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Tempos derradeiros do período colonial

Capa do livro: História do Estado do Espírito Santo, Autor: José Teixeira de Oliveira

Perspectivas animadoras – Antes de passarmos à história do quarto século, quando o Espírito Santo – como o Brasil – alcança maioridade e entra na fase de pleno desenvolvimento, veremos em rápido debuxo a vida multiforme da capitania ao encerrar-se o período colonial.

Antecipando-se, todavia, ao calendário, o domínio teve a surpresa de conhecer fase inédita em sua vida administrativa antes da transmigração da família real portuguesa para o Brasil e de suas conseqüências políticas.

A instalação do Hospital Militar – no governo de Manuel Fernandes da Silveira(1) – e as providências de Silva Pontes estabelecendo comunicação terrestre com Minas Gerais e estudando as possibilidades de navegação do rio Doce e colonização de suas margens são demonstrações de mentalidade que a colônia ainda não conhecera.(2)

Quadros bem sugestivos a capitania de Vasco Coutinho oferecia a um observador dos derradeiros tempos coloniais.

 

NOTAS

(1) - Manuel Fernandes da Silveira – Sargento-mor agregado do 2.° Regimento de Infantaria de Linha. Batizado na freguesia de Santa Luzia do Rio Real a doze de maio de 1757, casara-se, na Bahia, a catorze de novembro de 1779, com D. Joana Maria dos Reis, filha do capitão Álvaro Correia de Morais, do Regimento de Milícias da capitania do Espírito Santo. Este último governara interinamente o Espírito Santo antes de dezessete de outubro de 1798, pois dessa data é o atestado do Senado da Câmara de Vitória sobre a maneira como desempenhara o cargo (ALMEIDA, Inventário, V, 59-60).

(2) - Em 1786, “João Jacinto de Almeida, Antônio de Almeida Pontes e Manoel de Almeida Cardoso, todos Casados, naturais da Cidade de Angra da Ilha Terceira, moradores na Comarca da Capitania do Espírito Santo” requereram licença e favores para povoarem terras às margens do rio Doce. O vice-rei do Brasil atendeu-lhes a pretensão. (I)

I -

“O Exm.º Vice Rei do Estado do Brasil na sua Carta de nove de Outubro do ano corrente me comunica não haver inconveniente algum na povoação e cultura das Terras do Rio doce, que fui servido permitir a João Jacinto e outros, antes parecendo-lhe ser este meio um dos mais eficazes, para reprimir desordens de maior conseqüência, que se pudessem intentar naquelas Vastas distâncias, havia certificado imediatamente a VM. a sua condescendência, para sem o menor obstáculo poder VM. pela sua parte, pôr em execução as minhas determinações. Mas como uma das prudentes condições, com que os ditos moradores pertendem formar os seus estabelecimentos no dito Sertão consiste, em conservar uma guarda, e destacamento de Tropa, em distância das suas povoações, para as defender, e resguardar dos Índios bravos, de que podem ser acometidos, com esta providência se devem também [?] dar na forma das ordens de S. Majestade os extravios do ouro, que se possam intentar pelo mesmo Sertão. Ordeno a VM., que faça colocar os Destacamentos e Guardas, nas partes mais proporcionadas, a defença dos referidos povoadores, recomendando se tenham as mais vigorosas cautelas, a fim de se obviarem também as desordens, e extorsões, que se têm praticado pelo interior do dito Sertão. Mandará VM. fixar editais para que as pessoas, que além dos sobreditos João Jacinto, e outros, quiserem povoar os Sertões referidos, se lhe permite a faculdade precisa, e se lhe assinará o Terreno suficiente no ato de vistoria, a que VM. deve proceder pessoalmente naquele distrito, quando nele for estabelecer as Guardas e Destacamentos de Tropa.

