O Ensino e a primeira biblioteca pública do ES
Criado em 1843, só a vinte e cinco de abril de 1854 foi instalado o Liceu da Vitória, do qual se esperava “muita utilidade, pois aí poderia a mocidade habilitar-se com os principais estudos exigidos nas academias do Império”.(30)
Impressiona e comove o volume da correspondência expedida pela Administração espírito-santense para o governo central, no decorrer da segunda metade do século passado. Ela traduz o anseio do povo em busca do aprimoramento intelectual da mocidade, incentivando os governantes a procurarem solução para o problema crônico de todo o Brasil. Mas reflete, também, o obstinado empenho do imperador em divulgar a instrução por todas as classes da coletividade nacional.
Na província, a carência de mestres era justificada pela “pobreza de pessoal e a insignificância dos ordenados com que são gratificados os Professores Públicos – obstáculo permanente ao melhoramento deste tão importante ramo da Administração”.(31)
Mas existiam outros motivos relevantes, além daquele outro, para explicar quadro tão constrangedor. Costa Pereira enumerou e, corajosamente, explicou: “Grande extensão de território e faltas de vias de comunicação que impedem a freqüência de muitos alunos a quem por serem pobres falecem meios de transporte ou de se estabelecerem perto das escolas. Preconceitos arraigados na população, pouco ou nenhum apreço que muita gente das classes menos cultas dá à instrução considerando-a como inútil para haver subsistência e abastança. Pobreza de grande parte da população o que leva os pais a distraírem muitas vezes seus filhos da escola para empregá-los como auxiliares no serviço de que subsistem especialmente na ocasião das colheitas. Falta de inspeção ativa, constante e vigorosa”.(32)
A obstinação geral, porém, ia conseguindo o provimento das cadeiras; a instalação de novas escolas; a ampliação do número de matrículas;(33) a implantação do ensino secundário;(34) de aulas noturnas,(35) inclusive para adultos,(36) escola normal.(37)
Em 1873, ao ensejo da inauguração de “um liceu gratuito de humanidades” – iniciativa da Sociedade Beneficente União e Progresso – Vitória conheceu momentos de intensa vibração patriótica, tudo culminando com a entrega de cartas de liberdade a três escravos, gesto aplaudido de D. Josefa Souto Pinho e Jacinto Escobar de Araújo. Declinando-lhes os nomes, o presente reverencia a sensibilidade de quem soube ligar um gesto fraterno a evento cívico tão expressivo, qual seja a abertura de uma escola pública.(38)
A primeira biblioteca pública foi aberta a dezesseis de julho de 1855.(39) Lamentavelmente, teve curta existência, pois, em 1872, “mui limitado número de livros e todos roídos da traça e inutilizados” jaziam “por imprestáveis atirados a um canto de uma sala na Secretaria do Governo”. (VIII)
Em 1852, o presidente Nascentes de Azambuja dava as seguintes informações ao ministro do Império: “Nesta Província não há nenhuma associação literária, nem periódico literário e científico, nem se publicam obras algumas”,(40) acrescidas, em 1856, de outras do barão de Itapemirim: “Não há jardins botânicos, nem teatros nem museus”.(41)
NOTAS
(30) - Relatório com que o exmo. sr. dr. Sebastião Machado Nunes, presidente da província do Espírito Santo, abriu a sessão ordinária da respectiva Assembléia Legislativa no dia vinte e cinco de maio do corrente ano. Vitória – 1854.
(31) - “Instrução publica – A pobreza de pessoal e a insignificância dos ordenados com que são gratificados os Professores Públicos, são um obstáculo permanente ao melhoramento deste tão importante ramo da Administração Provincial: seu estado pois não é satisfatório, e V. Exa., encontrará bem descrito no já citado Relatório. Devo entretanto declarar que todas as Escolas de primeiras Letras se acham providas à exceção de duas, que são as de Piúma e Jacaraípe, como se vê da relação n.º 3. A Lei Provincial n.º 6 de dois de Julho de 1853 criou uma aula de Latim na Vila da Serra, e outra na de Benevente; a primeira acha-se provida de Professor, que começou a regê-la em data de primeiro de Dezembro próximo passado; e a outra mandei já pôr a concurso. Pela Lei n.º 4, de vinte e quatro de Julho de 1843, e vigorada pela Lei n.º 4 de 24 de Julho de 1853, foi também criado nesta Capital um Liceu que até agora não pôde ainda ser instalado” (Do ofício de quatro de fevereiro de 1854, do barão de Itapemirim, ao dr. Sebastião Machado [cópia] – aquele 1.º vice-presidente, este presidente, quando da posse do último, in Pres ES, VII, 275).
