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Medicina tropeira – Por Ormando Moraes

Tropa em frente a uma casa comercial em Santa Leopoldina, na década de 20

Quando se menciona a medicina tropeira, é oportuno ressalvar que se trata de medicina voltada para os animais e não para os tropeiros, homens fortíssimos, com saúde de ferro, que nunca adoeciam, e, mesmo que adoecessem, cada qual que se virasse com o chá de numerosas espécies da flora, encontradiças na beira dos caminhos e nas imediações dos ranchos, como pereirinha para febres, folha de laranjeira para gripe, casca de romã para garganta, arrebenta-pedra como diurético, erva-cidreira e maracujá, como calmantes, miolo de abóbora cozido como antitetânico, salsaparrilha como depurativo do sangue, macaé para estômago e muitas outras. Como na atualidade, em que as empresas se preocupam, mais com a saúde das máquinas do que com a dos empregados, no tempo das tropas, a preocupação era com a saúde dos muares e não com a dos tropeiros.

Os animais necessitavam de cuidados e tratamento, não só para evitar doenças, mas também para debelá-las. Todo tropeiro conhecia os remédios e as formas de aplicá-los, mas são os antigos proprietários de tropas Avelino Perim (Cebolão), Ceny Júdice Achiamé e Manoel Lopes da Costa que dão as informações mais interessantes a respeito da medicina tropeira, como se pode ver a seguir:

Bicheira - Tinha origem na mosca-varejeira, que pousava nos locais machucados ou feridos dos animais. As larvas da varejeira pareciam favos de jacas em movimento, colocando a cabeça para fora da ferida, a fim de respirar. Depois de bem limpa dos bichos, usava-se cinza para secar a ferida, creolina e, por cima de tudo, bosta de boi para tapar e sufocar as larvas que restassem. Mas, segundo Achiamé, se o tratador ficasse com nojo e cuspisse, a bicheira não sarava de jeito algum. "Ele conta ainda ter conhecido um curandeiro que pegava uma palha de milho, rezava em voz baixa que ninguém entendia, dava três nós na palha e a ferida ficava curada no dia seguinte, sem um bicho sequer. Nunca falhava. O poeta Carlos Campos, desembargador aposentado, conta que seu pai, fazendeiro e dono de tropas em Calçado, tinha um tocador de burros, João Caetano, que era famoso como benzedor de animais com bicheiras. Ele rezava e ia jogando palha de milho para trás e os bichos caíam em pouco tempo. Quando menino, na fazenda do pai, Carlos Campos viu isso com os próprios olhos.

Broca - Dá no casco do burro. Limpa-se e queima-se com azeite quente, após o que se coloca a ferradura por cima.

Picada de cobra — Costumava matar o animal. A cobra pica o focinho, que incha muito e começa a sair sangue pelo nariz. Na época era difícil arranjar remédio. Quando o tropeiro dava pela coisa, o bicho já estava morrendo.

Dor de barriga — Manoel Lopes diz que, para dor de barriga, além de garrafadas, que constavam de uma mistura de mata-pasto, carqueja e erva-cidreira, usava-se também dar um corte com faca no céu da boca do animal. De sua parte, Achiamé informa que usava um purgante feito com meio litro de sal grosso, sete caroços (nem mais nem menos) de feijão preto torrado e um litro d'água. Tudo bem batido, esse purgante era dado pelo nariz. Pela boca não dava certo porque o burro mordia a garrafa e engolia os cacos de vidro, morrendo em conseqüência.

Garrotilho – É desarranjo intestinal proveniente de ingestão pelo animal, de ervas daninhas de pastos mal cuidados. Tratamento também com garrafadas.

Pisadura – Ferimento no lombo do animal quando a cangalha ficava fora do lugar. O tratamento era feito mediante limpeza rigorosa no local e colocação de toucinho cozido em clima. Usava-se também “talhar” a cangalha, isto é, afastar do local ferido o ferro da cangalha.

Rendidura — Proveniente de excesso de peso animal ficava rendido e seu desempenho caía muito.

Castração — Todo burro tinha que ser castrado, porque, contrário, perseguia muito as bestas. O curativo no local da operação era feito com água e sal e azeite de mamona. O animal levava cerca de 30 dias para ficar bom.

Outros problemas — Achiamé conta ainda que, às vezes animal digeria mal o capim e ficava com o intestino entupido, extremamente inquieto e sem condições para receber carga e viajar. Nessas ocasiões, ele não tinha outra alternativa senão enfiar a mão no ânus do burro e puxar fezes e maços de capim. Então, o bicho ficava logo bom. Enquanto isto, Cebolão informa que, quando o burro marchava muito e ficava mancando, o que se chamava "sobrecana", quem dava solução lá nos Alpes era um italiano, o José Rizzi, que amarrava a mão do animal com três voltas de barbante e rezava: pronto, o bicho ficava bom rapidamente, sem nunca falhar.

Era uma beleza ...

 

Fonte: Por Serras e Vales do Espírito Santo – A epopéia das Tropas e dos Tropeiros, 1989
Autor: Ormando Moraes
Acervo: Edward Athayde D’ Alcantara
Compilação: Walter de Aguiar Filho, abril/2016

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