Quanto ao objeto de se assistir aos povoadores com o sustento necessário por tempo de seis meses, achando ser conveniente ao Real Serviço esta pertenção. Ordeno que se assista pela Real Fazenda com o dito sustento por tempo de seis meses por empréstimo, mandando VM. fazer as precisas clarezas, para se restituir a Provedoria; bem entendido, que se dito Mantimento se deve dar àquelas pessoas, que por suma pobreza, não poderem sustentar-se. Aos Destacamentos, e Guardas, se assistirá com mantimento, Armas, pólvora, e bala, pela Provedoria na forma praticada, vista a utilidade, que resulta a S. Majestade desta nova Povoação e defença do extravio do ouro, tão Recomendada nas ordens, que ultimamente tenho recebido da nossa Corte. Depois de VM. ter posto todas as Cautelas nos registros, e repartido as Terras pelos povoadores, receberá VM. as ordens do Exmo.º Snr. V. Rei, comunicadas ao M.e de Campo Joaquim José Lisboa, para as Executar com aquele zelo, e honra com que VM. satisfaz as suas obrigações, e ao mencionado M.e de Campo entregará a minha Carta inclusa, e dele receberá as instruções precisas” (Ofício de D. Rodrigo José de Menezes, de vinte e dois de novembro de 1786, ao capitão-mor da Capitania do Espírito Santo – Ms da BNRJ, cota I-35, 1, 16).

 

O território do ES entre 1700 e 1800

Entre 1700 e 1800 o Espírito Santo perdeu a porção de território compreendida entre os rios Mucuri e Doce.(3) O talvegue deste último passou a marcar a linha divisória entre esta capitania e a da Bahia. Ao sul, estabelecera-se a raia em S. Catarina das Mós, distância de meia légua da barra do atual Itabapoana. A leste não havia lindes fixadas. A mata, a indiada e, mais que tudo, as ordens del-rei sujigavam os capixabas na estreita e indeterminada faixa litorânea.

 

NOTA

(3) - Não logramos documentação que demonstrasse, com precisão, a data em que S. Mateus passou à jurisdição da comarca de Porto Seguro. Ligando, entretanto, as indicações de BRÁS DO AMARAL (Notas, II, 395), CECILIANO ABEL DE ALMEIDA (Conferência pronunciada no IHGES, in RIHGES, V, 152 ss.) e das Notícias escritas por TOMÉ COUCEIRO DE ABREU, ouvidor da comarca de Porto Seguro (ALMEIDA, Inventário. II, 54 ss.) conclui-se ter sido em 1764 que o Espírito Santo foi esbulhado daquela faixa de território. Ver footnotes 52 e 63 do capítulo XI.

– Em 1775, no Mapa de todas as Freguesias, que pertencem ao Arcebispado da Bahia e sujeitos os seus habitantes no temporal ao governo da mesma Bahia, com a distinção das comarcas a que pertencem, com o número de fogos e almas, para se saber a gente que se pode tirar de cada uma delas para o serviço de S. M., sem opressão dos povos (apud ALMEIDA, Inventário, II, 289-91), lê-se que a “vila e freguesia de S. Mateus” pertencia à comarca de Porto Seguro.

 

Divisão administrativa do ES - Derradeiros tempos coloniais

Eram cinco as vilas até então criadas: Vitória, Espírito Santo, Guarapari, Nova Almeida e Benevente. Nenhuma cidade. Nem mesmo a sede da capitania. Aliás, “o título de cidade era puramente honorífico e não trazia privilégio algum”.(4)

Segundo documento de 1787,(5) pertenciam à vila da Vitória os seguintes distritos: Maruípe, Capoeira Grande, Iucu, Campo Grande, Murundu, Sant’Ana, Carapina, Serra, Praia, Caraípe, Boapaba, Curipe, Una, Taiobaia, Itaonga, Jacariacica, Cangaíba e Maricarã; a Guarapari: Meaípe, Ubu, Moquiçaba, Aldeia Velha, Morrinho, Itapemirim e Perocão.

Por certo, a maior parte destes distritos não passava de minúsculo povoado, mas oficialmente lhes davam aquele predicamento.

 

NOTAS

(4) - CAIO PRADO, Formação, 304.

(5) - Ver nota V, do capítulo XII.

