Minha FICHA - Por Eurico Resende
Sempre admiti, baseado em fatos concretos, que, a partir de certo momento do primeiro governo revolucionário, não tinha a estabilidade da simpatia do "Sistema".
Menciono alguns episódios que me levavam àquela forte impressão e, depois, à certeza absoluta.
ASSISTÊNCIA A UM "CASSADO"
Logo no início do governo revolucionário, na relação dos primeiros cassados, estava um capixaba - o jornalista D'Alembert Jaccoud, que se havia asilado na embaixada da Iugoslávia ou da Tchecoslováquia. Fui levar-lhe minha solidariedade de co-estaduano. Ele me recebeu cordialmente. Aconselhei o jornalista a não embarcar para o exterior, advertindo-o de que a ida seria rápida mas a volta, imprevisível. Perguntou-me se seria preso. Respondi-lhe que possivelmente sim e que não sendo acusado de corrupção, porque corrupto não era, sua detenção teria caráter meramente político. Prometi-lhe conseguir do Ministro da Justiça, o saudoso Senador Milton Campos, as garantias necessárias, não só à abreviação do inquérito, como ao resguardo de sua dignidade pessoal durante o período da detenção. D'Alembert terminou por aquiescer e deixou a Embaixada, sendo recolhido a um quartel militar em Brasília. Logo em seguida, o general La Roque — um dos "homens fortes" da Revolução na Capital da República - quis tomar o apartamento que o meu coestaduano, com a família, ocupava. Fui a ele formular apelo no sentido de não concretizar o despejo, que, naturalmente, seria uma operação de violência. Respondeu pela negativa, dizendo-me que "comunista" não tem direito de morar em apartamento do Governo. Diante de tal intransigência, fui ao Ministro Milton Campos. O certo é que pouco tempo depois o jornalista foi liberado e continuou a morar no imóvel, que, mais tarde, seria de sua propriedade.
CONTRA A INTERVENÇÃO EM GOIÁS
Ainda em plena "varredura", o Presidente Castello Branco enviou ao Congresso mensagem relativa à intervenção no Estado de Goiás, cujo Governador era o atual Senador Mauro Borges. No Senado, examinei o processo. Não havia prova dos fatos motivadores da medida extrema.
Procurei o meu líder, o admirável Senador Daniel Krieger, e lhe disse que não poderia acatar a mensagem, pois não ficara evidenciada qualquer responsabilidade do Governador. Assim, não estavam atendidos os requisitos autorizativos da intervenção. Minha recusa foi objeto de comentários. Esteve, então, em meu gabinete, o Senador Benedito Valadares, procurando induzir-me a modificar minha posição.
Argumentou que a medida era de política revolucionária e que sua adoção independia de maiores indagações.
Respondi-lhe que restara indemonstrada qualquer ilicitude no caso e lembrei ao tradicional político mineiro uma passagem: logo que as forças revolucionárias começaram a se movimentar em Minas Gerais, elementos radicais do Governo Federal passaram a ameaçar o Congresso. Senadores e Deputados da UDN eram o alvo principal de agressões verbais. Constava até que estavam sendo armados "voluntários", no Teatro Nacional, prontos para invadir o prédio do Parlamento. A sensação de insegurança era total. De repente, o indomável Moura Andrade, Presidente do Senado, convocou vários parlamentares, inclusive eu, ao seu gabinete. Lá estavam dois emissários oficiais do Governador Mauro Borges — o seu chefe da Casa Militar e o Senador José Feliciano. O Governador, quando poucos acreditavam no êxito do movimento revolucionário, se propunha transformar Goiânia na sede do Congresso Nacional, dando-lhe todas as garantias de funcionamento bem como aos seus membros, que lá poderiam ser acomodados residencialmente, até que se encerrasse a grave crise.
