Vias de comunicações no ES
Sobrepondo-se a todas as dificuldades – das quais a maior, por certo, era a deficiência das rendas – a província ia distendendo sua rede de comunicações. Estradas que partiam do norte, do centro e do sul ligavam-na com Minas Gerais. Todas as localidades tinham acesso à Capital por caminhos que, se não eram modelos de conforto – e em verdade estavam muito longe de o ser – permitiam o transporte dos produtos das lavouras para os portos do litoral.
A navegação fluvial e de canais(71) – que mereceu especial atenção dos poderes públicos durante o reinado de Pedro II – era explorada em bases modestas.
Frustraram-se as tentativas, desde o início do século, para o desenvolvimento da navegação do rio Doce.(72) Do esforço realizado por José Alexandre Carneiro Leão – organizador da Sociedade de Agricultura, Comércio e Navegação do Rio Doce (XII) – lamentava, em 1876, o engenheiro Costa Alves: “Nada colheu o país senão um acréscimo de descrédito para aquelas regiões.”(73) Recorde-se, contudo, que pertencera àquela empresa a primeira embarcação a vapor a singrar as águas do Nilo Brasiliense.(74)
Malogrou-se, também, o empenho do Dr. França Leite que, no ano de 1857, tinha em serviço, ali, um barco de vela de trinta e oito toneladas.(75) Desvaneceram-se, desse modo, os entusiasmos daqueles que pretenderam tornar realidade o sonho do governador Antônio Pires da Silva Pontes.
A impraticabilidade do rio Doce às embarcações mesmo de calado regular não fora reconhecida pelos que vinham estudando o assunto.
Em 1878, o presidente Silva Mafra, sem descer a detalhes, informava à Assembléia Provincial haver assinado contrato com a Empresa de Navegação do Rio Doce.(76) Entre 1870 e 1880, os principais rios da província foram explorados por companhias de navegação a vapor. Assim é que em 1876 – a seis de setembro – a Companhia Cearense de Navegação Fluvial do Espírito Santo inaugurava seus serviços no Santa Maria;(77) em 1878 funcionavam a Navegação de Itapemirim e a Empresa de Itabapoana, além da Companhia Espírito Santo e Campos (naturalmente de cabotagem). A Empresa Rio São Mateus pedia rescisão de seu contrato,(78) assinado a doze de novembro de 1872.(79)
Registre-se ainda que, em 1876, a Companhia Indústria e Navegação do Piúma – que se propunha operar nos rios Piúma e Novo – conseguia prorrogação de prazo para iniciar seus trabalhos.(80) Bem animadora era a situação em 1888, quando várias empresas mantinham barcos trafegando nas costas e rios capixabas, além do benefício da navegação para o estrangeiro e demais províncias marítimas brasileiras.(81)
NOTAS
(71) - “Segundo as últimas informações, espera-se que no correr deste ano se conclua a abertura dos canais de Una e de Itaúnas, o primeiro entre a capital da Província e o município da Serra; o segundo destinado a comunicar os Rios Itaúnas e S. Domingos” (Relatório apresentado à Assembléia Legislativa na segunda sessão da nova legislatura pelo ministro de Estado e Negócios do Império Luiz Pedreira do Couto Ferraz – Rio de Janeiro – 1854).
– “O Governo Geral concedeu para estas obras a quantia de quatro contos de réis”. (Idem, ibidem).
(72) - O decreto imperial 1065, de três de novembro de 1852, concedera “a José Rodrigues Pereira privilégio exclusivo por 10 anos para a navegação por vapor entre o porto desta Capital e o de Caravelas, na Província da Bahia, tocando nos de São Mateus, Santa Cruz, Vitória, Guarapari, Benevente e Itapemirim, na do Espírito Santo, e uma subvenção de 18:000$000 anuais pelo espaço de 15 anos”, informou o ministro do Império ao presidente do Espírito Santo, em ofício de dez daquele mês e ano (Códice I JJ9 24, do AN).
(73) - Relatório, 9.