 

População do Brasil e do Estado do Espírito Santo

População – Para a população total do Brasil – avaliada entre três e quatro milhões de habitantes – o Espírito Santo concorria com 22.493, “para muito mais e não para menos”, segundo Inácio Monjardim.(6)

Era considerável o número de escravos. Em Vitória, para 2.327 pessoas livres havia 4.898 deles. Escravaria constituída de africanos e seus descendentes, pois, pelos menos em teoria, era defesa a escravização de índios. De qualquer maneira, a percentagem de brancos reduzia-se a um índice mínimo, pois a comunidade de índios domesticados era enorme. Em Benevente, por exemplo, predominava sobre as demais. Aqui, para 3.017 habitantes livres existiam 102 escravos. Em Nova Almeida também: 2.712 livres e 42 escravos. As duas vilas vinham de aldeias jesuíticas, de catequese. Enquanto a população de Vitória era constituída de dois terços de escravos, e em Vila Velha o número destes ultrapassava o de brancos, em Benevente e Nova Almeida a proporção era inversa e se exprimia por algarismos muito mais distanciados. Não se tem notícia de índio escravizar alguém para o trabalho...

 

NOTA

(6) - Ver nota IV, do capítulo XII

 

Governo 

Governo – Como todas as antigas donatarias e mais as capitanias criadas depois de D. João III, o Espírito Santo, no fim do século XVIII, pertencia à Coroa. À frente de seu governo, encontrava-se um capitão-mor-governador, subordinado aos governadores e capitães-generais da Bahia. Na prática, o princípio nem sempre vigorava. Como no resto do Brasil, “a administração estava sujeita às mais estranhas anomalias. Não havia normas fixas pelas quais se regulassem as funções das várias autoridades, mesmo porque, em último caso – esquecida toda a noção de hierarquia – era possível que viesse da corte uma disposição nova alterando, segundo as necessidades ou conveniências do momento, as velhas praxes”.(7)

Funcionário diretamente nomeado pelo rei, algumas vezes, outras pelo governador da Bahia, tinha o prazo de sua administração limitado a três anos. Geralmente o excediam, à espera dos sucessores. Parece que alguns foram reconduzidos.

A centralização do poder entravava todas as atividades. As menores providências dependiam de aprovação da metrópole e a burocracia portuguesa era modelo de morosidade. Para a solução de qualquer negócio, mesmo os de ínfima importância, exigiam-se dois anos, no mínimo.(8)

A administração local, nas vilas, cabia às câmaras, cujos oficiais eram eleitos pelos próprios moradores.

É curioso notar que, nos últimos tempos do período colonial, os cargos da administração civil, no Espírito Santo, eram bem reduzidos; segundo depoimento de Monjardim, um só funcionário os exercia, inclusive acumulando a vaga do ouvidor da comarca.(9)

 

NOTAS

(7) - ROCHA POMBO, HB, VII, 102.

(8) - CAIO PRADO, Formação, 308.

(9) - Ver nota IV, do capítulo XII.

 

Justiça

O ouvidor era a mais alta autoridade judiciária da capitania.(10) Sua jurisdição compreendia as vilas de Vitória, Espírito Santo, Guarapari, Benevente, Nova Almeida, S. Mateus, S. Salvador de Campos dos Goitacazes e S. João da Barra(11) – estas duas últimas pertencentes à Paraíba do Sul. A provisão de três de julho de 1732 determinara que as apelações das sentenças proferidas pelo ouvidor do Espírito Santo fossem encaminhadas para a Relação do Rio de Janeiro.(12)

Outras figuras de menor expressão completavam o quadro de funcionários encarregados de distribuir justiça.

Assim é que havia o juiz ordinário(13) de cada vila; Francisco Rubim nos fala da nomeação de um juiz de vintena para a povoação de S. Mateus;(14) em 1728, Félix Marinho de Lira foi provisionado no ofício de provedor-mor dos auditórios da vila da Vitória(15) e, seis anos antes, João Batista Velasco teve provisão da serventia do ofício de tabelião público do judicial e notas da capitania.(16) Uma portaria do ouvidor, datada de 1787, determinava que certo João Trancoso do Sacramento fosse conservado no lugar de almotacé(17) e uma provisão real de 1717 confirmou a nomeação de um fuão Luís Delgado para o cargo de alcaide-mor da vila da Vitória.(18)

Havia, ainda, o provedor das fazendas dos defuntos e ausentes(19) e o inquiridor, contador e distribuidor de Vitória,(20) para citar apenas os cargos de que encontramos notícias no decorrer das pesquisas.

Que ninguém se impressione, todavia, com o número de funcionários. Exceção feita do ouvidor, todos os demais tinham autoridade ínfima. De fato, só àquele cabia julgar.

