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Os erros de Thomas Cavendish - Assalto à barra do Espírito Santo (4ª Parte)

Mapa da Baía de Vitória

“Depois de uma semana sem qualquer notícia, o “Roebuck” surgiu no horizonte. Fomos atrás dele e vimos que tinha perdido todos os mastros, menos a mezena – o mastro da gata.

Despido de velas, cresceu medonho diante dos olhos, em estado mais deplorável do que todos os navio destruídos por tormentas que já vi.

A chegada do “Roebuck” trouxe precisamente o que me faltava: uma tripulação de experiente “lobos-do-mar”. Os homens do “Roebuck” sobreviveram, porque se trancaram no porão, durante a tempestade, racionando a água e a ração diária. Só retornaram ao convés, quando o mar se acalmou. Mesmo assim, dois homens – Theo e Lucas – foram tragados pelas ondas quando se arriscaram a subir na mezena, para amarra uma vela feita com todas as roupas e panos que encontraram. A vela rasgou-se em pequenos pedaços na primeira ventania e a tripulação teve que conviver totalmente nua, feito os índios. A tripulação não quer outra coisa, a não ser a guerra contra os portugueses.

Nós também precisávamos de suprimentos, velas, botes, baldes e outros artigos essenciais para cruzar o Atlântico. Não conhecíamos nenhuma outra feitoria nas proximidades, para assaltar. Nosso maior problema é que não tínhamos navios pequenos, desde que eu perdera mais da metade da minha frota, cruzando o Estreito de Magalhães.

Sem nem um escaler para desembarcar os marujos e suas armas, eu me vi obrigado a percorrer a costa, capturando todos os barcos pequenos que encontrei. Formei uma frota de cinco pequenas embarcações, mais o “Roebuck” que estava reduzido ao casco e o “Victor” – minha escuna, que estava precisando de manutenção, para reforço de algumas juntas, que estavam começando a fazer água.

No meu barco havia um marinheiro português, que queria assumir a responsabilidade de ser o piloto-guia, de volta ao mar. Ele veio para mim e garantiu com a própria vida, que dirigiria meus dois navios, sem acidentes, até à barra do Espírito Santo – um porto que oferecia muito conforto e era o único lugar que conhecíamos, no Brasil, onde havia comércio de mantimentos e utensílios de navegação.

Diante do apoio da tripulação, encarreguei o português de salvar os meus navios, se quisesse salvar a própria vida. Antes, mandei ele dizer a verdade. Parecia impossível levar os barcos até o porto, sem encalhar na barra.

Ele voltou a exigir que eu lhe cortasse a cabeça e jogasse aos peixes, se em algum momento um dos meus navios navegasse em águas mais rasas do que dez jardas.

Vendo que ele estava mesmo disposto a arriscar o pescoço na tentativa, (e que eu não saberia levar os navios no caminho certo), me convenci de que era aquilo mesmo que deveríamos fazer, abandonando todos os planos anteriores. Eu sabia que, se conseguisse trazer os meus navios até a barra e ficasse fora do alcance de um tiro de canhão disparado do porto, poderia desembarcar meus homens à noite e pegar a cidade de surpresa. Os marinheiros vinham frustrados desde o Cabo Horn e precisavam descarregar a raiva. Combinavam o assalto, prometendo agir com tanta fúria e rapidez, que os moradores do lugar não teriam como reagir ou fugir.

Os homens também estavam falando em capturar um bom navio grande que estivesse no porto.

O piloto português assumiu o leme, como quem sabia o que dizia, mesmo que agente sofresse para entender o seu sotaque.

Em menos de dois dias ancoramos um pouco abaixo da enseada do Espírito Santo.

Esperei anoitecer e mandei um bote sondar a barra, para medir a profundidade de água. Voltaram seis horas depois com a dura verdade: as passagens mais fundas tinham só dezessete a dezoito pés. Chamei o português e perguntei por que ele tinha mentido para mim. Ele negou que tivesse me enganado, e apresentou como prova, o fato de ter nos trazido até ali sem qualquer problema. Disse que nunca sondara toda a barra antes, mas já tinha entrado no porto, com navio de mais de cem toneladas, e nunca encontrara menos de trinta pés de água.