(32) - Ofício ao ministro do Império, de vinte e seis de janeiro de 1863, in Pres ES, X
(33) - Documentação de excepcional valor para a História da educação na província, recolhida nos Códices Prov ES (I JJ9 363-75) do AN, está coligida nas notas VIII e IX, no fim deste capítulo.
(34) - “O ensino secundário obteve algum melhoramento em o ano passado com a instalação do Liceu da Vitória, onde se ensina atualmente Filosofia Racional e Moral, Retórica, Latim, Francês, Geografia e História, Geometria e Aritmética, e Música. Este estabelecimento, data apenas do ano passado; e por este motivo não pôde ainda produzir os frutos, que com razão se deve dele esperar. No fim do ano foram examinados e aprovados três estudantes em Filosofia, 8 em Latim, 3 em Aritmética e Geometria, e um em Francês. As aulas foram freqüentadas por 61 estudantes” (Do ofício de vinte e quatro de fevereiro de 1855, do presidente da província ao ministro do Império, in Pres ES, VIII, 335).
(35) - Primeira aula noturna – O Correio da Vitória, de vinte e três de abril de 1872, anunciando o evento, escrevia: “No dia 21 do corrente, à noite, teve lugar em uma das salas do colégio Espírito Santo, a inauguração de primeira aula noturna, desta província, cujo professor é o Sr. José Francisco de Lélis Horta, que gratuitamente se prestou a ensinar os seus comprovincianos. [...] Estão já matriculados 33 alunos, e muitos outros ainda se matricularão e dentre eles um criado de S. Exa. o Sr. Presidente, natural do Paraguai.”
– Ofício de vinte e quatro de maio de 1872 do presidente do Espírito Santo ao ministro do Império comunicava ter sido inaugurada, a dezenove daquele mês, em Vitória, “a aula noturna de francês para adultos dirigida pelo Dr. Manoel Goulart de Souza” (Pres ES, XIII, 132).
(36) - Ofício do presidente do Espírito Santo ao ministro do Império, de quatro de abril de 1872, in Pres ES, XIII, 83.
(37) - Em 1874, a Inspetoria Geral da Instrução Pública da província dava notícia da existência, no Espírito Santo, do Ateneu Provincial, do Colégio de N. S. da Penha e da Escola Normal (documento junto ao ofício de vinte e quatro de outubro daquele ano, do vice-presidente da província ao ministro do Império, in Pres ES, XIV).
(38) - “Tenho a honra de levar ao conhecimento de V. Exa. que a Sociedade Beneficente União e Progresso acaba de fundar nesta Capital um liceu gratuito de humanidades, em cujas diversas aulas que já funcionam acham-se matriculados para mais de noventa alunos, e igualmente uma Biblioteca popular já franqueada ao público, contando para mais de mil e duzentos volumes e todos oferecidos por particulares. Estas instituições que auguram próspero futuro à Província, são devidas aos esforços do Diretor daquela sociedade, o Engenheiro Doutor Miguel Maria de Noronha Feital, que assim prestou relevantíssimo serviço à causa da instrução popular.
De minha parte auxiliei-o o quanto em mim esteve, no sentido de não só de facilitar a execução de tão proveitosa idéia, como de dar todo o esplendor ao ato da inauguração destes importantes estabelecimentos, que são verdadeiros e poderosos incentivos a maiores cometimentos.
Folgo ainda registrar, que, em seguida à inauguração tive a satisfação de entregar três cartas de liberdade, concedidas em regozijo ao ato e para maior realce da festa, uma pelo cidadão Jacinto Escobar de Araújo, e duas por uma respeitável Sra. D. Josefa Souto Pinho” (Do ofício de João Tomé da Silva, presidente do Espírito Santo, ao ministro do Império, de quinze de janeiro de 1873, in Pres ES, XIII, 317-7v).
(39) - “Teve lugar hoje a abertura da Biblioteca pública desta Cidade em uma das salas do Palácio, contígua à Administração do correio, a qual foi para este fim preparada. Faço votos para que este estabelecimento, cuja falta era tão sensível em uma cidade capital como esta, saia rapidamente dos seus atuais estreitos limites” (Ms do AN, I JJ9 363).
– O barão de Itapemirim, no ofício de quatro de fevereiro de 1856, endereçado ao ministro do Império, informa que “é devida sua iniciativa ao brasileiro Brás da Costa Rubim, natural desta Província, e ao ex-Presidente Dr. Sebastião Machado Nunes, que aceitou e favoreceu esta idéia”.