O meu interlocutor, mesmo diante dessas explicações de ordem jurídica e ética, insistiu. Mas mantive a recusa. Nesse mesmo dia, o Presidente Castello Branco convocou-me ao Palácio do Planalto. Disse-me que a situação em Goiás justificava a intervenção e me contou certas particularidades e detalhes, que não devo revelar, pois percebi que o ilustre Chefe do Governo os colocava naturalmente, em termos de confidencialidade. Nosso contate foi relativamente demorado. Expus a S. Exa minhas razões. Ao fim da audiência, o Presidente me disse que talvez eu fosse procurado por alguém, que me prestaria informações, não contidas na mensagem intervencionista, sobre a situação naquele Estado. Ninguém me procurou.
Devo esclarecer que não foram apenas o gesto do injustiçado Governador de Goiás e, a meu ver, a ausência de pressupostos constitucionais que marcaram minha posição.
Ao adotá-lo, rendi respeito, também, ao Poder Judiciário, que antes, fora chamado a opinar sobre o doloroso evento.
Tão logo se tornou vitorioso o Movimento de Março, adversários políticos do Governo Mauro Borges, tendo à frente líderes de meu partido — a UDN — passaram a empenhar-se em sua "degola".
A acirrada campanha consegui atrair a atenção e, finalmente, o apoio do Comando Militar da região. Várias acusações foram levantadas contra o governo local, em torno, sobretudo, de alegados atos de subversão.
Em consequência, o general Hugo Panasco Alvim, no uso de atribuições que lhe foram cometidas pelo Comando Supremo da Revolução, determinou "a abertura de inquérito policial-militar no Estado de Goiás e incumbiu da missão o senhor tenente Coronel Geraldo Figueiredo de Castro" (Delegação de Poderes n° 684, de 21 de agosto de 1964), o qual veio a ser substituído pelo general Riograndino Kruel, com "poderes para apurar os fatos e as devidas responsabilidades de todos aqueles que, na área do Estado de Goiás, tenham desenvolvido atividades capituláveis nas leis que definem os crimes militares e os crimes contra o Estado e a ordem política e social." (Delegação de Poderes n° 712, 29 de setembro de 1964.)
O general Riograndino Kruel exercia, na época, o cargo de diretor do Departamento Federal de Segurança Pública e Chefe de Polícia de Brasília.
O IPM desenvolveu-se com celeridade.
Já em 12 de novembro de 1964, o seu encarregado o enviava, concluído, ao encarregado-geral, que, por sua vez, no dia imediato, remeteu seus doze volumes à Auditoria da 4ª Região Militar, com este despacho:
"Pela conclusão das averiguações policiais que mandei proceder, verifica-se que os fatos apurados constituem crime contra o Estado e a ordem política e social previsto na Lei n° 1.802, de 5 de janeiro de 1853, da competência das Justiças Militar e Comum. Determino, pois, sejam estes autos remetidos, com possível urgência, ao Excelentíssimo Senhor Auditor da Auditoria da 4ª R. M, para fins de direito."
Segundo amplo noticiário da imprensa, ao enviar os autos ao encarregado-geral, o general Riograndiono Kruel declarou que estava iminente a prisão preventiva do Governador Mauro Borges. Estas declarações foram, de logo, retificadas pelo citado militar, em nota oficial, na qual, porém, se continha este sintomático trecho:
"II — na ocasião, afirmou aos jornalistas que, a partir daquele ato, toda e qualquer decisão em torno do assunto seria tomada por iniciativa do Promotor da quarta Auditoria, a quem caberia o julgamento da necessidade do pedido de prisão preventiva do Governador do Estado de Goiás e dos demais indiciados no Inquérito".
Diante desses fatos, o Governador Mauro Borges impetrou ordem de habeas corpus preventiva perante o Supremo Tribunal Federal.
Aduziu uma série de argumentos, caracterizando a coação ilegal a que estava sendo submetido, dentre os quais a incompetência da Justiça Militar para julgá-lo, pois "os atos que o IPM classifica de criminosos, não podem ser apreciados por nenhuma autoridade do país, a não ser a Assembleia Legislativa e o Tribunal do Estado, únicos órgãos competentes para tomar deles conhecimento e impor as sanções adequadas, se for o caso".
