O Milagre da Seca – Por Maria Stella de Novaes
Decorreram alguns anos e uma seca jamais verificada no Espírito Santo assolou a Capitania, prejudicando-lhe todas as fontes da vida: — secaram-se os rios e os poços desapareciam os campos, morriam os rebanhos e as aves, encareciam os gêneros alimentícios, de modo que a fome rondava, já, a população. Tudo era tristeza e desânimo!
Enquanto, porém, as colinas e os montes circunvizinhos, cobertos de uma vegetação crestada pelo Sol, perdiam sua beleza natural, o Morro da Penha ostentava o frescor de sua mata magnífica, despertando, no povo, a idéia de recorrer à Virgem Santíssima, sua protetora infalível.
Organizou-se uma procissão marítima, com as embarcações daquele tempo e, numa lancha de pintura renovada, ricamente guarnecida de colchas cetinadas, flores e demais atavios, colocou-se a preciosa imagem de Nossa Senhora da Penha. Autoridades civis e militares, ordens religiosas e irmandades juntaram-se ao povo, nesse dia de fervorosa prece à Rainha do Céu.
Salvas das fortalezas!
Bimbalhar festivo dos sinos!
Espocar contínuo dos fogos!
E a Senhora da Penha chega à Vila da Vitória, recebida pelo delírio do povo:— Ave Maria! Santa Maria! Ave Maris Stella!
Segue a procissão pelas ruas embandeiradas, juncadas de flores e folhagens, enquanto, nas janelas, drapejam as colchas de damasco e cetim, as cortinas de crivo e rendas da Corte. Num andor, todo florido e coberto pelo rico pálio, especialmente preparado para esse dia memorável, a imagem da Senhora da Penha vem, cercada pela súplica do povo, arrebatado pela Fé! Todos rezam. Todos pedem a clemência do Céu: — Chuva!
O Sol tudo abrasa!
E o povo reza:— Ave Maria! Salve Rainha!
Chega a procissão à Ladeira do Convento de São Francisco.
Entra a Imagem na igreja. Anuvia-se aquele céu, antes, límpido, brilhante pela intensidade do Sol.
Chuva!
Chuva! — exclamam, uníssonas, milhares de vozes. Realizava-se o grande e suspirado milagre.
Lê-se, no "Poema Mariano sobre a Penha do Espírito Santo": —
XLV
Observa-se, porém, ao pé do monte
Atlântico do céu mais refulgente,
estar viçosa a flor, corrente a fonte,
firme a saúde, a dita permanente;
sem que faça calor, que o dia afronte;
sem que a peste infeliz oprima a gente;
porque dela lhe dá conta o seguro
deste sacro Sião, cipreste puro
Adiante: —
XLVIII
Chega a Senhora à terra e recebida,
em rico pálio de ouro marchetado.
Da turba acompanhada é conduzida
à Santa casa de Francisco amado;
inda não bem ao templo é recolhida
já todo o céu de nuvens carregado,
encobrindo do sol a formosura,
transforma o claro dia em noite escura.
XLIX
Apenas entra a Virgem, quando os ares
as nuvens vomitando sobre a terra,
parece com dilúvio, que nos mares
quer a água vingar do fogo a guerra.
Os verdes papagaios, nos pomares,
os barbados bugios, pela serra,
e, nos charcos, as rãs, cheias de glória,
estão cantando os vivas da vitória.
No mesmo ano (1769), registrou-se, a 1º de Agosto, na Vila da Vitória, impressionante fenômeno sísmico: — a terra estremeceu, como se estivesse a revirar-se, para esmagar a população que repousava do labor diurno.
Sacudido pelo fragor de uma descarga elétrica, na Penha, o povo de Vila Velha foi presa de incrível pavor, porque, segundo a imprensa vitoriense, todos que se encontravam no Convento e os habitantes da Vila caíram de bruços no chão... Calcularam que se tivesse desmoronado a montanha magnífica.
Repetiam-se os trovões, enquanto o solo tremia e aquela, eminência de onde, até então, se irradiava um fluido de Paz, agora parecia oscilar, oscilar, desde a base! Domingos de Caldas, assim relata: —
XXXIII
Inda em sessenta e nove, o sol girava,
visitando o Leão, que atroz rugia,
tendo no augusto mês, que começava,
uma só vez mostrado a luz do dia;
Morfeu os doces laços apertava;
o mar, o vento, o céu adormecia,
quando a terra, com grito assás ingente,
desperta os animais e acorda a gente.
XXXIV
Principia o tremor, no monte e vale;
aumenta a confusão da morte o susto;
pedra e tronco não há, que não se abale,
sendo o dano maior no mais robusto.
Agora só o assombro é bem que fale,
e se emudeça a voz no espanto justo,
vendo ficar cessando o infausto indício,
constante a pedra, imóvel o edifício.
Foi o primeiro raio caído, na Penha. Daí em diante, sucederam-se outros. O de 1843 deixou uma depressão nos ladrilhos da sacristia. Nenhum, porém jamais atingiu a sagrada imagem da Virgem Maria, apesar dos seus adornos de ouro, prata e pedras preciosas. É certo, portanto, o que diz o poeta: —
XXXVIII
Muitos com raro assombro têm passado
por entre a Virgem Mãe e o seu Menino;
outros têm, não sem dano, procurado
ao Senhor — Ecce Homo — autor divino.
Olha triste mortal, quão descuidado
continuas teu louco desatino,
sem ver que, quando a si Deus se condena,
mostra de tua culpa a sua pena.
XXXIX
Vê que nem sua Mãe já se reserva,
a qual do nosso dano ressentida,
no raio que a conhece e que a preserva,
golpe não encontrou, e está ferida;
Por seus rogos repara, atento observa,
que a Onipotência quis ser ofendida
mostrando no infalível do castigo
custar nosso perdão o seu perigo.
A 10 de Outubro de 1864, um furacão destruiu a Casa dos Romeiros. Acabaram-se as festas profanas, ruidosas, ali.
Fonte: O Relicário de um povo – O Santuário de Nossa Senhora da Penha, 2ª edição, 1958
Autora: Maria Stella de Novaes
Compilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro/2017
Pero de Magalhães de Gândavo, autor da 1ª História do Brasil, em português, impressa em Lisboa, no ano de 1576
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