Um bacharel morando em Vitória em 1700
É interessante recordar que, naqueles dias longínquos, ainda no princípio do século XVIII, Vitória já contava, entre os seus moradores, um bacharel formado pela Universidade de Coimbra. Tratava-se de João Trancoso de Lira, em 1700 nomeado, pelo donatário, ouvidor da capitania.(18)
De 1703 é a provisão concedendo licença a D. João de Noronha “para advogar em todos os juízos da vila de Vitória”.(19)
Basílio Daemon, que fornece tais informações, refere-se também a um bando dispondo sobre indumentária das pretas e pardas,(20) venda de peixe(21) e porte de armas.(22) Outro bando proibia mandar para fora da capitania qualquer gênero de primeira necessidade.(23) Seria o reflexo da espantosa crise de alimentação provocada pela corrida às minas e que flagelou, particularmente, as zonas auríferas do atual Estado de Minas Gerais.
Neste capítulo dos pregões cabe citar, ainda, o que mandava pôr luminárias em regozijo pelo restabelecimento do soberano português,(24) e o que obrigava aos lavradores que tivessem mandiocais viessem todos os sábados trazer farinha à vila da Vitória.(25)
Em breve, a presença dos franceses no Rio de Janeiro viria provocar novos bandos, estes exigindo o comparecimento dos habitantes da capitania “às portas dos seus capitães para o fim de apresentarem aos mesmos as armas, pólvora, balas e dardos que tinham para defesa da mesma Capitania”;(26) “prevenindo os moradores e praças para estarem armados e prontos contra os inimigos do Estado que percorriam as costas do Brasil, assim como para que todos os moradores da vila [da Vitória] se apresentassem com suas armas e viessem consertar as trincheiras e estacadas”.(27)
Leis e providências comuns a quase toda a colônia, cabe o seu registro nestas páginas, a fim de que se saiba ter o Espírito Santo sofrido os mesmos incidentes que afetavam a vida das demais partes do Brasil.
Também aqui, por essa época, existiam mocambos de negros, que obrigaram a grandes esforços para destruí-los.(28)
A notícia vale como prova evidente de que já era considerável a escravatura africana no solo capixaba.
Como temos visto, a situação normal dos habitantes da capitania para com a Fazenda Real era sempre de atraso. Registramos, contudo, cada referência que encontramos sobre a matéria por nos parecer que o valor das dívidas fiscais fala eloqüentemente da condição dos contribuintes.
Em 1705, o donativo do dote de Inglaterra e o de paz de Holanda alcançaram 2:420$000.(29)
O prédio da matriz da Vila Velha exigia obras, mandadas executar pelo bispo do Rio de Janeiro, para o que pedira 200$000 de empréstimo.(30)
NOTAS
(18) - DAEMON, Prov. ES, 130.
(19) - DAEMON, Prov. ES, 135.
– Em 1732, Francisco Luís de Andrade, “morador na vila da Vitória”, onde “estava servindo de advogado dos auditórios da dita vila, sendo nomeado pelo capitão-mor dela Silvestre Cirne da Veiga”, obtinha provisão régia para continuar a exercer sua profissão (DH, LXXVII, 345).
(20) - “...qualquer mulher parda ou preta que trouxesse a maneira da saia aberta, mais de dois dedos abaixo do refego [textual, adverte BASÍLIO DAEMON) e também descomposta, pagaria quatro mil réis para as obras da fortaleza, além da pena de seis dias de cadeia; e sendo parda, porém cativa, pela primeira vez duas dúzias de açoites, pela segunda quatro dúzias e pagando o senhor dois mil réis para as ditas obras, e recalcitrando ainda, sendo forra seria degradada por seis meses para fora da vila” (Prov. ES, 133).
(21) - “...qualquer pessoa que, com direito que julgasse ter, fosse às canoas no meio do mar comprar peixe ou atravessá-lo, seria punida com dois mil réis para as obras e vinte dias de cadeia, e sendo soldado, trinta dias de tronco; e todas as canoas do alto, de rede ou tresmalhas, que venham à pedra vender peixe, debaixo da mesma pena e o peixe perdido que se achar será para os frades de São Francisco” (Prov. ES, 133).
(22) - “...ninguém que fosse puxasse pela espada ou a trouxesse nua de noite, nem os pardos cativos andassem na vila com espingardas e armas, que seriam castigados” (Prov. ES, 133).
(23) - DAEMON, Prov. ES, 136.
(24) - “...na sexta-feira dezessete, sábado dezoito e domingo dezenove [de julho de 1705], todos pusessem luminárias, sem exceção de hierarquia, sendo considerado muito leal quem cumprisse o estipulado, e quem o não fizesse condenado a trinta dias de prisão, e 20$000 para as obras da fortaleza” (DAEMON, Prov. ES, 137).
(25) - DAEMON, Prov. ES, 140-1.
(26) - DAEMON, Prov. ES, 142.
(27) - DAEMON, Prov. ES, 143.
(28) - DAEMON, Prov. ES, 143-4; DH, LXX, 68-70 e 75-7.
(29) - O governador geral deu três meses de prazo para o pagamento daquela importância, recomendando ao capitão-mor: “ordeno a Vossa Mercê que na parte que lhe tocar dê logo o calor que lhe fôr possível para que esta execução...” (DH, LXX, 66).
Em 1712, novamente encontramos carta reclamando a contribuição dos donativos (DH, LXX, 122-3).
(30) - “Consulta do Cons Ult sobre a informação do bispo do Rio de Janeiro de ter mandado reedificar a matriz da vila do Espírito Santo e de ter pedido de empréstimo 200$ para as respectivas obras, cujo pagamento solicitava. Lisboa, oito de janeiro de 1709” (ALMEIDA, Inventário, VI, 317).
Fonte: História do Estado do Espírito Santo, 3ª edição, Vitória (APEES) - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo – Secretaria de Cultura, 2008
Autor: José Teixeira de Oliveira
Compilação: Walter Aguiar Filho, agosto/2017
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