Festival de Verão de Guarapari Janeiro 1971
Segundo semestre de 1970, exercendo funções de secretário da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Espírito Santo, a Ufes, desenvolvia, paralelamente, atividades de consultor junto à Comissão de Planejamento da instituição.
Trabalhávamos na adoção do sistema de créditos, a nova estrutura acadêmica a ser implantada na entidade no ano seguinte. Dentre vários técnicos atuando naquela comissão, destacava-se um grande nome: Gilberto Tristão.
Formado em Direito, era estudioso de assuntos acadêmicos universitários. Requisitado pelo presidente daquele colegiado, Fernando Moraes, veio nos assessorar em assuntos pertinentes aquela nova formatação sendo montada.
Tínhamos uma relação de amizade muito forte, visto ser ele filho de um casal de amigos da minha família há longos tempos. Seus pais eram Dona Cecé e o médico e ex-deputado estadual Custódio Tristão — além de também irmão do fraterno e saudoso companheiro Maurício Bombom.
Quase todos os dias, após o expediente, trocávamos conversas a respeito de vários assuntos relativos ao planejamento desenvolvido, e outros, de cunho pessoal. Num destes papos, Gilberto, bastante entusiasmado, convidou-me a participar de uma empreitada que ele estava prestes a encarar.
Tratava-se de um festival de música a ser realizado em Guarapari, nos moldes do Festival de Woodstock, acontecido em agosto de 1969, num condado do Estado de Nova York, nos Estados Unidos — e que, hoje, pode ser considerado um enorme sucesso dentro de um grande fracasso.
A ideia tinha partido de dois jornalistas, Antônio Alaerte e Rubens Gomes Filho. Há algum tempo, tentavam vender o projeto a empresários capixabas sem qualquer sucesso. Independentemente de não terem apoio financeiro para o empreendimento, os dois, principalmente, Antônio Alaerte, estavam divulgando o mesmo no Rio de Janeiro.
Faziam reuniões com jornalistas da área, encontrando uma receptividade muito grande. Desejava Gilberto que eu o ajudasse a encontrar um empresário para bancar a coisa toda. A área onde o mesmo aconteceria estava determinada, com o ok do proprietário.
Seria nas Três Praias, local paradisíaco, com topografia perfeita para tanto. Marquei um jantar com Gilberto, no restaurante da Findes, o melhor da cidade, localizado no último pavimento do Edifício Caparaó, atual sede do Banco de Desenvolvimento Econômico do Espírito Santo, o Bandes.
E convidei Nenel Miranda para participar do mesmo, a fim de, juntos, desenvolvermos ideias capazes de nos levar a um final feliz. Estávamos a debater o assunto quando adentrou ao ambiente outro grande amigo nosso.
Empresário do ramo imobiliário, sentou-se conosco e começou a participar da conversa. Tratava-se de Eduardo Curry. Este, vendo o entusiasmo do Gilberto com o empreendimento, não pensou duas vezes: embarcou direto na aventura.
Seria o responsável pela construção do palco para as apresentações dos artistas, terraplanagem da área de localização da plateia, fechamento total do espaço, instalação de água e luz, banheiros, esgoto e camarotes dos artistas. Enfim, todo o necessário a permitir fisicamente aquela realização.
Assumiu um contrato de risco, no qual a remuneração dos seus serviços viria no final, da renda da venda dos ingressos. O festival seria realizado durante quatro dias, de quinta a domingo, no mês de fevereiro de 1971.
A publicidade estava em curso, com todo o apoio da imprensa local e nacional. Eu e Nenel ficamos encarregados da comercialização dos ingressos. E, tão logo ficaram prontos, instalamos vários pontos de vendas em Vitória e Guarapari.
Eduardo pôs mãos à obra, deslocando equipamentos e pessoal para a área. Esta, logo começou a mudar de aspecto com as intervenções. Antônio Alaerte e Rubinho Gomes ativaram a divulgação. A mídia dava amplo apoio, passando a ser notícia de todos os jornais locais e nacionais.
A par destas medidas, começaram a contatar os artistas. Para surpresa nossa, estes aceitavam de pronto os convites, sem exigência de pagamento antecipado. O envolvimento financeiro era enorme.
O local abrigaria mais de 50.000 pessoas, ao custo de Cr$ 600,00 (seiscentos cruzeiros, a moeda da época) cada uma, pelos quatro dias. Isto daria uma receita bruta de aproximadamente Cr$ 30.000.000,00 — sem contar a venda de publicidade e, principalmente, do disco e do filme.
Isto, no de Woodstock, foi a salvação da pátria, porque o evento em si deu um enorme prejuízo. Ao se aproximar a data do acontecimento, vários grupos de hippies começaram a se deslocar para Guarapari, vindos de toda parte do Brasil.