A aparelho assim tão deficiente correspondia ausência quase total da justiça d’el-rei. O que admira e pasma é que as crônicas não estejam pejadas de notícias de crimes, os homens não se entredevorassem, céticos que deviam ser da efetividade de outra lei que não fosse a de sua própria força e espírito de vindita.

Mesmo porque, além da precariedade advinda daquelas circunstâncias, concorriam ainda a venalidade quase geral dos juízes e a morosidade notória dos tribunais. Bem arrimado nos múltiplos exemplos que a História oferece, Pedro Calmon pôde escrever palavras que soam como lamentos de gerações roubadas no bem supremo – a justiça: “Nada havia menos certo, na vida de um indivíduo, por esse tempo, do que a sentença final para a sua ação. Dessangrado pelas custas, arruinado por propinas e taxas, desesperado pela protelação interminável, morria muitas vezes o querelante, e morriam os herdeiros dele, sem verem a conclusão dos autos”.(21)

 

NOTAS

(10) - Em 1788, a ouvidoria da capitania tinha por titular Joaquim José Coutinho Mascarenhas, acusado pela Câmara de Vitória, perante a rainha, “de ter praticado graves irregularidades e abusos no exercício do seu cargo e de se embriagar constantemente”. No ano seguinte foi baixada permissão régia determinando que o ouvidor de Porto Seguro viesse ao Espírito Santo suspender seu colega e proceder a devassa sobre os fatos de que este era acusado. Do que resultou intimação para que o acusado embarcasse imediatamente para o Reino. Determinação logo cumprida (ALMEIDA, Inventário, III, 125-6, 213 e 231).

(11) - MARQUES, Dicion. ES, 193. Observar que S. Mateus estava subordinada, administrativamente, à capitania da Bahia.

(12) - MARQUES, Dicion. ES, 193. DAEMON, Prov. ES, 153, refere-se a três de junho.

(13) - Em 1798, José da Silva Maia exercia, por eleição, o cargo de juiz ordinário de Vitória (apud ALMEIDA, Inventário, IV, 365).

(14) - RUBIM, Memória Estatística, 167.

(15) - DH, XLVIII, 156.

(16) - DH, XLVI, 103. Em setembro de 1732, Manuel Ferreira Viana obteve provisão régia da “serventia do ofício de tabelião do público judicial e notas da vila de Nossa Senhora da Vitória” (DH, LXXVII, 302). Ver, nesse mesmo volume, a provisão da p. 70.

(17) - ALMEIDA, Inventário, III, 126. Esse João Trancoso era, também, ajudante do Terço das Ordenanças da Vila da Vitória, e era morto em 1796 (apud ALMEIDA, Inventário, IV, 376).

(18) - DH, LII, 260.

(19) - DH, III, 243; DH, L, 292; DH, LII, 224; DH, XLVIII, 129; DH, XLVII, 189; DH, LIX, 70; DH, LXXVII, 217.

(20) - DH, LXXVII, 360.

(21) - CALMON, Organização Judiciária, 88-9.

 

Religião

A Igreja Romana dominava, quase sem concorrentes, o espírito religioso. Quase sem concorrentes porque a presença de africanos importava, por certo, na prática dos cultos pagãos herdados de seus antepassados e, entre os índios, mesmo os domesticados, deviam ser cultuados seus deuses primitivos. Também o judaísmo contaria com alguns adeptos, pois não é admissível tenha o Espírito Santo constituído exceção na colônia tão salpicada de cristãos-novos.(22)

No foro eclesiástico, a capitania estava subordinada ao bispado do Rio de Janeiro.

Repetidamente queixavam-se governantes e governados da falta de sacerdotes.

O santuário da Penha mantinha e via crescer seu prestígio no coração dos crentes.

 

NOTA

(22) - Em 1720, o Santo Ofício fez seguir para Portugal o negociante Brás Gomes de Siqueira, estabelecido em Vitória, onde deixou ao abandono duas irmãs e dois filhos, “aos quais, por temor à Inquisição, ninguém mais quis agasalhar ou socorrer” (FREIRE, Capitania, 98).

– Explorando o tema do infortúnio dessa pobre família, publicou-se, no Rio de Janeiro, em 1876, nas oficinas de Eduardo e Henrique Laemmert, um folheto intitulado:

Um fato da Inquisição no Brasil e Heroísmo de um capixaba – Tradição popular da Província do Espírito Santo.

