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Resumo da narrativa de Thomas Cavendish (6ª Parte)

Navios de Cavendish

Depois de recolher os sobreviventes do ataque, Cavendish afastou-se da costa, a fim de evitar qualquer revanche dos portugueses e dirigiu-se para a Ilha Grande, situada a duzentas léguas ao sul. Os homens, premidos pela sede, saíram com um bote carregado de barris, para encher na Ilha Grande.

Tendo o piloto português por intérprete, Cavendish enviou três homens até um povoado, para procurar vendedores de cordas, bálsamo, ganchos e pregos. Além dessas mercadorias, eles ainda trouxeram umas velas pequenas, em bom estado.

De tudo o que lhes faltava, o mais preocupante eram as velas. Possuíam quatro, pequenas e muito usadas, remendadas com pedaços de camisas costuradas às pressas. As duas velas principais: a longa – responsável pela obediência rápida ao comando e a mestra – que tira melhor proveito dos ventos, estavam em péssimo estado.

A travessia da Linha do Equador seria lenta e penosa; qualquer imprevisto poderia deixá-los à deriva, em águas controladas por armas inimigas. Muitos achavam que só um milagre, um sopro de misericórdia divina faria com que chegassem à Inglaterra.

Extremamente contrariado, Cavendish resolveu sair em linha reta, ao longo do Trópico de Capricórnio, até pouco antes da hora de Greenwich. De lá, subiria para o Norte, buscando as Ilhas de Santa Helena, no meio do Atlântico. Pensava em tirar o barco d’água, para os reparos necessários. Nos dias que antecederam sua partida da Ilha Grande, sofreram um ataque português, provocado por um ato de indisciplina de um tripulante de nacionalidade irlandesa: de posse de uma canoa e com a desculpa de que ia buscar uns paus, para as vergas dos mastros, que vira do outro lado da ilha; resolveu seguir viagem até o Continente, para comprar aguardente, que pretendia contrabandear para o navio e depois revender a seus companheiros. Ao chegar ao porto, fora capturado pelos portugueses, antes mesmo de desembarcar. Sob interrogatório, negociou sua liberdade, revelando que estavam de partida. Contou quantos eram e quantas armas possuíam. Garantiu que eles – os portugueses – poderiam fazer o que quisessem, se atacassem de surpresa, do outro lado da ilha. Ainda recomendou que o assalto fosse no dia seguinte, pouco depois do amanhecer, quando encontrariam o navio quase vazio e a tripulação indefesa e meio embriagada.

Os portugueses não perderam tempo, colocaram o irlandês na cadeia, prometendo libertarem-no, depois que comprovassem a veracidade de suas palavras. Um pelotão de mosqueteiros desceu na Ilha, encontrou e exterminou alguns dos marinheiros doentes, ou feridos, que descansavam na praia. Das escotilhas do navio, todos assistiram àquele espetáculo cruel e sangrento. Cinco membros da tripulação formaram um destacamento, na esperança de encontrar com vida algum companheiro. Cavendish tentou dissuadi-las, pois os portugueses certamente estariam à espreita; porém, nada os demoveu desse intento. Não demorou muito, para que um deles voltasse, nadando feito um louco, em direção ao navio. Cavendish enviou um bote para recolhê-lo. Ao perceber a flecha cravada nas costas, o Comandante deduziu que os demais incautos haviam morrido nas mãos de índios-arqueiros, que os portugueses tinham distribuído sobre árvores, à beira-mar. Bem que tentaram revidar ao ataque dos índios, porém, morriam antes de disparar, pois era impossível saber de onde o inimigo atirava as flechas e lanças. O sobrevivente fora o primeiro a ser atingido e só conseguiu salvar-se, porque caíra no fundo do barco e ficara preso quando os companheiros emborcaram-no, durante a luta.

Antes de empreender o regresso à Inglaterra, Cavendish chegou a pensar até mesmo em pegar uma carga de negros, para fazer algum dinheiro.

Todos teriam de entender que ele jamais consentiria em navegar de volta à Inglaterra, sem ouro ou uma mercadoria qualquer, para pagar o soldo da tripulação e as junto aos seus credores. Como a tripulação continuasse a negar-se a pilotar de acordo com suas ordens, Cavendish os advertiu de que estava mesmo determinado a afundar o navio, ali mesmo, em alto-mar, com tudo que tinha dentro. Só parou de falar quando não mais conseguiu ouvir a própria voz, abafada pelos impropérios, enxovalhando a si e a cinco gerações de sua família, com as mais horripilantes pragas e malvadezas desejadas a ele e seus descendentes. Resolveu, então, decidir o caso através do voto: eles deveriam escolher entre a volta através de Santa Helena, ou pelo Estreito de Magalhães; pois se não o fizessem, ele colocaria o barco a pique. Como sabiam que ele falava sério, todos acharam melhor fingir que concordavam com o retorno por Santa Helena. Parados no meio do Oceano, mesmo sabendo que estavam perto da ilha que lhes salvaria a vida; enquanto Cavendish recolheu-se à sua cabine, para descansar algumas horas e controlar sua ansiedade, os marinheiros aprisionaram o cozinheiro e assaltaram a despensa, apropriando-se de três barris de cerveja. Como ainda não tinham comido, naquele dia, embriagaram-se muito. O comandante despertou com os gritos dos marujos engalfinhados numa tremenda briga de faca. Após gritar que, no seu navio não permitiria a prática de vilanias, que faziam em ataques inimigos, encarregou os mais fortes, de darem fim àquele estado de coisas. Cavendish teve de aumentar o rigor contra a sodomia involuntária – a principal causa dos “arranca-rabos” entre os membros da tripulação. Não poderia permitir que seus homens fizessem contra seus companheiros desprevenidos, exatamente aquilo contra o qual sempre lutaram para que os portugueses não fizessem com eles.