(40) - Ofício do presidente José Bonifácio Nascentes de Azambuja endereçado ao conselheiro Francisco Gonçalves Martins, ministro do Império, a vinte e três de agosto de 1852, in Pres ES, IX.
(41) - Ofício do barão de Itapemirim, endereçado a Luís Pedreira do Couto Ferraz, ministro do Império, a quatro de fevereiro de 1856, in Pres ES, IX.
VIII - “As aulas públicas de instrução primária são para o sexo masculino e para o sexo feminino, sendo estas de uma só classe, e aquelas divididas em duas aulas de primeira e segunda classe. Das do sexo masculino existem vinte e três de primeira classe e vinte e sete de segunda classe, e das do sexo feminino existem quatorze. Durante o ano findo estiveram em efetividade treze aulas do sexo feminino, vinte e uma de primeira classe do sexo masculino e vinte e duas de segunda classe. As aulas de primeira classe do sexo masculino foram freqüentadas por setecentos e quarenta e sete alunos, e as de segunda classe por trezentos e noventa e oito ditos.
As do sexo feminino foram freqüentadas por duzentas e trinta e quatro alunas. Nas escolas acima mencionadas vão incluídas as de primeiras letras do sexo masculino estabelecidas no Colégio ‘Espírito Santo’ e que foi freqüentada por cem alunos, e a do sexo feminino que funciona no Colégio ‘Nossa Senhora da Penha’ que foi freqüentada por trinta e duas alunas. [...] ...apenas posso informar que existem duas aulas particulares de instrução primária em dois colégios estabelecidos na Vila do Cachoeiro de Itapemirim, e uma outra na Cidade de S. Mateus todas estas aulas são para o sexo masculino. Não é sabido o numero de alunos que as freqüentam. Nenhuma delas é subvencionada pelos cofres provinciais. [...] ...tenho a dizer que há na Capital da Província dois colégios de instrução secundária sendo um para o sexo masculino com a denominação de Colégio Espírito Santo e outro para o sexo feminino com a denominação de Colégio Nossa Senhora da Penha. Ambos estes colégios estão constituídos de modo a admitir alunos internos e externos, e estiveram em efetividade durante o ano findo todas as aulas respectivas. O Colégio Espírito Santo foi freqüentado por setenta e três alunos: sendo de latim vinte e dois, de francês vinte e seis, de inglês cinco, de matemáticas elementares quatorze e de geografia quatro, de música piano e canto dez. Há ainda uma aula pública de música vocal e instrumental que funciona separadamente e que no ano findo foi freqüentada por vinte alunos. [...] ...apenas posso informar que na Vila do Cachoeiro de Itapemirim há dois Colégios particulares de instrução secundária cujo número de alunos em matérias que nele se leciona não me é dado agora precisar, constando-me que ambos admitem alunos internos e externos. [...] ...cabe-me somente lastimar a ausência absoluta de biblioteca na Província.
Outrora havia uma pequena e incompleta com uma coleção de livros que então compunha e se chamava biblioteca pública, hoje porém, apenas restam os vestígios dessa biblioteca, atestados pela existência de mui limitado número de livros e todos roídos da traça e inutilizados e por imprestáveis atirados a um canto de uma sala na Secretaria do Governo. Assim se deixou estragar o pouco material que outrora outros buscaram ajuntar na intenção de ir formando a biblioteca pública na Província” (Cópia das informações prestadas ao presidente da província Francisco Ferreira Correia por Dionísio Álvaro Resendo, diretor-geral da Instrução Pública do Espírito Santo, a cinco de fevereiro de 1872, e que acompanharam o ofício daquela mesma data do referido presidente ao ministro do Império – Pres ES, XIII, 7-8v).
– “Instrução pública
O estado da instrução pública na Província não é satisfatório bem que o Governo Provincial tenha feito grandes sacrifícios para melhorá-la.
Todavia pelo lado da freqüência dos alunos e habilitações dos professores parece que iremos melhorando graças às medidas enérgicas que julguei devia tomar.
Existem na Província criadas 48 aulas do ensino primário sendo quarenta e cinco para o sexo masculino e três para o feminino. Escolas particulares há apenas quatro sendo três para meninos e uma para meninas.
A instrução secundária que infelizmente é geralmente desdenhada na Província limita-se ao ensino do Francês, Latim, História e Geografia no Liceu da Capital e ao de Latim em cadeiras criadas na Cidade de São Mateus e vilas da Serra e de Benevente.