– Brás Gomes nascera em Santos e “foi relaxado em estátua por ter tido a fortuna de ter aparecido defunto nos cárceres [de Lisboa]” (FREIRE, op. cit., 98).

 

O ensino

Ao fim dos setecentos, em toda a capitania não havia mais de dois professores públicos: um de gramática latina, outro de ler e escrever(23) – ambos residentes na vila da Vitória. Entretanto, o número de estudantes era suficiente para compor uma companhia.(24)

À falta de referências a professores particulares ou de outra ordem que não os jesuítas, é-se levado a acreditar que, até sua expulsão, só os últimos cuidavam do ensino da mocidade. (II) Ensino primário e secundário – bem entendido – pois o superior era ministrado em Coimbra.(25)

Antes de Pombal, não existiam, no Brasil, escolas régias. Fugia aos interesses da Coroa uma colônia assaz esclarecida.(26) Contudo, “não se pode dizer relegasse a metrópole a instrução de sua conquista americana”, pois, “com exceção dos mestres particulares de primeiras letras, gramática e aritmética, e de poucos cursos de monges, todo o ensino primário e secundário era pago direta ou indiretamente pelos cofres públicos”, afirma Carlos Rizzini, acrescentando: “O governo português não superintendia nem orientava o ensino, mas subvencionava-o para que fosse gratuito”.(27)

Coube ao famoso ministro de D. José lançar, “no reino, o problema do ensino propriamente popular, criando as primeiras escolas régias e estendendo, pouco a pouco, pelas Colônias, a sábia providência”.(28)

A política educacional, traçada e iniciada por Pombal, veio repercutir muito amainadamente no Espírito Santo. A razão, simples: o pequeno rendimento do subsídio literário – imposto com que se mantinha o ensino.

Informa Santos Vilhena que, nos anos de 1795 e 1797, o tributo rendeu, no Espírito Santo, respectivamente, 232$398 e 497$440,(29) Com tão reduzidos meios, não era possível ampliar o ensino público na capitania, uma vez que o pagamento dos professores se fazia com o dinheiro proveniente da arrecadação local, apenas.(30)


NOTAS

(24) - Ver nota V, do capítulo XII.

(25) - Entre 1772 e 1800, inclusive, matricularam-se na Universidade de Coimbra 527 estudantes brasileiros. Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia entraram com os maiores contingentes: respectivamente, 128, 124 e 115 rapazes. Do Espírito Santo, só duas matrículas. É o menor contingente. José Pinto Ribeiro era um daqueles capixabas. Filho de Manuel Pinto Ribeiro, nasceu em Vitória e bacharelou-se em Matemática, em 1776, e, em Direito, em 1777. Fez carreira na magistratura. Em março de 1790, era ouvidor da capitania do Espírito Santo e o Conselho Ultramarino mandava que exercesse cumulativamente o lugar de provedor da Fazenda Real da mesma capitania (ALMEIDA, Inventário, III, 201).

Na Seção de Mss. da BN (cota I-35, 1, 16), encontra-se ofício de D. Fernando José de Portugal, de quatro de maio de 1792, ao capitão-mor da capitania do Espírito Santo, nos seguintes termos:

“Serve esta de participar a V. Sa., que em conformidade da Real ordem expedida pela Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos passa a servir de Ouvidor dessa Capitania o Bacharel Jozé Pinto Ribeiro.” O auto de sua posse como ouvidor geral e corregedor da comarca do Espírito Santo é datado de Vitória, vinte e um de maio de 1792 (ALMEIDA, Inventário, III, 423).

CASTRO e ALMEIDA inventariou outros três documentos relativos a José Pinto Ribeiro, mas, infelizmente, não lhes apôs as datas correspondentes. Em um deles “o desembargador José Pinto Ribeiro, ouvidor da Capitania do Espírito Santo,” pede que se proceda à sua devassa de residência (Inventário, V, 51). No segundo, o “desembargador da Relação da Bahia,” José Pinto Ribeiro, “pede licença para ir ao Reino habilitar-se como herdeiro [sic] de seu irmão Dr. Marcelino Pinto Ribeiro, lente de Prima da Faculdade de Cânones da Universidade de Coimbra” (Inventário, V, 208). Finalmente, no terceiro requerimento, o desembargador José Pinto Ribeiro “pede se lhe passem certidões de ter cumprido todas as ordens emanadas do Conselho Ultramarino durante o tempo em que exerceu o cargo de Ouvidor Geral e Corregedor da comarca e Capitania do Espírito Santo” (Inventário, V, 208). A onze de maio de 1794, como “ouvidor da comarca do Espírito Santo”, dava informação sobre petição de Gonçalo Pereira Pinto (ALMEIDA, Inventário, III, 338), por sinal, seu irmão.