Esta argumentação foi respaldada no art. 40 da Constituição do Estado de Goiás — a seu turno em consonância com a Carta Federal — o qual dispunha:
"Art. 40. O Governador do Estado será submetido a processo e julgamento, nos crimes de responsabilidade perante o Tribunal de Justiça, depois de declarada a procedência da acusação por maioria absoluta da Assembleia Legislativa.
Parágrafo primeiro. Compete à Assembleia Legislativa, nos crimes comuns, declarar a procedência, ou não, da acusação, concedendo ou negando a licença para o processo e julgamento do Governador.
Parágrafo segundo. Declarada procedente a acusação, ficará o Governador suspenso de suas funções."
Em consequência, o chefe do Executivo goiano tinha, a seu favor, foro especial, o que lhe estava sendo negado.
O pedido de "habeas corpus" foi deferido por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal, em longo acórdão conduzido pelo voto do Relator, o saudoso Ministro Gonçalves de Oliveira (STF — Petição de habeas corpus n° 41.296 — DF. — Julgado em 23-11-1964).
Impedida, assim, por incensurável decisão judicial, a deposição do Governador Mauro Borges, buscou-se outro caminho: a intervenção federal.
Como disse anteriormente, não encontrei na mensagem presidencial a consistência fática necessária para merecer o meu apoio. Vê-se, claramente, que o ato de intervenção fora baseado exclusivamente nos elementos colhidos pelo IPM.
Nesse inquérito policial-militar impressionou-me vivamente um fato indesmentível.
A autoridade processante encaminhou os seus "doze" volumes ao encarregado-geral num dia e, apenas vinte e quatro horas depois, este já indiciava o Governador Mauro Borges como criminoso.
Ora, qualquer pessoa com o mínimo propósito de fazer justiça não pode aceitar como suficiente o decurso de tão poucas horas para decidir do destino de seu semelhante e, no caso, da autonomia de um Estado.
Devo confessar que emprestei sempre minha solidariedade a muitas medidas adotadas pelos governos iniciados após o Movimento de Março porque se justificavam pelas suas peculiaridades revolucionárias e necessidade em favor do país, que emergia de longa anarquia.
Mas jamais transigi no que diz respeito aos direitos e garantias individuais, em virtude de minha formação jurídica e liberal. Ademais, cumpre a todos ficarmos atentos à imortal advertência de Ruy Barbosa:
"Quando as leis cessam de proteger nossos adversários, virtualmente cessam de proteger-nos."
De posse de todos os argumentos aqui expostos, eu disse aos Senadores Daniel Krieger e Benedito Valadares que iria votar contra a intervenção. Pouco antes da sessão em que a questão seria examinada, fui alvo do "cerco" de alguns colegas, a me pedirem para, pelo menos, não comparecer ao Plenário. Devo ressaltar que o Senador Krieger, como é do seu feitio, não me pressionou em momento algum.
Não só compareci, como votei contra. ("DCN" — Seção II — 1-12-64 — pág. 5.307.)
Aliás, fui o único Senador da bancada governista a ter essa atitude e a explicitar esse voto.
Lembro-me do abraço emocionado que recebi do Senador Pedro Ludovico, pai do Governador Mauro Borges, logo após proferir o meu "não" à vontade presidencial.
CONTRA UMA ARBITRARIEDADE
Era maio de 1964. No começo, portanto, do processo revolucionário, em todo o seu ímpeto. Como em todos os Estados, foi instalada, no Espírito Santo, a Comissão de Aplicação do Ato Institucional. Seu presidente era o coronel Sílvio Torres. O jornal "A Gazeta" havia publicado uma notícia criticando o Governo do Estado. Surpreendentemente, a referida Comissão fez publicar um edital, intimando o Diretor daquele matutino para, "dentro de 48 horas, fazer apresentar o responsável pela referida publicação". Tratava-se, sem dúvida, de uma violência.
Procurei imediatamente o Governador, solicitando a ele que tomasse uma providência, de modo a fazer cessar o ato arbitrário. S. Exa, porém, respondeu-me que o assunto era de natureza revolucionária e que nele não se envolveria.
