Enfrentando e derrotando os flamengos
A dez de março de 1625,(10) surgiram na barra de Vitória oito naus holandesas comandadas por Pieter Pieterszoon Heyn. Regressavam ao ponto de partida – a Bahia – depois de uma tentativa de assalto à cidade de Luanda, na África.(11) Mal sucedidos ali, onde “não respondeu o sucesso ao desenho”, investiram contra o Espírito Santo, na expectativa de encontrar compensação para a longa e improdutiva viagem. Segundo a frase sonorosa de Antônio Vieira, “entraram no porto assaz confiados que, por concerto ou ruim guerra, a vila se lhes entregaria, ou eles a renderiam”.(12) Falhou fragorosamente o golpe. Francisco de Aguiar Coutinho mobilizou todos os recursos de que dispunha e enfrentou corajosamente os adversários. De dez a dezoito de março estiveram os batavos ancorados junto à terra, tentando a sorte.(13) A princípio atacaram a vila da Vitória e foram batidos nos combates de rua, quando Aguiar Coutinho se mostrou bravo e arrojado.(14)
Experimentaram, depois, “recuperar o perdido pelas fazendas que estão pelo Rio acima, mas dobraram a perda”.(15) Tiveram de se haver, então, com Salvador Correia de Sá e Benavides – que, conduzindo socorro do Rio de Janeiro para a Bahia, aportara ao Espírito Santo.(16) Se alcançaram alguma vantagem no primeiro embate com o filho de Martim de Sá, perderam-se definitivamente no segundo. Desanimados,(17) com numerosos claros nos seus efetivos, retiraram-se ao cabo de oito dias de vãos esforços para dominar a cabeça da capitania.(18) Suas baixas mais destacadas foram o almirante Guilherme Ians e Rodrigo Pedro.(19)
Os jesuítas, para usarmos novamente a palavra de Vieira, “não faltaram nem à guerra, nem aos soldados antes dela”.(20) Também os franciscanos deram o seu auxílio. Vicente do Salvador refere-se a frei Manuel do Espírito Santo que, “vendo-se livre de um chuveiro de pelouros, se foi ao sino da igreja-matriz que ali estava perto, e o começou a repicar publicando vitória, com que a gente se animou mais a alcançá-la”.(21)
Maria Ortiz – Essa tentativa de intrusos deu origem a uma tradição de exaltação da bravura da mulher capixaba, orgulhosamente reverenciada até hoje. Conta-se que, no fragor dos combates de rua, em Vitória, uma senhora de nome Maria Ortiz decidiu a batalha, lançando água fervente sobre o próprio Pieter Heyn. Verdade ou mito, o nome de Maria Ortiz transformou-se em legenda de merecido preito àquelas matronas que, na paz e na guerra, colaboraram na edificação deste pedaço de Brasil.
NOTAS
(10) - VIEIRA (Ânua da Província do Brasil, trinta de setembro de 1626, in Cartas, I, 58) afirma que os holandeses entraram no Espírito Santo a doze de maio de 1625. RODOLFO GARCIA (Nota a VARNHAGEN, HG, II, 240) segue a lição de VICENTE DO SALVADOR, dez de março de 1625 (Hist. Brasil, 564), e de MANUEL SEVERIM DE FARIA (Relação Universal, apud MISAEL PENA, História, 60). Preferimos a data dos últimos, porque está mais de acordo com os fatos. Salvador Correia de Sá não poderia ter prestado auxílio ao Espírito Santo entre dez e dezoito de maio e chegar à Bahia a tempo de socorrer a cidade sitiada, sabendo-se que o cerco foi rompido antes do fim de abril e assinadas as capitulações a primeiro de maio (VARNHAGEN, HG, II, 240-2).
(11) - Já se capacitavam os invasores de que, para se firmarem no Brasil, era imprescindível o concurso dos negros. ANTÔNIO VIEIRA diria mais tarde: “sem negros não há Pernambuco, e sem Angola não há negros” (Carta ao marquês de Nisa, doze de agosto de 1648, in Cartas, I, 243).
(12) - VIEIRA, Ânua da Província do Brasil, trinta de setembro de 1626, in Cartas, I, 58.
(13) - GARCIA, Nota à HG, de VARNHAGEN, II, 240.
(14) - VIEIRA, Ânua da Província do Brasil, trinta de setembro de 1626, in Cartas, I, 59.
(15) - VARNHAGEN, sem apontar a fonte onde se instruiu – como sempre – assevera que Salvador Correia de Sá auxiliara as forças de terra quando do assalto à vila da Vitória.
Fez desembarcar, então, quarenta colonos e setenta índios, que ajudaram a guarnecer as três estâncias ou trincheiras que se cavaram na praia (HG, II, 240).
(16) - VARNHAGEN, HG, II, 240.
17 - “...meteram na vila mais de oitocentos pelouros, sem causar danos de consideração”, informa VARNHAGEN (HG, II, 241).
– Relativamente ao armamento da vila, frei Vicente do Salvador escreveu que eram quatro roqueiras, das quais os holandeses tomaram uma (Hist. Brasil, 565). VIEIRA informa: “não havia na povoação defensa de artilharia, pelo que, com mosquetes e frechas, se dividiu a gente pelas trincheiras, que fechavam as bocas das ruas nos passos mais necessários”.
Mais adiante, porém, acrescenta: “Estava aqui uma roqueira (que não havia outra na terra)” (Ânua da Província do Brasil, trinta de setembro de 1626, in Cartas, I, 58-9). VARNHAGEN diz simplesmente que “havia poucas espingardas” (HG, II, 240).
(18) - “Tendo sabido da retomada de S. Salvador pelos espanhóis [maio de 1625], voltou [Pieter Heyn] à metrópole e chegou a Texel em julho desse mesmo ano” (NETSCHER, Os Holandeses, 260).
(19) - Rodrigo Pedro era holandês de nação e “uiuia casado na pouoação do espírito Santo” antes de 1618, conforme carta d’el-rei ao governador D. Luís de Sousa, datada de vinte e nove de agosto daquele ano. Fugira para a Holanda, de onde voltou ao Espírito Santo. Preso pelo feitor Marcos Fernandes Monsanto, esteve ameaçado de forca (Carta del-rei ao governador D. Luís de Sousa”, in Anais do Museu Paulista, III, 2.ª parte, 75). VICENTE DO SALVADOR diz que Rodrigo Pedro esteve preso na Bahia e fugiu para a Holanda, onde lhe confiaram o comando de uma nau (Hist. Brasil, 565). “Foi quem guiou o inimigo no assalto às roças pelo Rio acima, em que se apossou de um caravelão de Salvador de Sá quase despejado, e várias canoas, presas estas que foram retomadas” (GARCIA, Nota à HG de VARNHAGEN, II, 240).
(20) - VIEIRA, Ânua da Província do Brasil, trinta de setembro de 1626, in Cartas, I, 60.
(21) - Hist. Brasil, 565.
Fonte: História do Estado do Espírito Santo, 3ª edição, Vitória (APEES) - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo – Secretaria de Cultura, 2008
Autor: José Teixeira de Oliveira
Compilação: Walter Aguiar Filho, junho/2017
Pero de Magalhães de Gândavo, autor da 1ª História do Brasil, em português, impressa em Lisboa, no ano de 1576
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