(74) - JOSÉ MARCELINO, que nos fornece a informação, não registra a data em que, pela primeira vez, um vapor sulcou o celebrado rio Doce. Valendo-nos sempre do depoimento daquele autor – que dedicou longos estudos ao histórico da navegação do rio – pode-se afirmar que tal fato ocorreu entre 1836 e 1841 (Ensaio, 143).
– De nove de agosto de 1836 o decreto imperial que concedia “à Companhia formada em Londres por João Diogo Sturz o Privilégio Exclusivo da Navegação do Rio Doce por meio de barcos a vapor, ou de outros superiores que se descobrirem” (Do ofício do ministro Limpo de Abreu ao presidente do Espírito Santo, de dois de setembro de 1836 – Códice do acervo do AN – I JJ9 24, p. 122v).
(75) - JOSÉ MARCELINO, Ensaio, 156.
(76) - Relatório apresentado pelo exmo. sr. dr. Manuel da Silva Mafra à Assembléia Legislativa Provincial do Espírito Santo no dia vinte e dois de outubro de 1878. Vitória – 1878.
(77) - Relatório apresentado pelo exmo. sr. dr. Manuel José de Menezes Prado na instalação da Assembléia Provincial do Espírito Santo na sessão de quinze de outubro de 1876 – Vitória – 1876.
(78) - Relatório de 1878, já citado.
(79) - COSTA ALVES, Relatório, 11
(80) - Relatório de 1876, já citado.
(81) - No capítulo Navegação, do Relatório de 1888, o presidente LEITE RIBEIRO assevera: “Está servido o comércio desta Província pela navegação normal de duas companhias de navegação e estrada de ferro Espírito Santo e Caravelas e a da Miranda Jordão & Cia., sem subvenção alguma; o que é sinal de que foi fundada a lei que votou a suspensão de tal favor.
Além dessa navegação, dispõe a Província da direta para portos estrangeiros e da Cia. Brasileira de Navegação dos portos do Norte. É ainda subvencionada pela Província a navegação a vapor do Rio Itapemirim. Essa empresa recebe também do Estado grosso subsídio. Miranda Jordão & Cia. mandaram ultimamente para os serviços do transporte do Rio Doce a esta capital o Rio São João (a vapor) que tem servido regulamente. [...] A lavoura e o comércio daquela região têm reclamado desta presidência auxílios à navegação desse vapor. [...] Os rios navegáveis desta Província têm sido seguidamente freqüentados pelas canoas que normalmente satisfazem aos serviços de transporte. [...] Tendo o contratante da navegação dos portos da baía desta capital, em ofício de seis de setembro de 1887, pedido a suspensão dos serviços que lhe estavam encarregados, decidi, por ato da mesma data, rescindir o contrato de vinte e três de março de 1882. Resolvi, por ato de trinta de setembro de 1887, contratar com o cidadão Domingos Pinto Neto tais serviços, que este contratante tem cumprido” (Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial do Espírito Santo na abertura da primeira sessão da vigésima oitava legislatura em nove de julho de 1888 pelo dr. Antônio Leite Ribeiro de Almeida, presidente da província – Vitória – 1888).
XII – Copiosa documentação oficial sobre a navegação do rio Doce, na primeira metade do século XIX, pode ser consultada no Ensaio, de José Marcelino Pereira de Vasconcelos; no vol. XIX da Revista do IHGB; e nos Anais da BN, vols. XXXVI e XXXVII.
– Resume as esperanças que animavam os capixabas da primeira metade do século XIX a respeito da navegação do rio Doce o seguinte trecho extraído da fala que o presidente Manuel José da Silva Pontes leu na sessão de primeiro de dezembro de 1833 do Conselho Provincial: “Não há dificuldades insuperáveis na execução dos melhoramentos da nossa navegação interior pelo Rio Doce e seus confluentes; a natureza tem semeado ao lado dos obstáculos os meios de removê-los. Faltava-nos o espírito de empresa; faltavam os capitais e os braços industriosos para que esta Província fosse elevada ao grau de prosperidade que a sua situação geográfica, que a multiplicidade de seus portos, que a fecundidade de seu solo, que a profusão de belas madeiras, que a riqueza de suas minas de ouro e pedras preciosas lhe afiançavam, mas os ingleses, eu vos congratulo, estão decididos a formar conosco a Companhia de Comércio, Navegação e Agricultura do Rio Doce e esta feliz revolução dos destinos de três Províncias vai operar-se sob os auspícios da legislatura de 1834” (Ms. pertencente ao Arquivo Nacional).