A consciência jurídica impulsionou-me para a reação. E a condição de homem público, sobretudo de representante do meu Estado, conduziu-me a protestar. E a fazê-lo logo no início dos trabalhos da mencionada Comissão e em cima do seu primeiro abuso, como medida preventiva, para evitar que outras agressões surgissem.
Compareci à direção do jornal e este, sob a manchete de primeira página — EURICO CONDENA ATO CONTRA A Gazeta — estampou minhas declarações:
"O Senador Eurico Rezende não tem escondido a sua estupefação frente ao edital, recentemente baixado pela Comissão Aplicadora do Ato Institucional, pelo qual se intimou o Diretor deste jornal a tomar providências no sentido de se apresentar àquele órgão o redator de uma notícia divulgada. Acha o representante capixaba que "o primeiro ato da Comissão levado para as colunas dos jornais foi infeliz e violador da lei", acrescentando que se trata de um abuso de poder, "que a consciência jurídica repele e que a opinião pública recebe com sérias preocupações, senão mesmo alarmada". Acha o Sr. Enrico Rezende que, se porventura, houve da parte deste matutino algum delito ou infração, o recurso reparador não é o que foi adotado, mas, sim, a aplicação dos meios claramente previstos na Lei de Imprensa, ainda em pleno vigor. Por isso, enfatizou o Senador espírito-santense que "a Comissão começou mal suas atividades e deve, quanto antes, mudar de orientação, calcada na energia serena." (A Gazeta — Vitória — ES — 15-5-1964.)
Ao leitor pouco atento poderá parecer estranha a qualificação de "abuso de poder” e de "ilegalidade" que dei à atitude da Comissão, já que estava em plena vigência o Ato Institucional nº 1. Não existe qualquer razão para estranheza, porque:
a) a Comissão foi criada exclusivamente para apurar atos de subversão e corrupção no serviço público do Estado;
b) o AI-1 não suspendeu a vigência da Lei de Imprensa.
Em consequência, critiquei o gesto cesarista e solidarizei-me com a vítima da violência.
O coronel Sílvio Torres, diante da pública censura que lhe fiz, tomou-se de ódio para comigo e passou a investigar minha vida pregressa, tentando, em vão, encontrar base para vingar-se. Chegou a conversar com várias pessoas, entre as quais o Dr. Hélio Leal. Procurador-Geral do Estado. Mas as informações a meu respeito não satisfaziam aos seus deletérios apetites. Algum tempo depois, o aludido militar foi designado chefe do SNI no Espírito Santo. É fácil imaginar que voltei a ser inquilino de suas preocupações.
PIORANDO A SITUAÇÃO
Antes de iniciar-se o processo de impeachment do Governador (rejeitado pela Assembleia), o comandante do 3º Batalhão de Caçadores me havia acusado de ter "desmoralizado o Exército", fazendo cessar uma operação militar em Cachoeiro de Itapemirim (ES). Resumo aqui o que, realmente, aconteceu.
Numa noite, estando em minha residência, em Brasília, recebi telefonema do Dr. José Pessoa da Silva, advogado do Grupo João Santos, que tem, naquela cidade, uma fábrica de cimento ("Ouro Branco"). Transmitia-me a notícia de que a fábrica estava ocupada por militares do 3° Batalhão de Caçadores e que o seu superintendente, João Santos Filho, estava detido no seu interior. Pediu-me para transmitir a ocorrência ao Marechal Cordeiro de Farias, Ministro do Interior no Governo Castelo Branco, imediatamente o fiz. No dia seguinte, verificou-se a desocupação militar da fábrica, que fora, assim, alvo de um ato arbitrário e desnecessário.
PROCURANDO ESCLARECER
Consoante vai narrado em páginas seguintes, o processo de impeachment deflagrado na Assembleia Legislativa serviu de oportunidade para um procedimento hostil contra mim, da parte de oficiais do 3º B.C. A princípio não dei grande importância, porque nem a memória nem a consciência me acusavam de haver praticado qualquer ilicitude — patrimônio que deixo para a minha família, paraninfado pela coerência na minha carreira política e pela austeridade na vida pública. Quando, porém, várias pessoas, dentre as quais a repórter Osdiva Bruzzi Conti, passaram a me dizer que algumas notícias desairosas à minha pessoa, divulgadas na imprensa de Vitória, tinham origem naquele Quartel, senti-me na obrigação moral de identificar a fonte poluente.