– O outro estudante conimbricense chamava-se João Ramos dos Santos Pinto e era, também, natural de Vitória. Bacharelou-se em Direito em 1790 (MORAIS, Estudantes Brasileiros, 160 e 192). Como o ensino superior era privilégio das classes abastadas, o reduzido número de espírito-santenses na Universidade de Coimbra reflete a precariedade de recursos da capitania.

(26) - “...o Estado não compreendia entre as suas altas funções a necessidade de cuidar do ensino público extensivo à massa geral da população. Quando muito, nos países mais adiantados do continente [Europa], preparam-se as classes diretoras, educam-se os príncipes e os nobres, criam-se estabelecimentos suntuosos (universidades, academias, escolas de altas ciências e artes etc.) só para os ricos. O que se chama hoje instrução pública, ministrada a todo o mundo por escolas do Estado, não houve em Portugal antes de D. José I” (ROCHA POMBO, HB, V, 724-5).

(27) - RIZZINI, O Livro, 210.

(28) - ROCHA POMBO, HB, V, 725.

(29) - Notícias Soteropolitanas, mapa que se segue à p. 302. O autor não menciona a arrecadação de 1796.

(30) - VILHENA, Notícias Soteropolitanas, mapa que se segue à p. 302. É dessa mesma obra que se recolhe a informação seguinte: o professor de gramática latina ganhava trezentos mil réis por ano; o de ler e escrever, cento e vinte mil réis. A Tesouraria Geral da Bahia devia ao primeiro, em 1797, (?) doze meses de vencimentos e ao segundo, três anos... (idem, ibidem).

II - Com argumentação deveras notável – baseada em documentação do melhor quilate – CARLOS RIZZINI nega aos inacianos o monopólio da instrução na colônia luso-americana. Data venia, transcrevemos trecho do capítulo intitulado O ensino antes e depois de Pombal do seu admirável livro:

“Os milhões de reinóis e de mazombos, de brancos e mestiços, que desenvolveram a riqueza comum no comércio, na indústria, na lavoura, no artesanato, nas funções políticas, nas fileiras, no sacerdócio, e que sabiam algo acima de ler e escrever – esses milhões de brasileiros não aprenderam com os jesuítas. Aprenderam com os presbíteros seculares, com os frades, com os mestres leigos, cujo número de aulas gratuitas ou remuneradas de muito excedia a dos padres de Loiola.

Mestres de ler, escrever e contar, e gramática, isto é, de português, aritmética e latim, existiam na América Portuguesa desde os tempos mais recuados. Logo em 1578 aparece no Rio de Janeiro um Francisco Lopes, escrivão e professor de aritmética. Fernão Luís, mulato, ensinava meninos em Matoim em 1581. Bento Teixeira, o famigerado autor da Prosopopéia, reinol do Porto, cristão novo, herege e uxoricida, homem trêfego, letrado, alto e grosso, regia desde 1585, em Igaraçu, Olinda e depois no Cabo, escola de ler e escrever, latim e aritmética (onde aprenderam muitos moradores). Em 1581 surgem três mestres de moços na Bahia: Júlio Pereira, Bartolomeu de Sá e Domingos Pires, e até 1594 quatro outros em Pernambuco: Manuel d’Oliveira, em Santo Amaro, Antônio de Brito, em Ipojuca, Fernão Rodrigues e Fernão Dias da Paz em Itamaracá. A seguinte observação dá idéia do grau de alfabetização dos pernambucanos no ocaso do quinhentismo: dos duzentos e vinte e um denunciantes do Santo Ofício em 1591, em maioria gente da roça, tirante o mulherio ignaro, apenas três ou quatro homens não sabiam assinar o nome” (O Livro, 207).

