Morro do Moreno: Desde 1535
Site: Divulgando desde 2000 a Cultura e História Capixaba

Russo era o barão da monazita de Guarapari

Boris Davidovitch: esquema para se livrar de impostos - Acervo: UFES

Um só homem foi acusado de ter faturado milhões de dólares em Guarapari com a extração de areia monazítica praticamente de graça, durante quase 30 anos, exportando para diversos países do mundo. Seu nome é Boris Davidovitch.

Natural de Odessa, na Rússia, Boris era também naturalizado norte-americano, francês e brasileiro. Ele chegou ao Brasil em 1940 como procurador da "Société Minière", empresa francesa que já mantinha a exploração de monazita no Espírito Santo e, em apenas um ano, já era dono de todo o patrimônio radioativo da cidade de Guarapari.

A empresa, que mantinha uma exploração modesta desde a década de 20, foi transformada, em 1941, na Mibra (Monazita Ilmenita do Brasil), o que lhe rendeu um processo criminal na França por peculato, arquivado anos depois por falta de provas. Isso porque Boris, com uma procuração, vendeu a empresa e abriu a Mibra, usando todo o patrimônio da Minière, só que com ele no comando.

Davidovitch chegou a possuir até cinco empresas diferentes no mundo todo relacionadas à extração e beneficiamento de areia monazítica no Estado e não pagou quase nada de impostos aos cofres públicos.

As empresas cobriam a totalidade do processo de extração e beneficiamento da areia. Ele era, por exemplo, acionista da "Lindsay Light and Chemicais", empresa americana que comprou monazita da Mibra. Ou seja: o russo vendia dele para ele mesmo com a finalidade de se livrar de impostos.

Estima-se que Davidovitch tenha revirado mais de 70 quilômetros de praias, destruindo restingas em Muquiçaba, Castanheiras (Guarapari), Mãebá e Ubu (Anchieta), e outras. Eram 36 toneladas por dia.

Até 1956, ano em que foi instaurada uma CPI na Câmara dos Deputados para investigar denúncias na extração da monazita, todo o tório retirado por Boris das praias de Guarapari lhe renderam 227 bilhões de dólares, enquanto ele pagava cerca de Cr$ 0,80 de imposto à prefeitura por ano, segundo denúncias da própria Prefeitura de Guarapari feitas ao jornal Tribuna da Imprensa (RJ).

"Nasci e criei-me aqui. Nunca vi esse homem fazer qualquer coisa em beneficio dessa terra", protestou ao jornal o prefeito Epaminondas de Almeida, em 1956. Ele assumiu a prefeitura após seu antecessor, Edizio Cirne, ser afastado porque deu uma "bofetada" na cara de Boris. O empresário queria brigar na Justiça pela exploração das areias da praia da Areia Preta, mas o prefeito disse que defenderia a praia "até debaixo de bala".

Primeiras encomendas eram para fabricação de luminárias

O potencial das areias monazíticas foi descoberto no final do século XIX. Várias publicações apontam o engenheiro americano John Gordon como o primeiro a olhar para as areias das praias do sul da Bahia e perceber uma diferença de coloração com relação a outros lugares do litoral.

Gordon, funcionário da empresa britânica de exportação de café Edward Johnston &Co., encomendou uma análise de amostras da areia e o relatório apontou que elas continham algum tipo de minério.

O engenheiro foi a Europa para vender o mineral e encontrou o austríaco Carl Auer von Welsbach, criador de um sistema de lâmpadas incandescentes a gás que iluminou a Europa por vários anos. Ele descobriu que o óxido de tório era o melhor material para produzir uma luz forte e duradoura. Com isso, passou a encomendar areia monazítica para a retirada do tório. Na época, a maior parte era extraída de Cumuruxatiba, Sul da Bahia.

DADOS:

70 KM

Estima-se que Davidovitch tenha revirado mais de 70 quilômetros de praias.