Na presença do Major Harry de Freitas Barcelos, tive um contato pessoal com o coronel comandante da referida Unidade, o qual negou que as informações absorvidas pelos jornais tivessem partido de sua jurisdição, o que não era verdade, pois fatos posteriores, devidamente apurados por mim, indicaram que era ali mesmo que estava instalada a oficina do revanchismo.
A partir dessa constatação, não me restou outra alternativa senão enfrentar a situação e considerar aqueles militares meus inimigos.
AO LADO DO COMPANHEIRO
Minha imagem junto ao comandante do antigo 3° Batalhão de Caçadores, sediado no Espírito Santo, e a alguns de seus oficiais era, como se viu, a pior possível. Esses militares estavam fazendo, a princípio, veladas, e, em seguida, ostensivas pressões para que a Assembleia Legislativa decretasse, em 1965, o "impeachment" do Governador Francisco Lacerda de Aguiar, meu companheiro de campanha eleitoral, em 1962, quando ambos nos elegemos, a mim cabendo o mandato de Senador.
Coloquei-me contra aquela intromissão e o fiz de maneira clara e pública, demonstrando o sentimento de companheirismo para com o correligionário em sofrimento, quando muitos o abandonavam, e cumprindo o dever de enfrentar e combater a prepotência. E levei a tarefa até o fim. Ostensivamente, no Palácio e na Assembleia Legislativa, acompanhei todo o desenrolar do episódio, que teve ampla repercussão na imprensa do País.
Logo no início da verdadeira odisseia que armaram contra o meu correligionário — Dr. Chiquinho, como era chamado por todos — entrei em campo, pois haviam chegado à Assembleia Legislativa algumas peças de um IPM, para averiguar quem, no Espírito Santo, tinha financiado a ida de representantes a um congresso estudantil, realizado em São Paulo.
Naqueles papéis, onde só existiam indícios não consistentes, eram apontados atos de alegada corrupção no Governo Lacerda de Aguiar. Mas a Oposição já estava municiada, ou se preparava para fazê-lo, de elementos que considerava suficientes para a incriminação.
Com o passar dos dias, o "cerco" foi-se tornando intenso e sem solução de continuidade contra o Governador.
Manchetes e amplas notícias se alargavam cada vez mais terminando por provocar o frequente noticiário dos grandes jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo, de permeio com as vozes do rádio.
A opinião pública voltada para o desenrolar dos acontecimentos, a máquina administrativa praticamente parada, a agitação na Assembleia Legislativa, a sofreguidão quanto ao desate da questão, os comentários, alguns discretos, outros veementes, em virtude da pressão militar e uma absoluta sensação de intranquilidade — eis o quadro político e emocional que dominava toda a geografia do meu Estado.
Logo nos primeiros dias da grande crise, fui para Vitória e dirigi-me ao Palácio Anchieta, ficando ao lado do Governador, com algumas interrupções indispensáveis à minha presença em Brasília.
A ele dei minha solidariedade moral. No Palácio estávamos sempre, dentre outros poucos, os Deputados Adalberto Simão Nader, Mário Gurgel, Hélsio Cordeiro, Feu Rosa, Vicente Silveira, Lúcio Merçon, Setembrino Pelissari, e eu. Os dois últimos entregamo-nos à tarefa de assessoramento técnico e, também, reunindo e coordenando elementos de defesa.
A partir daí, o comandante do Terceiro Batalhão de Caçadores e alguns oficiais reativaram, com maior intensidade, seu propósito de vindita contra mim, enviando informações capciosas ou deturpadas sobre minha conduta aos jornais, no que eram ajudados por serviçais, que, via de regra, não deixam de surgir nessas ocasiões. Mas a cada acusação ou insinuação malévola eu, de pronto, oferecia resposta cabal.
