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Maria Stella de Novaes: consciência e crítica

Maria Stella de Novaes

São poucas as pessoas que vivenciaram as principais mudanças de Vitória, a partir de 1910. Maria Stella de Novaes é uma delas. Nessa entrevista a João Eurípedes, Arleida Penha Badke - Todeska - e Fernando Sanchotene, ela conta os principais fatos que marcaram Vitória ontem e hoje. O texto final é de Fernando Sanchotene.

 

Maria Stella de Novaes retrata sua época com emoção e audácia. Seus 85 nos são de lucidez e seu depoimento relembra os anos de paciência e perseverança dedicados à preservação da memória espírito-santense. Seu falar macio e pausado. Uma vida dedicada as letras. Historiadora, poetisa, professora, é, também, botânica e folclorista.

Conheceu de perto os governos de 1907 em diante, pois freqüentou o Palácio desde então. Quando fala sobre sua vida, gosta de lembrar que é "sobrinha do Bispo Dom Fernando Monteiro e dos Presidentes Jerônimo e Bernardino Monteiro e, por afinidade, sobrinha de Florentino Avidos".

Seu depoimento foi prestado em seu recanto de trabalho, silencioso e constante, todo azul, sua cor preferida, cercada de livros, plantas e conchas, objetos principais de sua atividade. Ali, tudo está intimamente ligado ao Espírito Santo seu passado e seu povo.

Alternando expressões descontraídas, com uma pitada de humor, e olhar circunspecto, Maria Stella de Novaes fala sobre sua vida, seu testemunho de uma época e o que mudou. Começa falando de Vitória, ontem e hoje, descrevendo-a na primeira década desse século.

"Naquele tempo, Vitória era verdadeiramente Cidade-Presépio. De longe, bonita, com a moldura de seus morros cobertos de matas virgens enfeitadas de ipês, carnaubeiras, três-marias e outros ornatos naturais da selva. A entrada da baía era decantada em prosa e verso - mistura de Guanabara, com seu Pão de Açúcar conforme expressão de Harth. Mas, de perto! Sem água, luz e esgotos! A noite, ninguém podia sair sem guarda-chuva, porque os dejetos eram atirados das janelas. Pela manhã, os transeuntes deviam ter cuidado ao pisar".

Fazendo uma pequena pausa, volta à seriedade e continua:

- “Vitória de ontem era mais bonita, mais atraente. Distinguia-se pela entrada de navios. Os passageiros iam para o tombadilho apreciar a baía, com a curva da Capixaba, o Penedo e a moldura verde dos morros! Um encanto!

Sobre as mudanças, afirma que os aterros ganharam o mar e tiraram o atrativo das praias, como Bento Ferreira, Suá e outras: "A baía, miniatura da Guanabara, se foi".

"Temos agora somente um Porto, no prolongamento do Rio Santa Maria da Vitória. - A cidade está desfigurada quanto ao passado".

Falando sobre o processo de implantação de uma política de preservação do patrimônio, enfatiza, não deixando dúvidas:

"TARDE DEMAIS. Com os aterros, a demolição dos prédios antigos e a febre de edifícios de apartamentos, Vitória perdeu suas paisagens e o resto de seu passado. Lembremo-nos do Quartel da Polícia, do edifício do Fórum, da residência Episcopal, do castelinho do Dr. Kosciusko, da Chácara do Dr. Ceciliano de Almeida. Não há nada de fato para se preservar. É triste, mas é verdade. Cuidemos porém da conservação de algo. Recordação é o melhor. O Palácio Anchieta, que deveria ser Afonso Brás, precisa ser pintado de azul, cor que recorda as obras jesuíticas em Vitória. A Assembléia também deveria ser azul. Depois que pintaram o Carmo de amarelo e pêssego mataram-lhe a projeção no urbanismo. O Solar Monjardim e a Igreja de Santa Luzia também poderiam ser azuis. A Igreja de Santa Luzia era um interessante e valioso Museu de Arte Religiosa. Por que não se reorganiza?

Mas ela também se preocupa com o visual das ruas, lamentando a poda das árvores. Em lugar disso, sugere que elas cresçam livremente. Recomenda a utilização do pau-brasil na arborização das cidades, retirando os canteiros retangulares do trevo da Praça Costa Pereira plantando ali árvores. Na vida agitada que passou a reger a população capixaba, notadamente em Vitória, propõe que, junto as instituições bancárias, farmácias, correios e outros estabelecimentos e repartições, sejam colocados bancos, sofás ou poltronas, "para que os interessados não fiquem esperando de pé até serem atendidos".