Mandei que voltasse para o seu posto de ajudante do piloto, mas instruí o contramestre para, caso o navio encalhasse, aplicar uma camisa xadrez no alentejano. Esse contratempo provocou não poucas reclamações da tripulação, que queria desembarcar de qualquer maneira. Os homens estavam desesperados por falta de água fresca e outras necessidades. Para acalmar os ânimos, fui forçado a chicotear o português na frente de todos. O Mestre não poupou os braços, arrancou muita pele e sangue, cortando fundo as costas do marujo, a cada chibatada. O condenado era o único que conhecia aquela terra e não nos avisara que a linha da praia era acidentada demais. Dificilmente seríamos capazes de desembarcar sem sofrer um acidente ou avariar um barco nas pedras.

No dia seguinte ficamos ancorados a uma boa distância do porto, estudando o problema. O bote do “Roebuck” rumou em direção à baía e observou três navios, de grande calagem, ancorados não muito longe da cidade. O pessoal do bote veio a bordo do meu navio, e passou a palavra adiante. A companhia manifestou enorme alívio e festejou a notícia. Não precisei explicar como seria importante tomar aqueles navios. Não faltaram comentários e todos se ofereceram para entrar em ação, no ato, pegando nossos botes e canoas, para capturar todas as naus que encontrassem no porto. O dia estava no fim, e para mim, a noite não seria de todo inconveniente para um assalto, desde que usássemos a cabeça para agir.

Apresentei minhas razões, com autoridade: à noite, os navios não estariam suficientemente preparados para se defenderem. Isso já não seria verdade pela manhã, quando os vigias e as sentinelas do porto poderiam nos ver e frustrar o assalto, dando tiros de alerta e chamando outros barcos, que já estivessem em atividade. Além do mais, pela manhã, mesmo que os navios não pudessem defender-se, o principal e as melhores coisas que traziam na carga, já estariam sendo descarregadas, pois se encontravam bem próximos do cais.

Meu raciocínio pouco pareceu movê-los; percebi que, quase todos, não tinham a menor vontade de atacar à noite; a maioria queria esperar pelo amanhecer. Diante disso, confesso que me alterei, vociferei umas palavras amargas de reprovação. Demonstrei mais uma vez, que nossa situação não permitia recuos, nem demoras; tínhamos que aproveitar a oportunidade. E não havia um bom motivo para temer mais a noite que o dia. Deixei bem claro que, se eles recusassem a agir, eu não poderia ficar mais nem um minuto parado ali, oferecendo os navios que me restavam, a um ataque português.

Na manhã seguinte, mandei içar velas, e quase houve um motim a bordo. A maioria protestava contra mim, dizendo que, se eu não desse permissão para atacar o porto, eles iriam tomar os meus barcos e capturar os navios, por conta própria. Vim para o convés e os repreendi pela afobação. Disse-lhes que, agora tinham que se conformar, pois haviam jogado fora a melhor oportunidade. Embora ainda pudessem lançar um ataque, dificilmente obteriam sucesso na missão.

Em revide, alguns dos meus melhores ajudantes vieram me dizer, com lágrimas nos olhos, que estavam decididos a me desafiar e ir assim mesmo. Também insistiram que, se não conseguissem tomar os navios agora, voltariam mais tarde, para tentar outra vez. Estavam com lágrimas nos olhos porque lhes doía demais, partir sem tentar o assalto. Vendo que não haveria outra maneira de manter a lealdade dos meus homens, consenti que atacassem.

Coloquei o capitão Morgan no comando, com as seguintes instruções: se houvesse risco de vida, ele não deveria desembarcar, de forma alguma, pouco importando a oportunidade que surgisse. Se visse algum perigo, ao se aproximar dos navios, não deveria prosseguir nem mais uma jarda, retomando a bordo com segurança.

Por outro lado, se visse um canto ou ponta de praia, onde não fosse muito difícil atracar, (um lugar com terra plana, sem matos nem macegas e afastado da cidade), ele deveria voltar e reportar sua descoberta, para que eu desembarcasse atrás dele, levando tantos homens, quantos os botes pudessem transportar.

 

Autor: Zoel Correia da Fonseca
Fonte: Textos de História Militar do Espírito Santo – Coleção João Bonino Moreira – vol. 3
Compilação por: Getúlio Marcos Pereira Neves. Vitória, 2008

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