Nesse diapasão e nesse ritmo, a controvérsia se desenvolvia.
Notando que as pressões estavam surtindo efeito, através de prisões e intimação de secretários de Estado para depoimento no quartel daquela Unidade, procurei o Ministro da Justiça que, se não me falha a memória, já era outro, o Senador Mem de Sá. Narrei-lhe a situação com fidelidade absoluta. Como resultado dessa providência, dias depois desembarcava em Vitória o coronel Dilermando Gomes Monteiro, do Gabinete Militar da Presidência da República, como enviado especial do Presidente Castelo Branco. O efeito não demorou: a cautela, a isenção e a imparcialidade do emissário federal modificaram bastante, senão totalmente, o conturbado quadro reinante. A desenvoltura incoercível com que agiam aqueles militares cessou e até mesmo — segundo depoimento de alguns observadores — foi substituída por restrições ao persuasivo e hábil modo de proceder do coronel Dilermando Gomes Monteiro.
Cessada a intromissão, que tanto traumatismo causava, procurou-se uma solução negociada para a pendência.
Embora nada tivesse ficado provado, no inquérito instaurado na Assembleia Legislativa, contra a honra pessoal do Governador Lacerda de Aguiar, este, em virtude da exasperação emocional formada, não mais tinha condições políticas para governar.
Após entendimento com o emissário do Presidente Castelo Branco, passei a coordenar a renúncia do Chefe de Executivo, uma das missões mais delicadas e constrangedoras de minha vida de homem público. Minha lealdade, porém, ao sofrido companheiro facilitou-me a tarefa.
A Assembleia Legislativa reuniu-se e rejeitou o pedido de impeachment, absolvendo, assim, o Governador de todas as acusações contra ele formuladas. Em consequência, redigido por mim, o ofício-renúncia foi apresentado.
Esclareça-se que os referidos militares do 3º B. C. não aceitaram tranquilamente a fórmula encontrada, pois o que desejavam era a cassação do mandato do Dr. Francisco Lacerda de Aguiar e o confisco de seus bens.
Apesar de tudo combinado e assentado, o Governador, antes da posse do Vice, retirou, por via judicial, a sua manifestação de renúncia, como sinal de protesto, ao que me parece. Mas a saída do alto cargo terminou se verificando, desaparecendo qualquer turbulência, efetuando-se a sucessão na forma constitucional.
Mais tarde, todavia, o comandante do 3º B. C. pediu e conseguiu uma "recompensa": a cassação do Deputado Hélsio Cordeiro.
O combativo parlamentar, não suportando o comportamento arbitrário daquela autoridade, havia corajosamente, durante o episódio da tentativa de "impeachment" do Governo Lacerda de Aguiar, em termos de desafio, feito contra ele contundente discurso. Não se tratava nem de subversão nem de corrupção. Era apenas vingança pessoal.
UMA "VIA CRUCIS"
Todo esse período custou-me e à minha família sérios dissabores, meses a fio, pois, além de forjar falsidades, o referido núcleo militar tentou conseguir a cassação de meu mandato e a suspensão de meus direitos políticos.
A "via crucis" que tive de percorrer está estampada, principalmente, nos jornais da época: A Gazeta, "A Tribuna" e O Diário. Mas — repita-se — neles, igualmente, a cada assacadilha feita, figurava a minha resposta, vigorosa, cabal e convincente, com a pontualidade da vigília e a assiduidade do destemor.
A ESTE EXTREMO
Quando já se esperava a batalha do impeachment, adversários políticos (excluo aqui os militares, porque não chegariam a tanto) resolveram, através do anonimato e da falsidade — verdadeiros eunucos (também com a coragem castrada) — espalhar boatos e até mesmo a enviar cartas à imprensa, como se fossem de minha autoria, com o propósito de me incompatibilizar com o Governador Francisco Lacerda de Aguiar e, assim, por meio dessas manobras, retirar-me do dever de defender aquele saudoso companheiro, que era a "coqueluche" sentimental do povo.
Fonte: Memórias – Eurico Rezende– Senado Federal, 1988
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2018
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