Magalhães de Gândavo, autor da 1ª História do Brasil, em português, impressa em Lisboa, no ano de 1576
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