 

Agricultura, indústria e comércio

Sobre essas atividades há pouco a acrescentar às valiosas informações contidas no documento firmado pelo governador Monjardim.(31)

Era bem avultado o número de engenhos e engenhocas. Em 1818, Rubim recenseou setenta e seis dos primeiros e sessenta e oito das segundas.(32)

Tentava-se a cultura da pimenta, do cânhamo e do bicho-da-seda, com o auxílio oficial.(33)

Os processos de cultura eram, como no resto da colônia, primitivos e rotineiros. Os lavradores capixabas devem ter reagido, do mesmo modo que os seus vizinhos de Campos, à sugestão de ser empregado o bagaço de cana na fornalha dos engenhos e utilizado o arado no trato das terras, isto é, mandando dizer ao vice-rei que o primeiro não dava resultado “pela grande debilidade dos fogos, e não poderem agitar os cobres”; e que também o arado era insuficiente porque nas terras cultivadas havia muitas raízes, tocos e paus, mais facilmente afastados com a enxada e as mãos.(34)

Em todos os tempos, a madeira das matas espírito-santenses foi prezada pelos construtores navais, principalmente o tapinhoã, a que são feitas várias referências. Ainda em 1798, D. Fernando José de Portugal dirigia-se a Sousa Coutinho mostrando a “possibilidade de se estabelecerem cortes de madeira ao longo do Rio Doce”.(35)

O pau-brasil, em 1775, era vendido aqui ao preço de 240 réis o quintal.(36) Não se sabe se era aplicada no Espírito Santo a ordem que estabelecia pena de morte e confisco de bens aos que extraíssem a cobiçada madeira de tinturaria das matas campistas.(37)

 

NOTAS

(31) - Ver nota IV, do capítulo XII.

(32) - Memória Estatística, 183.

(33) - Sobre a pimenta, ver ALMEIDA, Inventário, IV, 73.

– Sobre o cânhamo, ALMEIDA, Inventário, III, 154. A três de março de 1790, D. Fernando José de Portugal oficiava a Monjardim, comunicando a remessa de um caixote de sementes de linho cânhamo. Por esse documento, ficamos sabendo que, anteriormente, já haviam ensaiado a cultura do cânhamo no Brasil, porém sem resultados satisfatórios. A nova tentativa se fazia por insistência da rainha D. Maria I (Ms. pertencente ao acervo da BN, onde pode ser encontrado na cota I-35, 1, 16). A propósito da sericicultura, ver ALMEIDA, Inventário, I, 11, e RIHGB, XIX, 225-9.

(34) - LAMEGO, Efemérides, I, 270. Sobre a adoção do arado e do bagaço de cana nas propriedades da Bahia, ver ALMEIDA, Inventário, IV, 15-6.

(35) - Apud ALMEIDA, Inventário, IV, 46.

– Aos cinco de abril de 1799, D. Rodrigo de Sousa Coutinho escrevia ao governador Antônio Pires da Silva Pontes, de ordem de S. M., para que encarregasse aos “naturalistas existentes nessa Capitania o cuidado de fazerem as precisas indagações a fim de conhecer se se encontram plantas e árvores que sirvam à fabricação de papel” (Ms. pertencente ao acervo da BN).

(36) - Ofício do governador de Pernambuco José César de Menezes para o governador da Bahia no qual o avisa que na capitania do Espírito Santo se estava vendendo pau-brasil a 240 réis o quintal. Recife de Pernambuco, quatro de dezembro de 1775 (apud ALMEIDA, Inventário, II, 313).

(37) - “Nesta data [dezoito de janeiro de 1793] o conde de Rezende, vice-rei do Brasil, oficiou ao juiz ordinário e mais oficiais da Câmara da Vila de S. Salvador de Campos sobre a representação dos moradores de Campos em que diziam ter sido avisados para não derrubar paus brasil debaixo da pena de morte e confisco dos bens, de cujas penas se não podiam livrar, nem evitar que os seus inimigos e malfeitores levados pelo interesse ou ódio, entrassem em seus matos, e cortassem os ditos paus, como constantemente praticavam, para acusar os suplicantes e se utilizarem do prêmio, assim também, que os seus próprios escravos faziam o mesmo, pelo ódio que têm aos seus senhores, refletindo sobre todo o referido, deliberou que a dita pena se devia impor a quem vendesse os ‘ditos paus ou os extraviasse a troco de fazendas proibidas por ser o único meio de conservá-los’” (LAMEGO, Efemérides, I, 46).

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