Conseguiu motivá-los para que se unissem na confecção de uma vela nova, para navegar até a Inglaterra. Para isso, foram recolhidos cortinas, lençóis, calças e todos os encerados que encontraram no navio.

Na manhã seguinte ordenou ao navegador que rumasse para Sudeste. A tripulação, ao ver as velas enfunadas, começou a gritar: ao Norte, ao Norte... ou Morte. Queremos ir para casa! Mas antes, teriam que encontrar a Ilha, para conseguirem água e outras velas.

Lentamente, moveram-se em direção à Ilha de Santa Helena.

A partir do presente trecho, há conveniência em retomar às palavras textuais da carta de Cavendish: “... No meio do caminho recebi um golpe duro: uma doença abateu meu primo Richard Locke, que navegava comigo, desde menino, sendo bem mais jovem que eu. Ele andava abatido há algum tempo; um dos seus ferimentos a flecha, continuava com a ferida aberta. Um dia amanheceu com febre e nunca mais conseguiu se levantar da rede. Para mim, repetia sempre as mesmas palavras: ‘Primo, estou exausto. Entregue minha alma a Deus e o corpo aos peixes’.

Andamos para cima e para baixo dez dias em mar-aberto, procurando com atenção, mas, nunca mais conseguimos enxergar a ilha.

Se não encontrasse a ilha nos próximos dias, afundaria o navio do mesmo jeito, pouco me importando com a sorte daqueles cães marinhos, que me deviam a vida, mas gostariam de me matar e só me obedeciam, porque não tinham coragem de seguir sozinhos, pois mal sabiam a posição da estrelas, para se orientarem.

Fui me tornando cada dia mais sombrio e taciturno, desleixado com a aparência pessoal e as lides do navio. Só me interessava em beber até cair, ou acabar com todo o rum que me restava. Foi aproveitando um momento de autoflagelo, que meus mestres conseguiram dominar-me e prender no porão, assumindo o comando do navio, com apoio de toda a tripulação.

Mais por sorte, que por perícia, seguiram para o Norte e conseguiram chegar à Ilha da Madeira. Lá, trocaram dois botes por velas novas, com comerciantes judeus, que tentaram extorquir-lhes ouro, para que não nos denunciassem aos soldados espanhóis, da Ilha das canárias. Como não trazia ouro, o mestre Harris – que fora eleito o novo capitão – convidou os judeus a acompanharem-no até o navio, pois era lá que guardava o tesouro. Recusaram-se a acompanhá-lo; só entregariam as velas, quando Harris trouxesse o ouro. O capitão viu-se sem outra opção, a não ser executar os comerciantes, roubar as velas e desaparecer do porto o mais rápido possível. Eu, trancado atrás das grades onde transportavam os cavalos, fui forçado a voltar à Inglaterra, humilhado e destituído de qualquer direito, pobre, fracassado e prisioneiro dos meus próprios homens. Mal poderia imaginar que o pior de tudo ainda estaria por acontecer. Perdi três navios nessa viagem e, assim que pisei na Inglaterra, passei a ser perseguido pelo senhor Hetton – chefe aduaneiro de Hampton, e por um tal de Elliot, de Ratcliff, que financiou uma quarta parte de minha companhia. Harris vendeu a escuna e pagou a maioria das minhas dívidas.

Para não ser levado a julgamento pela morte dos judeus da Ilha da Madeira – que, no final, revelaram ser de origem inglesa – meu leal Jonathan Harris se viu forçado a dizer que eu é que cometera os crimes, depois d éter ficado louco. Harris destacou que foi justamente por isso que ele assumira o comando da Companhia em meu lugar. Portanto, ele era inocente e eu não poderia ser responsabilizado pelos meus atos, por estar de miolo mole.

A justiça de Sua Majestade concordou, mas exigiu que eu passasse o resto dos meus dias confinado em prisão domiciliar. Revogaram minha licença de marinheiro e também perdi meus direitos comerciais, sendo proibido de manter qualquer interesse ou participação em Companhia da Marinha Mercante. Essa nada edificante aventura pelos Mares do Sul fechou as portas do Sete Mares para mim”.

 

Autor: Correia da Fonseca
Fonte: Textos de História Militar do Espírito Santo – Coleção João Bonino Moreira – vol. 3
Compilação por: Getúlio Marcos Pereira Neves. Vitória, 2008.

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