Melhoramentos urbanos e portuário: o novo arrabalde
O primeiro governo de Muniz Freire devotou-se prioritariamente, como já foi visto, à realização do plano de viação férrea. Toda a organização orçamentária do Estado foi construída em função dos compromissos assumidos com a construção da Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo, cujo objetivo primordial era a canalização para a cidade de Vitória de grande parte da produção econômica do interior do Estado e do vizinho Estado de Minas Gerais. A ideia que Muniz Freire perseguia sistematicamente era a de que Vitória deveria transformar-se numa grande cidade e num grande centro comercial.
Pois foi com base nessa mesma ideia que Muniz Freire desenvolveu a perspectiva de que a cidade, em sua configuração urbanística, precisava sofrer muitas alterações, adequando-se à perspectiva de crescimento continuo, e, para isso, mais uma vez, a intervenção do poder público era vista como essencial.
Ao final de seu governo, mesmo com o início de várias obras na capital, afirmava que seu governo não estava ainda de todo preparado para enfrentar a tarefa de ir transformando-a em uma cidade "cada dia mais digna da sua função de centro civilizado", em virtude da prioridade ferroviária que estabelecera. Contudo Muniz Freire pôde afirmar mesmo assim que se fizera "mais nos quatro anos decorridos (de seu governo) do que nos cinquenta ou sessenta anos que os precederam."(88)
A construção do Quartel de Policia e da Cadeia Pública, do chamado "Hospital de Isolamento", do Teatro, do novo Hospital do Suá, e a reconstrução do Palácio do Congresso foram as grandes obras urbanas iniciadas por Muniz Freire.
A construção do Quartel de Polícia anexado à Cadeia Pública, em local bem próximo ao atual Parque Moscoso, no centro da cidade, foi uma decisão tomada anteriormente pela Junta de Governo que antecedeu Muniz Freire, que a considerou uma decisão equivocada quanto à escolha do local. Mesmo assim, tendo em vista a urgência dela, a obra projetada foi concluída ainda em seu governo a um custo três vezes superior ao orçamento previstos que era de apenas 280 contos de réis e acabou ficando em mais de mil contos. Muniz Freire a justificou dizendo que desde muito tempo atrás a remoção da antiga cadeia pública e a construção de uma nova "impunham-se como uma necessidade de primeira ordem, levantada na imprensa, na Assembleia da província, na tribuna forense e nos relatórios dos Presidentes”(89)
Preocupado com a "educação estética" da população da cidade e com as condições cotidianas de existência das classes operosas Muniz Freire também decidiu-se pela realização de um sonho que tinha sido acalentado por seu próprio pai, o tenente engenheiro Manoel Feliciano Muniz Freire, o qual, ainda na década de 1870, pouco antes de morrer precocemente, havia fundado em Vitória um grupo de teatro que incluíra entre os seus planos o da construção de um teatro na cidade.
Reconhecendo que esse era o sonho de toda uma geração, que desenvolvera o gosto por essa atividade, e que o teatro era "uma necessidade palpitante". uma vez que rara era "a cidade do interior do país que não possui esse beneficio social", Muniz Freire decidiu-se, com a aprovação da Assembleia Legislativa, pela construção do famoso Teatro Melpômene. Foi o primeiro edifício do Espírito Santo iluminado a luz elétrica. Estava localizado bem próximo de onde hoje se encontra igualmente o célebre Teatro Carlos Gomes, que sucedeu ao Melpômene depois de sua destruição por um incêndio. Muniz Freire culpou o engenheiro encarregado da monumental construção em madeira, que durante quase três décadas viria a ser o centro da vida cultural da cidade, dizendo que esse inteligente funcionário teria ido “um pouco além dos meus votos, mas teve a fortuna de ligar o seu nome ao edifício mais belo de Vitória, e a um dos teatros mais bonitos e mais completos do país.” Ele mesmo descreveu a obra como “uma construção descente, elegante, proporcional ao nosso desenvolvimento e a mais barata que hoje se poderia obter reunindo esses elementos; se o progresso da Capital exigir dentro de 15 ou 20 anos outra mais vasta e mais pomposa, será motivo para nos desvanecermos, mas até esse tempo ficaremos servidos como o menor sacrifício possível.”(90)
Preocupado com a saúde pública, Muniz Freire iniciou já em seu último ano de governo, em 1895, a construção de um hospital de caridade, cujo plano, também encomendado ao mesmo engenheiro que construíra o teatro, era "vasto e monumental". Freire o descreveu dizendo: "pelas condições arquitetônicas, pelo aspecto geral, pelo conjunto de todos os detalhes de higiene, relativos à distribuição de luz, renovação de ar, dimensões de aposentos, asseio e polícia, esse hospital ficará sendo talvez um dos primeiros do Brasil, não em extensão, mas como obra de arte estética, subordinada à arte técnica". Situado na região que se chamava então de "Bento Ferreira", mas que é conhecida hoje como a "Praia do Suá", o hospital foi orçado na volumosa quantia de mais de mil contos de reis e não chegou a ser concluído na primeira gestão de Muniz Freire, o que ele já esperava, no entanto. (91)
De todos os melhoramentos e obras que o governo de Muniz Freire promoveu em Vitória, um se destaca por seu caráter francamente visionário e prospectivo: o projeto de construção do chamado "Novo Arrabalde".