30 anos

Foi o tempo que Davidovitch explorou areias monazíticas de Guarapari.

227 bilhões em 60 anos

Foi dito que Boris Davidovitch teria faturado US$ 227 bilhões com a extração da monazita. O valor refere-se ao estimado com a extração de areia monazítica e a produção de tório durante quase 60 anos, desde o fim do século XIX, movimentando toda a cadeia de produção e exportação, até os compradores internacionais.

Testes com bombas em 1956

Bombas de Urânio 233, produzidas a partir do tório extraído no Brasil, foram lançadas durante testes em 1956, segundo os arquivos das forças armadas americanas. No entanto, não há informações sobre quantas bombas foram produzidas e podem estar armazenadas até hoje em território americano, representando a participação do Brasil em uma guerra nuclear cujo acesso a informações até hoje é restrito.

CPI apurou suborno e trabalho escravo

A influência de Boris Davidovitch se dava além do mundo empresarial. Enquanto um dos homens mais ricos do país, ele gozava também de boa influência política e usava métodos nem sempre lícitos para conseguir o que queria.

Na CPI da Energia Atômica de 1956, foram apresentadas correspondências mostrando que ele subornou juízes e desembargadores para julgar demandas de terras em que ele estava interessado. O russo, em depoimento, reconheceu a legitimidade dos documentos.

Durante a CPI, deputados, técnicos e jornalistas visitaram as instalações da Mibra em Guarapari e descobriram diversas irregularidades. A denúncia mais grave foi a de trabalho escravo.

Segundo relatou a jornalista Maria da Graça, do periódico carioca Imprensa Popular, "os 27 trabalhadores tinham ausência total de cor nas faces e lábios, magreza doentia, olhar mortiço, mãos e pés de coloração anormal devido ao constante contato com a umidade da areia. Todos descalços e semi-nus, vestidos apenas de calções esfarrapados".

Boris Davidovitch faleceu no dia 20 de setembro de 1960. Segundo informações extra-oficiais, ele morreu de infarto após desembarcar no aeroporto Charles de Gaule, em Paris. Após a morte de Davidovitch, as atividades da Mibra foram encerradas e houve ordens para queimar todos os documentos da empresa e enterrar maquinários na areia.

 

Fonte: Jornal A Gazeta, A bomba atômica de Guarapari, 30/08/2015
Autores: Aglisson Lopes e Natália Bourguignon
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2016



GALERIA:

📷
📷


Curiosidades

Sabor provinciano do Capixaba - Artes Plásticas

Sabor provinciano do Capixaba - Artes Plásticas

Esse quadro pobre, que se refere tanto aos produtores quanto aos consumidores de arte, tem origem em limitações do passado

Pesquisa

Facebook

Matérias Relacionadas

Novo barão explorou areias monazíticas até em Vitória

As jazidas com maior atividade ficavam em Carapebus, na Serra, mas também há registros de retirada de areia em Vitória

Ver Artigo
Contrabando nos porões dos navios em Guarapari

A desculpa era de que a areia fazia peso nas embarcações. “Fomos saqueados durante anos”, afirma historiadora

Ver Artigo
Areia monazítica de Guarapari - Fim da exploração

Na década de 80, prefeito de Guarapari fez campanha para tornar a cidade referência no tratamento de doenças reumáticas

Ver Artigo
Material radioativo de Guarapari está armazenado em latas nos EUA

Foi na época de bastante movimento no porto de Guarapari que foram criados os hotéis Torium, Radium e Monazita

Ver Artigo
Areias de Guarapari viraram bomba

Areia monazítica explorada em Guarapari foi exportada e usada pelos Estados Unidos na fabricação de bombas

Ver Artigo
Areia de Guarapari vira problema ambiental em Chicago

Não é difícil presumir que grande parte do polêmico material enterrado em Chicago tenha sido retirado de Guarapari

Ver Artigo