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Linguajar do tropeiro – Por Ormando Moraes

Tropa em frente a uma casa comercial em Santa Leopoldina, na década de 20

Por influência do mineiro, que colonizou grande parte do interior do Espírito Santo, a palavra mais usada por nossos tropeiros em todas as ocasiões, era a interjeição uai. Seu linguajar era carregado e curto, próprio do habitante das zonas serranas, confinado entre as montanhas muito próximas, o qual não necessita tom de voz exagerado como o homem das planícies. Eis, a seguir, alguns exemplos desse linguajar, pela palavra de José Pretinho, grande tropeiro da região de Santa Leopoldina, dirigindo-se aos seus animais:

— Parai, Boneca, deixa eu primeiro acochar a barrigueira deste burro de coice. — E logo a seguir:

— Se manda, mula ruana, pisa no chão com força, pisa, pisa, que a ferradura guenta, Uai!...

— Simbora, Boneca, sinão meto o reio nos quarto. Mula bem ferrada vale por duas. Uai!...

E dava com o relho nas pernas da mula, batendo devagar, mais para espantar que para castigar o animal.

Como em outras regiões do País, os muares tiveram muita influência na cultura interiorana do Espírito Santo, de sorte que aqui se conhecem, também, muitos provérbios e expressões relativos a burros, mulas e bestas, como a seguir exemplificamos: (3)

Provérbios

— Burro velho não pega marcha.

— Quando um burro fala, o outro murcha a orelha.

— Do homem é o errar, da besta o teimar.

— Amarra-se o burro à vontade do dono.

— Filho de burro pode ser lindo, mas um dia dá coice.

— Boas idéias e burro manco chegam sempre atrasados.

— Não se deve facilitar com dianteira de padre e traseira de burro.

Expressões

— Deixa de ser besta.

— Não seja burro.

— É uma besta quadrada.

— Ficou bestificado.

— Deu com os burros n'água.

— Pai-dos-burros.

— Cara de burro quando foge.

— Teimoso como uma mula.

— Fulano desembestou.

— Ele está emburrado.

— Tem caveira de burro.

— Cagou na retranca.

— Eleitor de cabresto.

Quanto a nomes dos animais, os mais citados por pessoas que trabalharam com tropas são os seguintes:

Burros

Sergipe

Dourado

Rojão

Marreco

Pincel

Ouro

Fino

Mimoso

Penacho

Rodeio

Marinheiro

Almofadinha

Maquinista

Sorriso

 

Mulas

 

Jandira

Baiana

Morena

Cigana

Japonesa

Tetéia

Sucena

Minerva

Borboleta

Boneca

Falua

Baronesa

Perfume da Serra

A respeito de animais com estes nomes, contam-se algumas curiosidades. Fiorino Puppim diz que um burro seu, denominado Almofadinha, não aceitava, de forma alguma, carregar grades de bebidas ou caixa de querosene em latas: pulava até jogar tudo no chão, e que um outro, de nome Maquinista, não admitia que branco segurasse seu pé para receber a ferradura. Só preto podia fazê-lo.

De sua parte, José Pretinho informa ter conhecido uma mula de guia, chamada Baronesa, muito desconfiada, mas boa de serviço, que só andava de cabeça virada para o lado e abria as porteiras que encontrava.

Avelino Perin, o Cebolão, também conta um caso muito interessante, envolvendo a mula chamada Jandira (um encanto de nome feminino), guia da tropa de seu pai Taciano Perim, apelido Capitão, fazendeiro nos Alpes.

Certa ocasião, apareceu na Fazenda, a caminho de Castelo, em viagem extra, visto estar fora de seus roteiros habituais, uma tropa conduzindo uma mudança de família, vinda de Santa Leopoldina. Era uma tropa linda, de animais muito bem tratados e equipados, cuja mula de guia levava um peitoral com oito cincerros grandes, de metal amarelo e prata, importados diretamente da Alemanha, muito superiores aos locais de 6 cincerros Pequenos e fazendo uma barulhada que chamava a atenção.

Capitão se entusiasmou pelo peitoral e tentou comprá-lo ali mesmo, sem nada conseguir, mas não desanimou e disse ao filho:

— É bobo, vou comprar aquele peitoral de qualquer jeito.

E foi para Povoação, primeiro pouso da tropa de Santa Leopoldina, e conseguiu o que desejava, naturalmente pagando alto seu capricho.

— Taqui, bobo; comprei o peitoral, bobo — disse, na volta.

Mas, quando colocou o peitoral em sua linda mula de guia, a Jandira, que, por azar, estava carregada com 8 arrobas de café, estranhou o som mais forte a estridente dos cincerros: "made in Germany", saiu pulando desembestada e rolou morro abaixo, sob a gritaria assustada dos presentes. Para felicidade geral, a linda e irrequieta Jandira nem se machucou e acabou se acostumando com os novos cincerros.

Finalmente, sobre um burro chamado Pincel, da fazenda Mutrapeba, em Timbuí, há uma página muito bonita do professor Aylton Rocha Bermudes, da qual se destacam os seguintes trechos: —

Era um burro novo, forte, bem proporcionado e manso. Chegou uma tarde, com a tropa que voltava carregada da vila, onde meu pai o havia comprado de um muladeiro. Desde os primeiros dias, chamou a atenção por sua docilidade e porque tanto servia para carga quanto para sela. Quinze, vinte anos, serviu bem e constantemente, ora no lote, ora sozinho, carregando cargas pesadas e incômodas.

Naquele tempo, o burro era, na roça, o principal meio de transporte, já que o carro de bois só era usado por proprietários de maiores recursos. ..................................

Qualquer um podia "labutar" com Pincel, pegá-lo facilmente no pasto, pôr-lhe a cangalha, montar e arrumar a carga em cima. Os meninos lhe trepavam na anca e se divertiam passando por baixo dele. E lá ia ele, prestativo e lépido, pelos longos caminhos, as mais das vezes estreitos, cheios de buracos, íngremes, à beira de precipícios que ele ladeava, cauteloso e seguro, levando enormes fardos.

............................... 

Foi um burro querido e elogiado para lhe darem sempre mais serviço, pois que estava sempre à mão.

Nem lerdo, nem sestroso, nunca estava magro, aguado ou doente.

.................................

É bom que eu não saiba como ele findou. Sua figura válida, esbelta, quase intemporal resiste na minha memória e simboliza a bondade dos que vivem para servir sem esperar recompensa.

 

Nota (3):  O FOLCLORE DAS TROPAS, TROPEIROS E CARGUEIROS NO VALE DO PARAÍBA - Maia, Tom e Tereza Regina - Funarte - Rio - 1980.

 

Fonte: Por Serras e Vales do Espírito Santo – A epopéia das Tropas e dos Tropeiros, 1989
Autor: Ormando Moraes
Acervo: Edward Athayde D’ Alcantara
Compilação: Walter de Aguiar Filho, abril/2016

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