Maria Stella de Novaes entende que "a nomenclatura urbana deva sofrer uma revisão, a fim de ter melhor cunho regional e biográfico. Basta que um estranho morra ou qualquer amigo dos vereadores para que seu nome seja posto numa rua. Em seguida pergunta:

- "Porque não se dá o nome de Luiza Grimaldi à Avenida Beira-Mar? Ela foi uma dama valorosa que realizou um Governo equilibrado e derrotou Caverdisch quando, após incendiar S. Vicente, veio atacar a Capitania. Em muitos estados hoje é cultivada a memória de muitas mulheres, como Joana Angélica, Anita Garibaldi, Ana Neri e outras. Por que não ela? E a terceira ponte poderia denominar-se Henrique Coutinho, já que a segunda está denominada de "Principe". Coutinho foi o idealizador desse transporte para o Continente.

O passado

Maria Stella de Novaes procura relembrar os principais momentos do governo de Henrique da Silva Coutinho.

- "O Presidente era uma figura bonita, de rara distinção que preparou a vinda do Dr. Jerônimo. Sofreu muito, porque a política do tempo era mesquinha, insuportável. Vitória, naquele tempo, era uma cidade de gente faladeira. O Coronel desapropriou um conjunto de casarões situados ao lado do Palácio, na Praça João Clímaco e ajardinou o local, para construir um coreto, onde a Banda de Música da Polícia fazia retretas. Providenciou uma enorme caixa d'água, a fim de que as plantas sempre estivessem bem tratadas. Liquidou a dívida externa, com o resultado da alienação da Estrada de Ferro do Sul ao Espírito Santo e da Estrada de Ferro Caravelas. Idealizou uma ponte para o continente e deu, para isso, as devidas providências, conforme carta endereçada a Dom Fernando. Nela, informava-lhe que havia depositado a verba em Londres, para o trabalho, e esperava os engenheiros que deveriam realizar os primeiros estudos. A ponte deveria partir do Cais ou Praça 8 de Setembro para Argolas, em Paul. Na referida carta dizia: 'Deus nos auxilie, meu bom amigo. Nossa terra ainda há de ser grande e nossa capital um encanto".

Segundo ela, passado o Governo para Jerônimo Monteiro, Coutinho se retira para Niterói, onde exerceu um cargo federal, conseguido pelo general Pinheiro Machado. Conta, ainda, que Jerônimo Monteiro, ao chegar para assumir o Governo, hospedou-se no Hotel Europa, o primeiro a ter água em caixa para uso doméstico e instalações hidráulicas. O hotel localiza-se na rua Duque de Caxias e foi fundado por Jacques Boudessier.

Uma das principais metas do Governo Jerônimo Monteiro, segundo conta, foi enfrentar o magno problema de água e de esgotos. Um assunto que preferiu não falar muito, porque trata-o detalhadamente em livro publicado sobre a biografia de Jerônimo Monteiro.

Outro aspecto levantado por ela foi o cuidado com que Jerônimo Monteiro se dedicou à educação. A Administração distinguiu-se pela Reforma da Instrução. Falou sobre o assunto com certa mágoa, pois não entende como uma escola que "ele criou e cuja vida acompanhou, levado pelo futuro da infância e da juventude”, ainda não recebeu seu nome: Escola Jerônimo Monteiro, em lugar de Escola Maria Ortiz. Para ela, as homenagens a Maria Ortiz deveriam ser feitas em forma de um busto "onde as crianças poderiam depositar flores".

Sobre a vida social da época, a escritora diz que foi Jerônimo Monteiro um estimulador de recepções em Palácio, geralmente às terças-feiras, ou nas datas nacionais. E prossegue:

- "Vitoria, nesse período, distinguiu-se pelo chamado espírito terrantez (termo regional que significa apego à terra), o vitoriense era daqui. Havia muita cordialidade e muita futrica. Aos sábados, formavam-se os assustados: reuniam-se duas ou mais famílias e apareciam numa casa, que tivesse plano, para algumas horas de reunião dançante. Assim, a mocidade se divertia, as mães conversavam e os pais jogavam cartas, mas nunca a dinheiro. Os assustados eram muito queridos, geralmente dirigidos pela senhora Adelaide Adnet, eximia pianista, mas que jamais estudou música.