No ano passado sob minha indicação a Assembléia Provincial criou no Liceu uma aula especial de História e Geografia do Brasil e Língua Nacional.
A inspeção do ensino que outrora estava a cargo de um Inspetor Geral e de Inspetores municipais sem remuneração cabe hoje a cinco Inspetores de distrito que vencem ordenado de 300$ rs. anuais e de tantos Inspetores paroquiais quantas são as Freguesias da Província.
Em virtude dessa reforma e com ampla autorização da Assembléia expedi o necessário Regulamento onde como em um Código vem tudo quanto dizia respeito ao serviço do magistério esforçando-me por fazer o meu trabalho o mais minucioso e de acordo com a legislação.
Das quarenta e oito escolas públicas quarenta e duas estão providas e seis vagas. O número dos alunos que no último trimestre freqüentaram as aulas elevou-se a 1040 sendo 987 do sexo masculino e 53 do feminino e por conseguinte a mais 139 do que na ocasião em que abri a Assembléia Provincial em Maio do ano próximo passado. Este aumento deve ser atribuído: 1.º à eficácia da inspeção imediata, 2.º à notícia que os tutores e protetores dos alunos tiveram de que aqueles a quem faltassem, com a fortuna, os Socorros de seus parentes e protetores, podiam ser enviados pelo Juiz de Órfãos para a Companhia de aprendizes marinheiros instalada na Fortaleza da Barra desta Cidade.
Nos meus relatórios apresentados à Assembléia Provincial em 1861 e 1862 enunciei extensamente minha opinião a respeito das causas que atrasam o ensino nesta Província. Podem-se reduzir ao seguinte.
1.º Falta de pessoal habilitado, o que provém principalmente, já da pouca vocação para o magistério que em geral existe entre nós, já dos minguados ordenados que não chamam ao ensino os homens mais cultos e habilitados. [...]
As aulas do ensino secundário foram freqüentadas no ultimo trimestre por cinqüenta e dois alunos a saber:
No Liceu quatorze freqüentaram a aula de Latim
“ “ “ “ “ Francês
cinco “ “ “ “ História Pátria.
As três aulas de Latim fora da Capital foram pois freqüentadas apenas por dezenove alunos.
Ora, em uma população livre de quarenta mil almas é realmente de notar que apenas 52 pessoas procurem o ensino secundário. Cumprindo advertir que o número dos que se educam na Corte é limitadíssimo e que atualmente nem um natural desta Província se acha matriculado nas diversas Faculdades do império.
Contra este descuido tenho envidado todos os meus esforços, já procurando influir no ânimo dos pais já exigindo dos empregados mais moços das Repartições provinciais o estudo de matérias do ensino secundário” (Ofício de José Fernandes da Costa Pereira Júnior, presidente da província, ao ministro do Império, vinte e seis de janeiro de 1863, in Pres ES, X, 48-50).
RELAÇÃO DAS AULAS DE INSTRUÇÃO PRIMÁRIA E SECUNDÁRIA ESTABELECIDAS NA PROVÍNCIA DO ESPÍRITO SANTO
Ver imagem logo abaixo da matéria.
Secretaria do Governo da Província do Espírito Santo na Cidade da Vitória em 4 de Março de 1852. No impedimento do Secretário o Oficial Maior – a) Venceslau da Costa Vidigal. (Este quadro acompanhou o ofício de José Bonifácio Nascentes de Azambuja, presidente da província do Espírito Santo, ao ministro do Império, de três de março de 1852, in Pres ES, VIII).
‘‘PROVÍNCIA DO ESPÍRITO SANTO
Ver imagem logo abaixo da matéria.
Secretaria da Instrução Pública da Província do Espírito Santo na Cidade da Vitória em 3 de Dezembro de 1872.
O Amanuense. a) Manoel José Ramos”.
(Este quadro acompanhou o ofício do Dr. João Tomé da Silva, presidente da província do Espírito Santo, ao ministro. do Império, de trinta e um de dezembro de 1872, in Pres ES, XIII).
Fonte: História do Estado do Espírito Santo, 3ª edição, Vitória (APEES) - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo – Secretaria de Cultura, 2008
Autor: José Teixeira de Oliveira
Compilação: Walter Aguiar Filho, novembro/2017
GALERIA:
Pero de Magalhães de Gândavo, autor da 1ª História do Brasil, em português, impressa em Lisboa, no ano de 1576
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