Eles se instalavam na área onde as praias estão localizadas. Era uma beleza de espetáculo. Barracas de camping, redes estendidas nas árvores, rodas de capoeira, música, muita música. No início da semana do festival, começaram a chegar os repórteres dos jornais e revistas nacionais, hospedando-se na rede hoteleira de Guarapari.
Infelizmente, a venda dos ingressos estava muito fraca. Primeiro, porque tinha havido uma debandada total dos turistas mineiros, em função do Governo de Minas Gerais ter suspenso as férias escolares do mês de fevereiro.
Entretanto, acreditávamos que a compra maciça se daria a partir da quinta-feira, início do evento. A parte relativa à amplificação do som ficou a cargo da maior empresa do gênero no País, a Colorson, conhecidíssima em todo o Brasil pela realização de festivais de música para a TV Globo e TV Record.
Estávamos no saguão do Torion Hotel, na noite da quarta-feira, onde ficou também a maioria dos repórteres. E discutíamos sobre a finalização do som, pois o encarregado alegava que, por ordem do chefe, em São Paulo, só ligaria os equipamentos com o pagamento total do preço acertado.
Usando o telefone do hotel, Rubinho Gomes contatou o dono da Colorson. E esclareceu que ele podia ficar tranquilo, pois o pagamento sairia ao final do evento, oriundo da receita da bilheteria. Mas não havia maneira de demovê-lo daquela posição: "Ou paga ou não ligo."
A pedido do Rubinho, interferi na conversa telefônica, assegurando-lhe que as coisas iriam deslanchar no dia seguinte, início do festival, sendo imprescindível o som estar funcionando. Continuou irredutível: "Ou paga ou não ligo."
Tentativa de cá, tentativa de lá e nada, após mais de uma hora de contato telefônico sem qualquer solução, Antônio Alaerte, até ali afastado daqueles entendimentos, arranca o telefone das mãos de Rubinho e diz:
— Ô seu argentariozinho de merda! Deixa de botar banca e liga logo este som. Afinal, somos empresários de respeito em Vitória. Não vai ser um filho da puta como você que vai empanar nosso festival.
Não é que, após ouvir estas agressões, do outro lado da linha, o empresário pediu para falar com o encarregado e, imediatamente, autorizou a ligação.
Embora tenha comparecido bom número de artistas, tais como Milton Nascimento, Luiz Gonzaga, Tony Tornado — protagonista de episódio marcante —, Ivan Lins (não cantou), Chacrinha e outros menos votados, o festival gerou um tremendo prejuízo financeiro.
Ficamos todos, inclusive eu, Nenel e o "argentariozinho de merda", sem receber qualquer trocado.
Nota do Autor: Há muito, pretendia escrever alguma coisa da minha memória, levando causos ocorridos comigo ou com outras pessoas que me foram transmitidos de forma agradável e hilariante. Meu dilema era: como fazer? não tinha início, nem meio e, muito menos fim. E, invariavelmente, vinha a preocupação deles perderem o charme quando expostos em texto.
Contados verbalmente, tem sabor diferente, agradando a que os ouve. E escritos? Conseguiria eu dar a entonação necessária, estimulando o leitor a continuar até o fim? Entre dúvidas e certezas, amadureci esta ideia anos. Até que decidi: vamos ver como fica! O resultado é este. Tirei da cabeça, coloquei no papel. Eu revisor deu uma boa arrumada.
Me perdoem aqueles que, envolvidos nos fatos, tenha esquecido de mencionar. E os citados não sintam-se ofendidos ou magoados. Minha intenção nunca foi esta.
Espero que gostem,
Sérgio Figueira Sarkis
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A foto da capa é de Paulo Bonino.
As fotos do miolo são do acervo familiar e de arquivos digitais públicos; as que fogem a isto têm suas origens identificadas junto a suas legendas.
As principais fontes de consulta para este trabalho, além da memória pessoal, foram os livros Os dias antigos, de Renato Pacheco, edição de 1998; A ilha de Vitória que conheci e com quem convivi, de Délio Grijó de Azevedo, 2001; Tipos populares de Vitória, de Elmo Elton, 1985; e, Coquetel de saudades, de Dario Derenzi, 1980.
Revisão, edição e editoração
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A verdadeira viagem se faz na memória.
Marcel Proust
Dedicatória do autor: Dedico este livro à minha querida esposa Regina;
aos filhos Sérgio, Michel, Andréa, Alexandre e Ricardo
e aos netos Pedro Henrique, Ingrid, Carolina, Leonardo, Thiago e Victória
SFS
Fonte: No tempo do Hidrolitrol – 2014
Autor: Sérgio Figueira Sarkis
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2019
Pero de Magalhães de Gândavo, autor da 1ª História do Brasil, em português, impressa em Lisboa, no ano de 1576
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