Ela se lembra quando, aos feriados, o povo reunia-se em frente ao Palácio, "para manifestações ao Presidente, discursos inflamados, distribuição de doces e músicas no coreto".

Sobre a vida religiosa, lembra-se das novenas ao S. Sacramento, o Mês de Maria, a Quaresma, com Via Sacra, as quartas e sextas-feiras. "Tudo muito lindo, com a catedral antiga tomada pelos fiéis". Com muito humor lembra uma passagem daquele tempo:

"Os rapazes gozavam as trevas: levavam martelos e pregos. Na hora das trevas, pregavam a bainha do vestido das moças no chão. (Lembremo-nos da moda nesse tempo). Que tragédia quando acendiam as luzes e elas levantavam. Dom Fernando, com essa passagem, determinou que as trevas se fizessem com luzes acessas".

Seu rosto, antes alegre, se contrai para afirmar:

"O Dr. Bernardino Monteiro enfrentou o duro da Grande Guerra e a gripe espanhola. Cuidou principalmente do interior do Estado, com as estradas de rodagem e a lavoura de cacau, no Rio Doce".

Em seguida volta aos fatos alegres:

- "No dia 10 de outubro de 1918 entrou uma baleia e um baleiote (o filho), na baía de Vitória. O povo correu para o cais, o comércio fechou as portas, os funcionários públicos abandonaram as repartições, os alunos deixaram de ir a escola. Uma festa! No ano seguinte houve feriado, em homenagem à baleia".

Com Nestor Gomes a vida social arrefeceu. Suas três residências, segundo ela, serviam muito bem para despistar as visitas. Florentino Avidos acreditava que "o povo precisava mais", numa alusão às obras sociais empreendidas como, a casa de órfãos da Santa Casa, além de uma fazenda-laboratório: a fazenda Maruípe "uma das melhores do Brasil".

Foi um Governo voltado à remodelação da cidade, com a abertura da Avenida Capixaba, a construção de prédios para repartições públicas, da Ponte para o Continente, que leva o seu nome, tendo, efetiva participação de Moacir Avidos.

Uma vida aos 80

Maria Stella de Novaes é hoje um exemplo à nossa velhice. Mantém um trabalho diário, constante, desenvolvendo estudos nas diversas áreas em que atua. Estuda as flores e seus segredos tendo como flor preferida o lírio: "porque tem a pureza da cor, a retidão das linhas na corola e a rigidez da haste. Não se verga".

Sobre seus trabalhos inéditos, há dois livros sobre Anchieta, sendo um premiado em concurso do Conselho de Cultura. Sua maior preocupação com Anchieta é a de que "o Apóstolo não tem uma obra para que centenas de peregrinos ou simples visitantes a compre e a leia".

Permanece inédita, ainda, sua obra "História Militar no Espírito Santo". Uma obra que, segundo ela, "projetaria o Estado no cenário brasileiro". Da mesma forma, a biografia de Afonso Cláudio, "o grande amigo e protetor na fase dura das acumulações remuneradas". Nessa obra, a autora descreve toda a sua atividade no Movimento Republicano e na Campanha Abolicionista.

"Um homem extraordinário. Conheci-o bem. Dava-me lições de Direito a fim de que pudéssemos nos defender do Governo. Orientou nossos estudos e nosso trabalho".

Permanece na prateleira "A mulher na História do Espírito Santo" e sobre moluscos, a fim de atender a um pedido do Instituto de Malacologia de Juiz de Fora, que o publicará. É autora de um plano de arborização do Contorno, com bambu, além de um plano sobre Turismo, premiado em concurso. Além disso, costuma ler, diariamente A Gazeta, Tribuna e Jornal do Brasil, para "manter-me informada". E quando questionada porque tanta dedicação a seu trabalho, ela responde, finalizando a conversa:

- "O trabalho é intenso e a vida se vai!" Não perco tempo, mas, à noite, após às 18 horas, não trabalho. Nada escrevo. É tempo de oração, do repouso, do pensamento em Deus, da preparação para a outra vida!”.

 

Fonte: Revista Fundação Jones dos Santos Neves ANO II, nº 4 – outubro/dezembro de 1979, Vitória – Espírito Santo
Compilação: Walter de Aguiar Filho, julho/2017

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Augusto Ruschi

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Augusto Ruschi nasceu em Santa Teresa, em 13 de dezembro de 1915, uma pequena cidade de colonização italiana nas montanhas do Espírito Santo

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