Preocupado com a expansão material da cidade, "para desafogar a população existente e permitir a fixação das novas correntes trazidas pelo seu desenvolvimento comercial". Muniz Freire contratou o já célebre engenheiro sanitarista Francisco Saturnino Rodrigues de Brito, e encarregou-o da elaboração de um levantamento topográfico de uma grande área situada a nordeste do antigo sitio da cidade de Vitoria, formada pelos atuas bairros de Praia do Suá e Praia do Canto. Foram realizados ao mesmo tempo estudos para a construção de uma estrada ligando a cidade a essa área, onde hoje se localiza a atual Avenida Vitória. Para efetivar o projeto, foi criada, em 1893, a Comissão de Melhoramentos da Capital, presidida pelo mesmo engenheiro Saturnino de Brito.
Formado na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, um celeiro de positivistas como Muniz Freire, Saturnino de Brito, (1854-1929), nascido em Campos, no Rio de Janeiro, também era positivista, militou no movimento republicano e ainda viria a realizar obras de saneamento e planejamento urbano em inúmeras cidades do pais (São Paulo, Carapinas, Petrópolis, Campos, Santos, e muitas outras), e por isso foi considerado um dos mais notáveis sanitaristas brasileiros. Ele estava envolvido naquele momento (1895), juntamente com outro célebre engenheiro positivista, o mineiro Aarão Reis, citado anteriormente, com a construção da nova capital de Minas Gerais, a cidade de Belo Horizonte, que seria a primeira cidade brasileira construída através de planejamento moderno.
Desse modo, ao fim de seu primeiro governo, Muniz Freire já pôde dizer que a estrada projetada se achava quase praticamente concluída bem como os trabalhos de topografia solicitados. Ele reconheceu, entretanto, que: "Muito há a fazer para tornar essa grande área, cinco ou seis vezes maior que a cidade atual, um bairro saudável e convidativo. Destacam-se entre os serviços indispensáveis a conclusão e o alargamento gradativo da estrada, a construção de uma linha ferro-carril, o nivelamento das planícies, o aterro do braço de mangue que fica entre elas e os morros, a construção de cais, a drenagem do subsolo para esgotamento do lençol de água e uma larga plantação de eucaliptos, não só ao longo da estrada e à sua margem, como nos aterros que forem sendo feitos na orla de mangues paralela às planícies."(92)
A decisão visionária de promover o crescimento da cidade de Vitória na direção nordeste, numa área ainda quase completamente desabitada, baseou-se em três ordens de considerações.
A primeira, como já vimos, foi a de que a cidade estava destinada a vir a ser um grande centro urbano de influência e projeção regional e até nacional: essa ideia era o núcleo do projeto de Muniz Freire para o Espírito Santo.
A segunda era a de que o atual sítio e a localização topográfica de Vitória não comportavam esse crescimento.
E a terceira era a de que era igualmente inviável imaginar-se que o território da vizinha vila do Espírito Santo (atual Vila Velha) pudesse se prestar a esse papel.
O geógrafo e arquiteto Carlos Teixeira de Campos Jr. sugeriu, em seu trabalho pioneiro sobre o Novo Arrabalde, que a escolha do local para o estabelecimento do novo bairro, com uma dimensão cinco ou seis vezes maior do que o próprio sitio da Capital, talvez se tenha devido à importância assumida naquele contexto pela Companhia Brasileira Torrens, cujo interesses, segundo ele, "tiveram importância no processo decisório da escolha do lugar para localização do Novo Arrabalde.”(93)
Além de ser a proprietária legal dos terrenos do novo bairro, essa Companhia Torrens estava à frente de quase rodas as obras de vulto contratadas pelo governo. O contrato dessas obras tinha sido assinado inicialmente, ainda antes de Muniz Freire tomar posse, com Cleto Nunes, outro positivista amicíssimo de Muniz Freire e co-fundador com ele do jornal A Província do Espírito Santo, e também militante do Partido Construtor. Cleto Nunes teria assim transferido para a Companhia Torrens os contratos para a construção dos serviços de abastecimento de água, captação de esgotos, aterro do Campinho (atual Parque Moscoso) e outros melhoramentos na Capital. Por isso Campos Jr. supôs "que o citado cidadão não tivesse outro papel senão o de obter a concessão de forma desembaraçada e com todas as vantagens possíveis para a Companhia.”(94)
A partir de 1892, já no governo de Muniz Freire, as concessões feitas à Companhia Torrens se ampliaram, obtendo-se também a autorização do governo federal para efetuar obras no porto, com a construção de um cais de atracação de navios que iria desde as imediações da atual Praça Oito até ao fim da atual Avenida Jerônimo Monteiro. Contudo, as obras contratadas com a Companhia não foram efetivamente realizadas. E por causa disso, em 1894, o contrato com a companhia teve que ser renovado em virtude do fato de que o prazo do contrato estava se expirando e a maior parte das obras contratadas não tinha sido construída. Na sequência, o descumprimento de várias cláusulas contratuais levou, já no governo seguinte ao de Muniz Freire, à declaração de caducidade do contrato com essa Companhia.(95)
Notas
(88) FREIRE, Muniz. Relatório, 1896. Op. cit.,p.65.
(89) Idem, ib., p.67.
(90) Idem, ib., p.68.
(91) Idem, ib., p.69.
(92) Idem, ib., p.73.
(93) CAMPOS JR., Carlos Teixeira. O Novo Arrabalde. Vitória: PMV, Secretaria Estadual de Cultura, 7996, p.165.
(94) Idem, ib., p.166.
(95) Cf. Idem, ib., p.178.
Fonte: Memória do Desenvolvimento do Espírito Santo, Coleção, Grandes Nomes – José de Melo Carvalho Muniz Freire – 2012
Autor: Estilaque Ferreira dos Santos
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2019
Pero de Magalhães de Gândavo, autor da 1ª História do Brasil, em português, impressa em Lisboa, no ano de 1576
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