– Anteriormente, da Bahia, aos vinte e sete de agosto de 1807, em ofício ao visconde de Anadia, o governador conde da Ponte referia-se nos seguintes termos ao problema da navegação do Nilo Brasiliense: “Não era possível cumprir com a brevidade que eu desejava ao que se me ordenou em ofício de quinze de dezembro do ano passado, informando com o meu parecer sobre a futura utilidade da navegação do Rio Doce, para a exportação dos gêneros das duas Capitanias de Minas Gerais e Espírito Santo, principalmente dos metais menos preciosos, como ferro e cobre, sobre a despesa que atualmente se faz e fará ainda com a abertura daquele Rio, e se poderá esta ser compensada amplamente, logo que a sua navegação for fácil e segura, não achando no arquivo da Secretaria deste Estado, memória, mapa ou descrição que me instruíssem nessa matéria, sendo-me portanto necessário exigir informações do respectivo governador e provedor da Fazenda, e ouvir pessoas práticas daquele país; devo expor a V. Ex., que a navegação do Rio Doce, facilitada, será em todos os tempos da maior vantagem para o comércio de exportação daquelas duas Capitanias, e do maior interesse para o seu aumento, pela maior facilidade da sua comunicação interior, e concorrerão sem dúvida para a possibilidade de se haverem por um custo conveniente os metais menos preciosos de cobre e ferro, que se descobrirem na margem do mesmo Rio no distrito de uma e outra Capitania.
A despesa que atualmente se faz com os destacamentos que se estabeleceram para defender os casais de lavradores dos insultos do gentio botocudo, a mais indomável nação daquela espécie, e evitar os extravios, é muito insignificante, não excedendo a quantia de 2:041$680, incluído o vencimento dos pedestres; porém sobre as que se deverão ainda fazer, e se poderão serem compensadas amplamente, permita V. Ex. que eu observe, que por ora todos os trabalhos, cuidados, dispêndios e fadigas julgo inúteis, e infrutuosos, pois a navegação do Rio, não tem a suavidade ou simples embaraços morais que se tem propostos, tem dificuldades físicas, que se podem adoçar, e não destruir totalmente; o Rio é inavegável do Rio denominado Guandu até a Natividade, distância de duas léguas, terreno da Capitania do Espírito Santo e no distrito de Minas Gerais nos sítios de Cachoeiras do Inferno, Buquari, Cachoeira Alegre, e outros até o lugar chamado Antônio Dias é indispensável o descarregar as canoas, conduzir por terra as cargas, e levar à força de braço por cima das cachoeiras as canoas vazias, e como será possível esta trabalhosa operação sem que as margens daqueles lugares sejam habitadas e ofereçam prontamente bestas, carretas e gente que auxiliem os viajantes? logo, porém, que por sesmarias conferidas a pessoas, que tendo meios de as cultivar, convidadas com algum futuro interesse de serrar madeiras, construir canoas, e outros que o terreno oferecer, se povoarem as margens e se conhecer a sua fertilidade, parece-me que sem novos cuidados, e sem alguma outra despesa da Real Fazenda, se promoverá a navegação, bastando o particular interesse para fazer desaparecer qualquer obstáculo, ainda que à primeira vista julgue insuperável.
Será então de absoluta necessidade a conservação dos destacamentos, e estabelecimento de quantos bastem, para que os sesmeiros estejam a abrigo das incursões dos bárbaros, e percam qualquer receio a esse respeito, mas a produção e a comunicação pagarão super abundantemente a despesa, que não pode exceder muito a atual, porque o corpo dos pedestres foi criado para esse fim e deve ser neles empregado...” (ALMEIDA, Inventário, V, 461-8).
Fonte: História do Estado do Espírito Santo, 3ª edição, Vitória (APEES) - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo – Secretaria de Cultura, 2008
Autor: José Teixeira de Oliveira
Compilação: Walter Aguiar Filho, novembro/2017
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