Maximiliano, Saint-Hilaire e Rubim
Vale demorar um pouco para apreciarmos a situação da capitania tal qual a viram três observadores: o príncipe de Wied Neuwied, Auguste de Saint-Hilaire e Francisco Alberto Rubim.
O primeiro, autor da Viagem ao Brasil – livro que é, “sem contestação possível, um dos mais preciosos e encantadores”(62) – visitou o Espírito Santo em 1816. Ao lado dos apontamentos de ordem essencialmente científica, sua obra contém as mais variadas informações sobre a terra e a gente da região que percorreu. De cada lugarejo ou fazenda registrou deficiências e manifestações de progresso, sem esquecer a vida comercial, a psicologia do povo, a beleza da paisagem, o conforto ou miséria das casas.
Em Muribeca, encontrou trezentos escravos negros, dos quais uns cinquenta aproveitáveis para o trabalho, que era bastante árduo e, quase todo, dedicado à derrubada das matas. Verificou, outrossim, haver ali cultura de mandioca, milho, algodão e um pouco de café.(63) Surpreendeu-se, em Piúma, com uma ponte de madeira – “verdadeira raridade nessas paragens”.(64) Vitória pareceu-lhe, embora “um tanto morta”, “lugar limpo e bonito, com bons edifícios construídos no velho estilo português”.(65) Alarmou-se com a insegurança dos habitantes das margens do rio Doce, onde todos levavam consigo as espingardas quando iam às plantações,(66) escandalizando-se, também, em Linhares, cujos moradores não podiam viajar sem licença prévia, nem lhes era permitido consumir mais de uma garrafa de aguardente, por família, em três meses.(67)
Saint-Hilaire, de justificado conceito, perlustrando o Espírito Santo de sul a norte, em 1818, anotou números, dados históricos, observações sobre indústria, agricultura, comércio, alinhou reflexões a respeito da civilização dos índios, costumes dos brancos etc. etc. Segundo o naturalista francês, a faixa média de território cultivado não ia além de quatro léguas do mar.(68) As florestas e os temíveis botocudos mantinham a quase totalidade dos brancos agarrados à praia, como os caranguejos de que nos fala frei Vicente do Salvador. As condições alimentares eram precaríssimas. Só os ricos comiam carne. A grande massa da população vivia de farinha de mandioca, peixe fresco ou seco, marisco, feijão.(69) Referindo-se a Guarapari, diz que, quando de sua viagem, uma embarcação que viera da Bahia, para levar farinha, achava-se havia três meses ali sem ter podido completar seu carregamento.(70) O comércio de Vitória se limitava à exportação – para o Rio de Janeiro e Bahia – dos produtos da terra e tecido de algodão rústico. Importava-se, principalmente, ferro em barra e instrumentos de agricultura. Entre as praças do Rio e Vitória havia uma diferença para mais, nesta última, de trinta a cinqüenta por cento nos preços das utilidades.(71) Por certo, não existiam lojas de artigos de luxo, pois os homens trajavam-se com uma calça de algodão e camisa do mesmo tecido; as mulheres vestiam camisa de algodão e “saia indígena”.(72)
Rubim ampliou e atualizou os dados remetidos ao conde da Barca em 1816,(73) compondo as Memórias, publicadas em 1840.(74) O livrinho do operoso governador – na parte denominada Breve Estatística – contém informações de muito merecimento, todas assim resumidas:
Ver imagem do quadro logo abaixo da matéria.
Vilas 6 Ordens Terceiras 2
Povoações 6 Portos do mar 7
Freguesias 8 Rios principais 10
Capelania curada 1 Engenhos 75
Colégios de extintos jesuítas 3 Engenhocas 66
Santa Casa da Misericórdia 1 Fogos 3.729
Igrejas de particulares 4 Almas 24.585
Igrejas filiais 5 Batizados em 1817 1.087
Conventos franciscanos 2 Óbitos em 1817 824
Conventos do Carmo 1 Casamentos em 1817 273(75)
NOTAS
(62) - OLIVÉRIO PINTO, Prefácio da Viagem ao Brasil, 3.
(63) - MAXIMILIANO, Viagem, 123.
(64) - MAXIMILIANO, Viagem, 132.
(65) - MAXIMILIANO, Viagem, 140.
(66) - MAXIMILIANO, Viagem, 154.
(67) - MAXIMILIANO, Viagem, 158.
(68) - Segunda Viagem, 29.
– “Em fim os Sertões não estão ainda penetrados alem de seis léguas da beira Mar, e em partes menos”, informaria INÁCIO ACIOLI DE VASCONCELOS ao ministro Maciel da Costa, em trinta e um de agosto de 1824 (Pres. ES, III, 81).
(69) - “...feijão que juntam ao peixe, sem mesmo incluir toucinho, de que não fazem uso, porque a preguiça os impede de criar porcos”, conclui SAINT-HILAIRE (Segunda Viagem, 35).
– O príncipe de WIED-NEUWIED depôs: “Nos cerrados que margeiam a costa, habitam famílias pobres e esparsas, que vivem da pesca e da colheita de suas plantações. São em geral negros, mulatos e outras gentes de cor: há muito poucos brancos entre eles; queixam logo ao forasteiro de pobreza e indigência, que só podem provir da preguiça e da falta de iniciativa, porque o solo é fértil. Pobres demais para comprar escravos, e demasiadamente indolentes para o trabalho, preferem morrer de fome” (Viagem, 146).
– Referindo-se aos soldados do Quartel da Regência, anotou: “Essa gente passa muito mal; peixe, farinha de mandioca, feijão preto e, por vezes, um pouco de carne seca, constituem a sua única alimentação. São todos de cor, crioulos, índios, mamelucos ou mulatos” (Viagem, 152).
(70) - Segunda Viagem, 76.
(71) - SAINT-HILAIRE, Segunda Viagem, 100-1.
(72) - SAINT-HILAIRE, Segunda Viagem, 37.
– Viajantes Estrangeiros no Espírito Santo, de Levy Rocha, oferece cuidadoso e rigoroso resumo de quanto foi escrito no século passado pelos que, vindos de outras terras, perlustraram a província capixaba. São páginas de leitura amena e proveitosa.
(73) - Publicações do Arquivo Nacional, XIV, 95-110.
(74) - Memórias para servir à história até ao ano de 1817, e breve notícia estatística da Capitania do Espírito Santo, porção integrante do reino do Brasil. Escritas em 1818 e publicadas em 1840 por um capixaba. Lisboa, na Imprensa Nevesiana, 1840.
(75) - Memórias para Servir à História.
Fonte: História do Estado do Espírito Santo, 3ª edição, Vitória (APEES) - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo – Secretaria de Cultura, 2008
Autor: José Teixeira de Oliveira
Compilação: Walter Aguiar Filho, junho/2018
GALERIA:
Pero de Magalhães de Gândavo, autor da 1ª História do Brasil, em português, impressa em Lisboa, no ano de 1576
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