Da Penha ao Paraguai - Por Frei Venâncio Willeke O. F. M.
Durante os seus quatro séculos de gloriosa existência, a Penha tem exercido seus benéficos efeitos sobre a vida dos capixabas. Compensaria um estudo sobre quanto a Virgem Sagrada acompanhou as horas angustiosas de seu povo devoto, nas epidemias, secas, guerras, etc. invocada que foi, em procissões de penitência, e agradecida, após o mal público debelado.
Benedito Calixto ilustra no magistral painel a viagem triunfal da efígie milagrosa até Vitória, ao ensejo da tremenda seca de 1769, quando como por encanto a solicitada chuva encerrou a imponente cerimônia religiosa. Tratemos, porém de outro fato menos conhecido, embora mais recente.
Queremos aludir à guerra do Paraguai transcrevendo interessante documento que o Marechal Augusto Maggessi entregou ao arquivo conventual da Penha, cópia de outro existente nos arquivos do Exército Brasileiro. Demonstra o precioso manuscrito que foi sob as bênçãos de Nossa Senhora da Penha que os soldados capixabas, com rara bravura, derrotaram as tropas paraguaias. Eis o documento histórico:
"Vitória, 2 de fevereiro de 1968.
Ao Revmo. Superior do Convento da Penha.
O corpo da Guarnição da província do Espírito Santo criado em virtude do disposto no artigo III da lei no. 1101 de 20. IX. de 1860, partiu de Vitória, a bordo do navio "Diligente" com destino à Capital do Império, no dia 13 de fevereiro de 1865. Na antevéspera da partida, sua oficialidade mandou rezar, por Frei Teotônio de Sta. Humiliana, missa de despedida, no vetusto Convento da Penha, edificado no século XVI, no cimo do morro desse nome, à entrada da barra da Capital do Espírito Santo.
No momento da despedida, após a Missa, disse Sta. Humiliana aos oficiais: "O Senhor esteja sempre convosco! Ide e vencei!"
Pois bem, mais tarde, a 11 de junho do mesmo ano de 1865, o referido Corpo, já transformado na famosa "Brigada Bruce", embarcado nos navios da Esquadra do Almirante Barroso, portou-se com heroísmo na batalha naval de Riachuelo.
Nessa batalha foram heróis maiores, além do grande Almirante, o Capitão de Infantaria Pedro Afonso Ferreira e o 1º Tenente Feliciano Inácio de Andrade Maia, ambos do 9o. Batalhão de Infantaria componente da aludida Brigada Bruce. Igualmente portaram-se com inexcedível bravura o Guarda-Marinha Greenhalgh e o Marinheiro Marcílio Dias.
O total dos efetivos era o seguinte: Exército — 1.430 homens (Oficiais e Praças); Marinha — 1.113 homens (Oficiais e Praças).
Da luta dos titãs, cabe-nos relatar apenas um episódio, entre tantos.
Abordagem
Repetindo contra vários navios a tentativa de abordagem que fora determinada pelo ditador Solano Lopez, os paraguaios conseguem afinal investir à Parnaíba que descia.
Cercam-na o Paraguai, o Paquiri e o Salto. É o primeiro repelido à metralha; mas, os outros encostam-se a bombordo e a estibordo. A valente guarnição dirigida pelo Comandante Garcindo e presente à ação heróica do Imediato Firmino Chaves e dos Oficiais do exército Cap. Pedro Afonso Ferreira e Feliciano Inácio de Andrade Maia opõe aos assaltantes invencível resistência. Trava-se corpo a corpo medonho combate, ou antes horrível carnificina, no meio da qual os oficiais, negros de fumo e cobertos de sangue, erguem-se como vultos homéricos, com a espada em punho. Greenhalgh, ainda criança, tão jovem se apresentava, prostou com um tiro o oficial paraguaio Acosta que ousara intimá-lo a arriar a Bandeira, mas perece por sua vez aos golpes da horda que o cerca.
Pedro Afonso sucumbe ao seu lado batendo-se e ferindo os ferozes inimigos. Com Maia conquistou imerrodoura glória para o exército que representavam, batendo-se a ferro frio e sucumbindo depois de completamente mutilados. Maia, já tendo a mão direita decepada, apanha a espada com a que lhe restava e esvaindo-se em sangue, faz frente ao inimigo até morrer.
Marcílio Dias, o simples Imperial Marinheiro, eterniza seu nome, pelejando a sabre com quatro paraguaios, dois dos quais rolam a seus pés, vacila e cai crivado de ferimentos, exangue e moribundo aos ferozes botes dos outros dois.
Escorrega-se no sangue, tropeça-se em cadáveres, mas a luta continua, ardentemente acesa; já o adversário que se apoderara do navio cede ao mais alto valor dos brasileiros.
Durante muito tempo, os despojos dos heróis de Riachuelo repousaram em terra estranha, até que, já na República, foram repatriados a bordo do cruzador "Barroso" e recolhidos à Igreja da Imaculada da Sta. Cruz dos Militares, de onde, por fim, foram solenemente trasladados, em 11 de junho de 1909, para a cripta do monumento erguido na praia do Russel, no Rio de Janeiro, em virtude do decreto legislativo no. 1651, de 10 de junho de 1907, para perpetuar o memorável acontecimento e dar pública e perene demonstração de gratidão nacional aos vencedores da batalha naval de Riachuelo.
Em 19 de novembro daquele ano, primeiro aniversário da instituição do dia consagrado à Bandeira Nacional, foi inaugurado, entre as mais vivas demonstrações de júbilo patriótico, o magnífico monumento, trabalho do emérito escultor brasileiro Correa Lima, laureado pela Escola de Belas Artes. É composto de uma elegante coluna rostral de granito, na ornamentação de cuja base sobressaem em alto relevo, as efígies em bronze de Pedro Afonso, Lima Barros, Feliciano Maia, Oliveira Pimentel, Greenhagh e Marcílio Dias.
A inauguração revestiu-se de excepcional imponência, tendo a ela assistido o Presidente da República e altas autoridades do País, além da massa popular. O Dr. Esmeraldo Bandeira, então Ministro da Justiça e eminente jurista, fez a entrega do monumento à cidade, em eloqüente e sábia oração.
Dominando o mar, Barroso fita tranqüilo uma glória para sempre conquistada; e nós que nunca esquecemos ter sido o Brasil descoberto, colonizado, libertado e engrandecido, sob a Cruz de Cristo, temos fé inabalável e guardamos no coração com toda a força d'alma a expressão divina, a bênção de Frei Teotônio de Sta. Humiliana: "O Senhor esteja sempre convosco! Ide e vencei!
Festejando a vitória das armas brasileiras e o feliz êxito da memorável campanha paraguaia, os capixabas souberam reconhecer a proteção de sua Padroeira. Entre outras, destacamos a Câmara Municipal de Viana que mandou cantar um "Te Deum em ação de graças à Senhora da Penha pela terminação da guerra". Assim consta de um dos documentos mais raros da história, em relação aos municípios capixabas, sobre a guerra do Paraguai, datado de 9 de abril de 1870, segundo afirma Heribaldo L. Balestrero em abalizado artigo "O Centenário da Guerra do Paraguai".
Fonte: Antologia do Convento da Penha, ano 1974
Autor do livro: Frei Venâncio Willeke O. F. M.
Compilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro/2016
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